segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Classe D já é o dobro da A nas universidades

http://osamigosdapresidentedilma.blogspot.com/2010/11/classe-d-ja-e-o-dobro-da-nas.html

29 de novembro de 2010

Em apenas sete anos, número de estudantes da classe D se multiplicou por cinco e soma hoje 887,4 mil, ante 423,4 mil pertencentes à classe A

A classe D já passou a classe A no número total de estudantes nas universidades brasileiras públicas e privadas. Em 2002, havia 180 mil alunos da classe D no ensino superior. Sete anos depois, em 2009, eles eram quase cinco vezes mais e somavam 887,4 mil. Em contrapartida, o total de estudantes do estrato mais rico caiu pela metade no período, de 885,6 mil para 423, 4 mil. Os dados fazem parte de um estudo do instituto Data Popular.

"Cerca de 100 mil estudantes da classe D ingressaram a cada ano nas faculdades brasileiras entre 2002 e 2009, e hoje temos a primeira geração de universitários desse estrato social", observa Renato Meirelles, sócio diretor do instituto e responsável pelo estudo.

Essa mudança de perfil deve, segundo ele, ter impactos no mercado de consumo a médio prazo. Com maior nível de escolaridade, essa população, que é a grande massa consumidora do País, deve se tornar mais exigente na hora de ir às compras.

O estudo, feito a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela também que as classes C e D respondem atualmente por 72,4% dos estudantes universitários. Em 2002, a participação dos estudantes desses dois estratos sociais somavam 45,3%.

São considerados estudantes de classe D aqueles com renda mensal familiar entre um e três salários mínimos (de R$ 510 a R$ 1.530). Os estudantes da classe C têm rendimento familiar entre três e dez salários mínimos.na classe A, a renda é acima de 20 salário mínimos (R$ 10.200).

A melhoria da condição financeira que permitiu inicialmente a compra do primeiro carro zero e do celular aos brasileiros de menor renda também abriu caminho para que eles tivesse acesso ao ensino superior. Pesquisa do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA), que mede a intenção de compra dos consumidores por classe social, revela que subiu de 15%, no terceiro trimestre, para 17%, neste trimestre, a capacidade de gasto com educação em relação à renda da classe C.

Além da renda maior, Meirelles ressalta outros fatores que provocaram essa mudança de perfil socioeconômico dos universitários. Um deles é a universalização do ensino de segundo grau. Também contribuiu as bolsas de estudo do Programa Universidade para Todos (ProUni).

sábado, 27 de novembro de 2010

Lula quer que o Jobim seja o Marechal Lott da Dilma

http://www.conversaafiada.com.br/politica/2010/11/27/lula-quer-que-o-jobim-seja-o-marechal-lott-da-dilma/

    Publicado em 27/11/2010

O Lott de hoje não é do PTB. É tucano

Saiu no O Globo, página 4:

“Convencida por Lula, presidente eleita se reune com Jobim. Dilma já considera possível mantê-lo no Ministério da Defesa.”

“Lula tem dito a Dilma que Jobim é fundamental para evitar crise numa área delicada.”


Navalha

Jobim é o ministro Serrista do Lula.
Jobim detonou o plano de defesa dos direitos
humanos e a revogação da Lei da Anistia.
Jobim produziu uma babá eletrônica e demitiu
o grande brasileiro Paulo Lacerda.
Jobim substituiu o grande brasileiro Waldyr Pires
e, ao assumir o Ministério da Defesa,
foi grosseiro e anti-republicano.
O Marechal Lott foi quem deu posse a Juscelino.
Foi quem garantiu o mandato de Juscelino.
E se impôs como candidato à sucessão de Juscelino.
Lula quer enfraquecer a presidente eleita ao colocar
a Espada do Lott atrás da porta do gabinete da Dilma.
A Dilma não é uma presidente fraca.
Ela não se elegeu com menos de 50% dos votos, como o JK.
Ao contrário.
Ela teve 56% num segundo turno em que derrotou José Serra,
o Papa, o PiG e a Treva.
A Dilma não precisa do Lott.




