terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Juventude dourada brasileira



O texto abaixo foi escrito por uma estudante de Direito (São Francisco - USP)
De fato, parece que a formação ética-morall por lá não está das melhores, não.
 
Lamentável!



Fonte: Montbläat, 365 – 29/10/2010

FOCO: MARIA ELISA BITTENCOURT


Por razões que não cabe explicitar aqui, há três anos decidi voltar aos bancos escolares para cursar Direito. Passei pela via crúcis do cursinho e  cá estou eu no segundo ano da faculdade que há 183 anos está no Largo de São Francisco em São Paulo. Na verdade eu nunca tive apreço por advogados, porque o Brasil, não coincidentemente, é o país dos bacharéis, mas entrei com a esperança de poder fazer justiça de alguma forma. De qualquer maneira esta minha experiência tem me proporcionado reflexões sobre a elite intelectual brasileira.

A Universidade de São Paulo é pública e seu vestibular é concorridíssimo. Alunos de todo o Brasil vêm estudar na tradicional São Francisco: tenho colegas do Amazonas, de Goiás, de Minas Gerais, da Bahia, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Teoricamente portanto, congrega-se nas “Arcadas” a fina flor da juventude brasileira, os futuros líderes da Nação. Apesar de os advogados terem sido eclipsados nas últimas décadas pelos economistas, o fato é que se Dona Dilma cambalear teremos Michel Temer, lídimo produto das Arcadas, para nos representar.

Infelizmente o que encontrei até agora me desanima profundamente. Talvez seja o peso da idade – sou da safra 1972 – que me faça ver a juventude com olhos de azedume invejoso, talvez meus valores sejam muito diferentes, mas há coisas que realmente me espantam no comportamento dos meus colegas. Para começar, não há ali quase ninguém preocupado com a ideia de justiça, porque esta é uma geração já formada num caldo de cultura de cinismo que os faz achar que é natural que todo advogado minta para defender seu cliente e que todo juiz decida conforme sua própria cabeça – ou como os intelectualóides preferem dizer – ideologia, sem a mínima preocupação com a letra da lei, com a consistência ou com a repercussão na sociedade.

O que me espanta particularmente é a inconsistência de muitos dos alunos que se dizem de esquerda, defensores da universidade pública e dos direitos humanos dos pobres. Ao mesmo tempo, não frequentam a maior parte das aulas, porque são chatas e se valem dos mais criativos expedientes para tirar notas e serem aprovados, incluindo colas em “pergaminhos” finamente elaborados, alunos assinando lista de presença para todos os ausentes, num flagrante acobertamento típico de máfias, alunos que não chegam no horário da prova para esperarem os colegas saírem e lhes passarem as perguntas, alunos que mentem despudoradamente aos professores para não assumirem responsabilidades e riem por se acharem muito espertos ao darem esses golpes.

Ora que defesa é essa? Por acaso ao conquistarem o privilégio, e não o direito, de terem ensino superior gratuito, privilégio este negado na maioria dos países do mundo, não teriam a obrigação de serem bons alunos, de se prepararem para reverter à sociedade aquilo que ela lhes deu? Ao mesmo tempo que defendem da boca para fora a ética como valor fundamental e a coisa pública, como legítimos representantes da esquerda, agem como indivíduos mimados que fazem da faculdade um álibi para viverem ao léu, certos de seu lugar garantido
em algum rentável emprego público (52% dos magistrados do Estado de São Paulo são egressos da USP).

Seria de se esperar que os professores, mais maduros, tentassem educar essas crianças folgadas e lhes instilassem valores como o trabalho sério, o comprometimento. Que nada. Talvez porque tenham sido eles mesmos tão relapsos quanto seus pupilos ou por estarem cansados de remar contra a corrente, fazem vista grossa às picaretagens estudantis, dão notas a todos indiscriminadamente, não premiam o mérito. E os docentes mesmos muitas
vezes faltam às aulas porque têm compromissos mais importantes, como ganhar dinheiro, afinal dar aulas é só um cartão de visitas. Ou seja, a faculdade acaba sendo não um rito de iniciação à vida adulta, e às responsabilidades que ela acarreta, mas um rito de iniciação às malandragens necessárias a se dar bem em um país de Gérsons, a beber com estilo, pois todas as festas são regadas a generosas doses de etanol destilado, o combustível da juventude dourada brasileira.

É claro que há alunos sérios, aplicados, mas o clima acadêmico é tão dissoluto que aqueles que deveriam dar o tom se escondem, preferindo fazer seu trabalho tal qual formigas que se enfiam debaixo da terra para não serem pisoteadas. Sim, porque o aluno que faz perguntas durante a aula é um chato que impede que o tempo corra mais rapidamente para o dobrar do sinal, o aluno que não assina lista de presença para os outros é um sacana e aquele que assiste à aula enquanto a maioria tinha combinado dar um cano no professor é um traidor do grupo. E assim os maus tomam conta enquanto os bons se omitem, por falta de determinação para enfrentar os poderes constituídos.

Hoje, ao ler a respeito do Rodeio das Gordas promovido por alunos da UNESP, outra universidade pública no interior de São Paulo, não fiquei surpresa. Montar no cangote das gordinhas ou no dos pobres que sustentam os alunos da universidade pública, e que no caso da São Francisco ficam logo na porta, abrigados das intempéries enrolados em cobertores, é a mesma coisa: é a mesma molecagem, a mesma desfaçatez, a mesma indigência moral. Não considero mera coincidência que a China, país que bem ou mal está se construindo sobre sólidas fundações – poupança interna, ênfase na industrialização para a geração de emprego, defesa intransigente de seus interesses nacionais –, seja administrada por um engenheiro que dará lugar a outro engenheiro, cujo nome não lembro. Nosso pobre Brasil sempre foi um país de advogados, de muita retórica sobre ética, sobre direitos, liberdades, mas cuja prática egoísta e cruel insiste em ficar muito aquém daquilo que pregam.

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