domingo, 7 de novembro de 2010

Dois flagrantes da educação no Brasil


Vale a pena ler ... e refletir!

 
1. Sem Limites 
 
Ruy Castro (*)

Uma amiga me envia, assustada, cópia de uma redação escolar que circula na internet É um trabalho de sala de aula. Tem 20 linhas, foiescrito a mão e parece produzido por um aluno da 7a ou Sa série -13 ou 14anos? – não sei em que colégio ou Estado do Brasil. O tema é ohomossexualismo. O garoto não se conforma com a existência de tantos“gueis e sapátas” à sua volta.

O tom da composição é de ódio e ameaça. Se, em vez de palavras, o menino usasse qualquer ferramenta, teríamos uma grave ocorrência policial. Mas a violência já está na própria linguagem c.om que ele se expressa. “Esses bando de filho duma éguas não tem vergonha na cara deles mesmos própios”, diz.

“Eles deveriam morrer para sempre da vida etema”, “Eu não tenho nada contra nem a favor, muito pelo contrário”,
continua, num lampejo de culpa que logo se dissolve. “Eu fico é puto com esse negócio de cú (çanecagem) entre eles. Deixo minha indignação (tou puto mesmo) e peço os corretos que intenda minha revolta”. Outros trechos da redação são marcados por “é foda”, “esses viados” e “vão pra puta que pariu”.

Como alguém tão pouco à vontade com a língua pode passar da 2ª ou da 3ª série? Isso é o ensino no Brasil? E o que permite que um estudante brasileiro componha tal redação em aula e a entregue à professora? Onde
estão os limites que deveriam balizar a postura do aluno em face da
autoridade ou de uma pessoa mais velha? E se este não for um caso isolado?
                                              
A professora anotou 27 erros na redação – na verdade, são mais de 50. Deu zero ao garoto e escreveu ao pé da página que encaminharia o texto à direção do colégio. Se for uma escola pública, tudo bem. Mas, se for um
colégio particular, arrisca-se a ser suspensa ou despedida por contestar a paupérrima, miserável expressão de um aluno em dia com suas mensalidades.
 
(*) publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.


2 - O rodeio dos imbecis

RUTH DE AQUINO (*)


Universitários que “montam” à força em colegas gordas, numa competição para ver “qual peão” fica mais tempo sobre as meninas, são o retrato cru de uma sociedade doente e sem noção. O “rodeio das gordas” aconteceu em outubro em jogos oficiais de uma universidade importante, a Unesp, em São Paulo – não em algum rincão remoto. Não envolveu capiau nem analfabeto. Foi a elite brasileira, a que chega à universidade. Estamos no século XXI e assistimos perplexos à globalização da ignorância moral.
Mais de 50 rapazes, da Universidade Estadual de São Paulo, organizaram o ataque às gordas num evento esportivo e cultural com 15 mil universitários. Uma comunidade no Orkut definiu as regras: “Todo peão deve permanecer oito segundos segurando a gorda”; “gordas bandidas são mais valiosas”; “o corpo da gorda tem de ser grande, bem grande”. Os estudantes se aproximavam das meninas como se fossem paquerá-las. Aproveitavam para agarrá-las e montar nelas, e as que mais lutavam contra a agressão eram apelidadas de “gordas bandidas”. Uma referência ao touro Bandido, personagem da novela América. “A cada coice tomado, o peão guerreiro ganha 1 ponto”, anunciava o site de relacionamento.
A repercussão assustou os universitários. Roberto Negrini, um dos organizadores do torneio e filho de advogada, chamou tudo de “brincadeira”, mas pediu desculpas à diretoria da Unesp e se disse arrependido. Tentou convencer a todos de que “não houve preconceito”. Sites e blogs foram invadidos por comentários indignados. Mas havia muitos homens aplaudindo “a criatividade” dos estudantes. O internauta Arnaldo César Almeida, de São Paulo, propôs transformar a competição num “esporte olímpico”. Outro, que se identificou como Alexandre, escreveu: “Me divirto vendo esses kibes (sic) humanos dando coice! Vou até instalar uma baleia mecânica para treinar”.
Quem são os pais e as mães desses rapazes? A maior responsabilidade é da família. O que fez ou onde estava quem deveria tê-los educado com valores mínimos de cortesia e respeito ao próximo? Jovens adultos que agem assim foram, de alguma maneira, ignorados por seus pais ou receberam péssimos exemplos em casa e na comunidade onde cresceram.
O “rodeio das gordas”, promovido nos jogos da Unesp, é o retrato de uma sociedade doente
Não foi uma semana edificante. Meninas adolescentes, numa escola paulista em Mogi das Cruzes, trocaram socos. A mais agredida, de 14 anos, disse: “Alguns têm dó, mas outros ficam rindo porque eu apanhei”. Em Brasília, uma estudante usou a lâmina do apontador para navalhar o rosto e o pescoço da colega. No Rio de Janeiro, uma professora foi presa por manter relações sexuais com uma aluna de 13 anos. A loura da Uniban, Geisy Arruda, posou pelada, sem o microvestido rosa-choque, mostrando que tudo acaba na busca de fama e uns trocados.
Está na hora de adultos pensarem com cautela se querem colocar um filho no mundo. Se querem cuidar de verdade dessa criança. Ouvir, conversar, beijar, brincar, educar, punir, amparar, dedicar um tempo real para acompanhar seu crescimento, suas dúvidas e inquietações. Descaso, assédio moral e físico contra crianças, brigas entre pai e mãe, separações litigiosas podem levar a tragédias como a que matou a menina Joanna. Submetida a maus-tratos e negligência, Joanna talvez tenha simplesmente desistido de continuar no inferno em que se transformara sua vida aos 5 anos de idade.
Não sou moralista. Mas a sociedade mergulhou numa disputa de baixarias. As competições escancaradas na TV aberta, sob a chancela de “entretenimento”, estimulam a humilhação pública e a indignidade humana. Comer pizza de vermes e minhocas vivas, deixar ratos e cobras passear pelo corpo de uma moça de biquíni, resistir a vômitos, como prova de determinação e bravura – isso é exatamente o quê? Expor pessoas ao ridículo, enaltecer o lixo, a escória, em canais abertos a crianças e adolescentes… não seria inaceitável numa sociedade civilizada? Diante de alguns programas televisivos, o “rodeio das gordas” pode parecer brincadeira. Mas não é.

(*) Publicado originalmente na revista Época.

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