Paulo Henrique Amorim

Quando o diabo ganha

Sexta-Feira, 26 de Novembro de 2010

A rendição de Obama aos super-ricos

Michael Hudson - New Economic Perspectives

Agora que o presidente Obama está quase celebrando seus renovados desejos bipartidários de reeditar os cortes de impostos para os super-ricos implementados por George Bush há dez anos, é hora de os Democratas definirem até que ponto vão se opor a uma administração que começa a parecer mais algo do estilo Bush-Cheney 3ª Parte. É isso que esperavam da promessa de Obama de ficar acima da política de partidos, quando agora governa em nome de Wall Street – que é, aliás, o principal contribuinte às campanhas de ambos os partidos?

Trata-se de um exemplo de como a atual luta de classes levada a cabo somente por uma das partes converteu-se precisamente no que disse Warren Buffet: que seu “bando” está ganhando sem se que trave uma verdadeira luta. Ninguém protestou realmente quando o presidente e seu assessor David Axelrod soltaram um balão de ensaio nas últimas semanas, insinuando que os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos vão se prolongar “somente” durante os próximos dois anos. Para todos os efeitos, o eufemismo “durante os próximos dois anos” significa, na verdade, para sempre – ou ao menos o tempo suficiente para que os super-ricos tenham tempo de mobilizar os recursos necessários e financiar os Republicanos necessários, para que estes, uma vez eleitos, façam dos cortes algo permanente.

Privilégios para 2% da população
É como se Obama estivesse fazendo campanha para sua própria derrota. Graças em grande parte ao resgate de Wall Street no valor de 13 bilhões de dólares – enquanto a dívida dos EUA seguia crescendo para o resto dos 98% mais pobres do país. Este agraciado setor de 2% da população recebe agora aproximadamente três quartos de todos os dividendos que produz a riqueza nacional (entre lucros, rendas e ganhos de capital). Isso é quase o dobro do que recebiam uma geração atrás. Enquanto isso, o resto da população é chamado a apertar o cinto, com montes de hipotecas em via de execução que estão deixando muita gente sem suas casas.

Baudelaire brincava dizendo que o diabo ganha justamente no momento em que consegue convencer a todos de que ele não existe. As elites financeiras de hoje vão ganhar a guerra de classes no momento em que conseguirem convencer o eleitor de que não existe tal guerra. E Obama está tratando de ajudar-lhes.

Trata-se da velha demagogia desavergonhada. Chegou o momento em que se deveria acabar com as isenções fiscais para o setor financeiro. Mas Obama vai em frente e pretende nos convencer de que “dois anos mais” vão nos ajudar a sair desta crise creditícia. Mas os planos dos Republicanos são avançar no Congresso e no Senado em 2012, na medida em que os eleitores de Obama vão optando por ficar em casa, como fizeram no início de novembro. Assim que “dois anos” significa, em termos políticos, para sempre. Por que votar em um político que promete “mudanças”, mas logo transforma essa promessa em uma mera exclamação, que na verdade segue com as políticas de Bush e Cheney no Afeganistão e no Iraque e também as do Wall Street’s Democratic Leadership Council, da ala direita de seu partido? Depois de tudo, um dos líderes desse Conselho foi precisamente Joe Lieberman, o mentor de Obama no Senado.

Alguém precisa construir os iates
O segundo pretexto alega que cortar os impostos dos super-ricos é necessário para conseguir o apoio republicano suficiente para incluir também a classe média nestas isenções fiscais. É como se os Democratas nunca tivessem ganho uma votação com minoria (recorde-se de George W. Bush com seus meros 50%, levando adiante políticas extremistas sob a lógica do “tenho capital eleitoral e vou usá-lo”. O que tinha, claro, era o apoio do Democratic Leadership Committee). E tudo isso é para “criar postos de trabalho”, começando pelos empregos dos trabalhadores dos estaleiros que vão fazer os iates para os novos ricos e terminando com os dez milhões de estadunidenses que não conseguem cumprir com os prazos de suas hipotecas. Soa muito keynesiano – ou pelo menos reminiscente de Thomas Robert Malthus que, como porta-voz da aristocracia latifundiária inglesa, argumentava que os proprietários de terra iam usar suas rendas para adquirir peões, construir carros ou contratar mordomos, e assim, iam manter a economia funcionando.

