quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Santayana: Há 40 anos, morria de Gaulle

O Estado de São Paulo, 10/11/2010

Rose Saconi - Arquivo Estado


No dia 10 de novembro de 1970 morria na França o general Charles de Gaulle, herói da resistência aos nazistas na Segunda Guerra mundial e presidente do país por 11 anos.

A edição de 11 de novembro do Estado daquele ano dizia:
"Morreu o general de Gaulle. A França ficou viúva". Com estas palavras, lidas com a voz trêmula de emoção, o presidente Georges Pompidou anunciou no dia 10 de novembro de 1970 a morte do homem que libertou a França do nazismo, presidiu o país durante 11 anos e lhe devolveu a grandeza.
A notícia da morte, ocorrida na noite anterior, levou quatorze horas para ser divulgada. Mas, quando Pompidou leu a mensagem, às 8h41 da manhã, o anúncio comoveu a França. A primeira reação da população foi de surpresa e incredulidade. O país inteiro ficou paralisado pela consternação. O presidente reuniu o gabinete e decretou luto oficial por três dias.
No parlamento, com lágrimas nos olhos, o líder do partido gaullista, Marc Jacquet, lamentou "meus amigos, o pai morreu". A sessão foi suspensa e os deputados passaram a discutir a morte do general. "Para muitos dentre nós, cuja vida foi marcada por este grande homem, a sensação é realmente a de ter perdido um pai", declarou o ex-ministro Maurice Herzog.
Os adversários de De Gaulle não se deixaram abalar. O político liberal Jean Lecanuet afirmou "A morte não muda sua vida. Grandes conflitos de ideais nos separavam. Mas eu penso na inesquecível grandeza do seu apelo de 18 de junho de 1940. Por isso, venero sua memória".
Estudantes esquerdistas ergueram vivas ao ser anunciada a morte do estadista, em que enxergavam um símbolo da "velha ordem" que precisa ser destruída. Centenas de estudantes desfilaram pelo campus da Universidade de Vincennes conduzindo cartazes com os dizeres: "De Gaulle estava morto desde 1968".
Georges Marchais, líder do Partido Comunista Francês, declarou ao Estado, "De Gaulle representava a política contra a qual lutamos". Entretanto, o general associou seu nome á resistência francesa que lutou contra os invasores nazistas. "É disto apenas que desejo me lembrar neste momento", acrescentou.
De Gaulle foi sepultado no dia 12 de novembro no túmulo da família em Colombey, ao lado de sua filha Anne. Transportado ao cemitério sobre uma carreta, o caixão, envolto na bandeira francesa, foi baixado a terra por um grupo de jovens de Colombey.
Pouco antes, representantes oficiais de quase todo o mundo participaram de uma missa solene celebrada na catedral de Notre Dame, em Paris, em homenagem ao líder francês que deixou seu nome escrito na história.

De Gaulle e a honra da França

Jornal do Brasil, 10/11/2010
Por Mauro Santayana

Ontem, há quarenta anos, o general Charles de Gaulle morria, em Colombey-les-Deux-Églises. Ele foi um dos gigantes do século 20, quando ainda havia estadistas no mundo. Há setenta anos, em 18 de junho de 1940, com seu apelo ao povo, para que lutasse contra o invasor alemão, De Gaulle salvou a honra da França, antes que ela se perdesse de todo, diante da vergonhosa capitulação de Laval e Pétain, do colaboracionismo ativo de Vichy. Com seu chamado, organizou-se a Resistência.

De Gaulle foi um grande estrategista e havia aconselhado seu país, nos anos 30, a adotar medidas militares que os alemães depois empregariam. Ele duvidava, e com boas razões, da eficiência da Linha Maginot, e queria criar forças blindadas bem estruturadas, apoiadas pela aviação, a fim de romper a frente inimiga, quando a guerra viesse. Sabia que ela se tornaria inevitável, diante da poderosa máquina militar alemã, coesa em sua obediência a Hitler. Mas todas essas qualidades militares foram menores do que a sua consciência de Estado e de nação. Na história de seu país, um só homem fora capaz de se devotar ao Estado com tamanha dedicação – o cardeal de Richelieu.

Em junho de 1940 as elites francesas pareciam ter abdicado da pátria, salvo alguns de seus filhos que, ao lado dos trabalhadores e intelectuais, lutaram, foram torturados, assassinados ou deportados para os campos de concentração, de onde poucos retornariam. Naqueles quatro anos, em que durou a presença alemã, só na Resistência houve o compromisso cotidiano de solidariedade que faz as nações, conforme a definição de outro francês, Renan.

No momento mesmo que a França se viu invadida, De Gaulle ordenou-lhe, de Londres, que resistisse. Paris foi ocupada no dia 14 de junho. De Gaulle só conseguiu autorização de Churchill para se dirigir a seus compatriotas no dia 18. Seu primeiro apelo durou poucos minutos. Condenou a capitulação dos governantes de ocasião, afirmou que a Alemanha seria derrotada pela aliança que se formava, e pediu que todos os franceses resistissem e lutassem, onde estivessem e como pudessem.

Naquele momento, outro francês, Giraud, comandava unidades navais que se encontravam fora da França no momento da capitulação. Giraud parecia mais importante do que De Gaulle, porque dispunha de tropas e de meios de combate e de maior confiança dos aliados. De Gaulle sabia que as poucas tropas disponíveis fora do solo francês, ainda que lutassem com denodo, não resolveriam o problema mais importante da França, que era interno. Naquele momento – e isso foi lembrado ontem – sua ideia de nação era maior do que a própria França talvez tivesse de si mesma. Ele acreditou em um povo que – salvo alguns enlouquecidos patriotas como ele mesmo – não parecia mais acreditar em si mesmo. Sua aliança não poderia ser com outras forças que não fossem as da esquerda, em que se incluíam os intelectuais da dimensão de Vercors, com suas Edições de Minuit. Os conservadores estavam ao lado do regime pró-fascista de Vichy. Seu delegado na França, Jean Moulin, conseguiu unificar todos os setores da Resistência, em que predominavam os comunistas e outros esquerdistas. A ideologia de De Gaulle era a do nacionalismo.
As nações, como os homens, podem ser vencidas pela força, mas não pela desonra. Quando elas fraquejam, conduzidas por governantes acovardados, como os de Vichy, cabe aos grandes – como foi De Gaulle – devolver-lhes esse necessário compromisso ético.

Sarkozy tentou apelar para a grandeza de De Gaulle, em busca de socorro para o seu débil e cambaleante governo. Mas o velho general não o ouviu. Sob a imponente cruz de Lorena, seu túmulo modesto é o testemunho de uma grandeza que hoje parece perdida na História.

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