Mas o quadro é ainda pior. Os cortes de impostos à la Bush de Obama são só a primeira parte de um assalto em dois tempos para deslocar o peso arrecadatório do sistema na direção dos assalariados. Os economistas do Congresso estimam que prolongar esses cortes de impostos para os 2% mais ricos da população custará ao Tesouro público algo entre 700 e 750 bilhões de dólares ao longo de aproximadamente dez anos.E como vamos cortar esses 700 bilhões?” - perguntava o próprio Obama a Steve Kroft durante sua entrevista semana passada no programa 60 minutos, da CBS.

Era, é claro, uma pergunta retórica. O presidente colocou em marcha uma comissão bipartidária (gente da ala direita de ambos partidos) para “sanear” a situação orçamentária federal por meio de cortes nos gastos sociais, para assim poder pagar ainda mais resgates financeiros aqueles que arruinaram a economia. A Comissão Nacional para a Responsabilidade e a Reforma Fiscal poderia muito bem chamar-se “Comissão da Nova Guerra de Classes para Colocar de Novo o Custo da Seguridade Social e o Medicare sobre os Assalariados e assim Deixar mais Arrecadação Fiscal para Presentear os Super-Ricos”. Sem dúvida um nome maior que aquele posto por seus amigos dos meios de comunicação, a Comissão para Reduzir o Déficit, mas às vezes faltam muito mais palavras para chegar ao centro do cérebro.

O peixe grande come o peixe pequeno
O axioma político que está operando aqui é “o peixe grande come o pequeno”. Com a chegada das vacas magras não há arrecadação suficiente para seguir inchando as fortunas dos super-ricos e, ao mesmo tempo, pretender dispor de recursos suficientes para pagar as pensões e os auxílios sociais prometidos tanto aos cidadãos estadunidenses quanto aos europeus. Alguém tem que ceder e os ricos demonstraram ser bastante espertos para tomar a iniciativa. Para ter uma visão antecipada do que vai acontecer nos EUA, fixem-se na luta da Europa neoliberal desencadeada contra a classe média e trabalhadora na Grécia, Irlanda ou Letônia. Ou melhor ainda, o Chile de Pinochet, onde as contas da seguridade social recém privatizadas foram rapidamente saqueadas ao final dos anos 70 por uma cleptocracia bem assessorada pelos Chicago boys, cujo monetarismo acabou de ser abraçado de novo por Bem Bernanke, a pessoa que Obama pôs a frente do FED (o Banco Central dos EUA).

Para colocar em perspectiva a baixada de calças de Obama é preciso se fixar nos conselheiros pró-Wall Street que colocou ao seu redor – não somente Larry Summers, Tim Geithner e Ben Bernanke, mas também ao constituir sua Comissão para Reduzir o Déficit com declarados defensores dos cortes nas pensões, no Medicare e em qualquer outro gasto social. Sua jogada consiste em aterrorizar o público pintando um pesadelo de um déficit de 1 bilhão de dólares no sistema de pensões ao longo dos próximos 50 anoscomo se o Tesouro e o FED não tivessem acabado de liberar 13 bilhões em resgates para Wall Street sem sequer pestanejar. O presente de 750 bilhões de dólares do presidente Obama aos 2% mais ricos da população será a cereja do bolo que os ricos vão devorar quando as coisas começarem a ficar realmente feias para a classe trabalhadora.

Para ver as coisas em seu conjunto é preciso ter em mente que o juro pago sobre a dívida pública (que quadruplicou na era Reagan-Bush e que duplicou de novo no período Bush-Obama) vai chegar rapidamente à casa de um trilhão de dólares anuais. Isso não é mais que um imposto sobre o trabalho – já que aumenta o custo de vida e os custos da atividade econômica em geral – que está sendo pago por se ter perdido a luta pela reforma econômica e por se ter substituído um sistema fiscal progressivo por políticas neoliberais regressivas. E assim, enquanto o gasto militar no Oriente Médio, Ásia e outras regiões do planeta for o responsável pela maior parte do déficit dos EUA, o Congresso vai seguir aproveitando qualquer ocasião para conjurar não sei que nova ameaça externa que justifique seguir aumentando o poderio do exército.

A lógica das bolhas
Tudo isso é material da pior ciência econômica. É mantendo um déficit público que os atuais governos injetam crédito e capacidade aquisitiva necessários para que as economias cresçam. Quando os governos dispõem de superávit, como ocorreu com Bill Clinton (1993-2000), os bancos é que criam o crédito. E o problema com o crédito bancário é que grande parte dele é emprestado, com juros, sobre um principal que é, por sua vez, crédito. O resultado é que cedo ou tarde se criam bolhas sobre bens ou sobre títulos do mercado de valores. Isso gera ganhos de capital – que o sistema impositivo “original” de 1913 tratava como qualquer outra fonte de renda, mas que hoje em dia são gravados somente em 15% (e somente quando se materializam esses ganhos, o que é muito raro no caso de bens imóveis). É assim que o atual sistema tributário subsidia o crescimento das bolhas imobiliárias ou baseadas no excesso de crédito.
A autêntica traição: a posição da Comissão a respeito das deduções fiscais sobre os juros hipotecários.

A Comissão de “Impostos Regressivos” de Obama começou a preparar terreno com sua proposta de retirar as deduções fiscais das hipotecas de casas cujo preço estava já muito encarecido. A proposta ataca somente aos proprietários individuais de casas – a “classe média” – e não os especuladores imobiliários, investidores, corretores de bolsa ou outros agentes do setor bancário ou financeiro.

O IRS (Internal Revenue Service, a administração tributária federal nos EUA) permite que os juros hipotecários sejam dedutíveis fiscalmente sob a premissa de que se trata de um custo necessário para poder desenvolver um negócio. Mas, na verdade, é um subsídio à expansão do crédito partindo de um principal limitado. Este viés fiscal a favor do endividamento em lugar do investimento real (usando os fundos que alguém dispõe) é, em grande medida, o responsável de ter inundado a economia dos EUA com dívida.

Esse mecanismo anima o cassino financeiro com a compra e venda de bônus podres, o que de fato aumenta o juro que deve ser pago para fazer negócios. Esse subsídio ao endividamento é também a maior concessão feita pelo governo aos bancos, ao mesmo tempo que está na origem da deflação creditícia a favor do “livre mercado” enunciado ao longo do século XIX (um “livre mercado” significava livre do parasitismo dos rentistas, encaminhando-se o que Keynes com muita felicidade chamou de “eutanásia do rentista”. No entanto, a Comissão de Obama mantém os rentistas no nível mais alto do sistema econômico mediante um sistema fiscal que reforça seu poder ao invés de limitá-lo – ao mesmo tempo que aperta o restante dos agentes econômicos que estão embaixo).

A Tabela 7.11 das Contas Nacionais (NIPA, National Income and Product Accounts) mostra que o juro total pago nos EUA somou 3,24 trilhões de dólares em 2009. Os proprietários de imóveis pagaram cerca de um sexto desse valor (cerca de 572 bilhões) pelas casas que ocupam. A Comissão de Obama estima que eliminar as deduções fiscais sobre esses juros resultaria em cerca de 131 bilhões de dólares para o Tesouro em 2012.

Há de fato uma certa lógica em eliminar essas isenções. As deduções de juros hipotecários não supõe um autêntico arrocho sobre os proprietários. Mas isso é uma mera ilusão. O que o governo dá ao “proprietário” por um lado, acaba passando ao banqueiro por meio do mecanismo “de mercado” pelo qual quem quer comprar uma casa acaba tendo que ceder toda margem de lucro ao banco caso queira que este realmente conceda o empréstimo. O “equilíbrio” se alcança quando qualquer possível renda líquida acaba indo parar nas mãos dos bancos e, posteriormente, se converte em futuros empréstimos.

Isso significa que o que, em princípio, parece uma forma de “ajudar os proprietários” a pagar suas hipotecas, converte-se simplesmente em um mecanismo que permite que eles possam pagar juros bancários mais altos. Essa isenção fiscal utiliza, pois, os proprietários de imóveis como “mecanismo” para favorecer os bancos.

E é ainda pior. Ao tirar o tradicional imposto sobre bens, os governos estaduais, locais e o federal necessitam aumentar a carga fiscal sobre o trabalho e a indústria, transformando o imposto sobre a propriedade em impostos sobre a renda ou sobre o consumo. Para os bancos, isso implica transmutar arrecadação fiscal em ouro, ou seja, em juros. E a classe média de proprietários de imóveis tem que pagar agora o antigo imposto da propriedade aos bancos na forma de juros, mas além disso, pagar também a maior carga fiscal sobre a renda e o consumo que é necessária para compensar a menor arrecadação fiscal.

Os ricos criam emprego. Criam?
Eu estou de acordo com a eliminação do favoritismo tributário para o endividamento hipotecário. O problema é que a Comissão para o Déficit não torna essa medida extensiva ao restante da economia: o setor corporativo de bens imóveis e o setor empresarial e investidor em geral.

Mais uma vez o argumento volta a ser que “os ricos criam emprego”. Ao fim e ao cabo, alguém tem que construir os iates. Mas o que está por trás disso é um princípio mais fundamental: a desigualdade de renda e riqueza destrói postos de trabalho. Isso é assim porque os muito ricos alcançam rapidamente um limite a respeito do que podem consumir. E aí começam a gastar seu dinheiro comprando ativos financeiros – basicamente bônus, o que acaba endividando a economia. Esse excesso de dívida é que está levando a economia a uma depressão cada vez mais profunda.

Desde os anos 80, os corretores de bolsas tem se endividado com papéis podres com altos juros para se lançar sobre empresas com problemas e ganhar dinheiro desmantelando seus ativos, cortando os investimentos a longo prazo e pagando seus credores com créditos depreciados. Empresas que operam como parasitas financeiros utilizam as receitas comerciais normais para recomprar suas próprias ações e, assim, manter o preço de cotização das mesmas – e, de passagem, o valor das stock options que os altos executivos pagam a si mesmos – endividando-se ainda mais para seguir recomprando ações próprias ou diretamente para pagar dividendos.

Quando todo o processo chega ao fim, ameaçam os empregados com o risco de uma quebra que destruirá seus fundos de pensões caso não concordem em “reduzir” suas demandas trabalhistas e substituir seus planos de aposentadoria baseados em benefícios por planos baseados em contribuições (nos quais a única coisa que os trabalhadores sabem é quanto pagam a cada mês, mas não o que vão receber quando se aposentarem). Chegando a esse ponto, os altos executivos já terão pago a si próprios alguns salários e tornado efetivas suas stock options – tudo isso subsidiado pelo tratamento de favor fiscal que o governo confere ao endividamento.

As tentativas de assalto ao McDonalds e a outras empresas durante os últimos anos oferecem importantes lições sobre como funciona essa política de destruição financeira mediante “ativistas das Bolsas de Valores”. E, no entanto, a Comissão para Reduzir o Déficit, de Obama, restringe a supressão dessas isenções fiscais ao endividamento somente para a classe média proprietária, ignorando o restante do setor financeiro implicado. O que faz desta situação algo particularmente absurdo é que dois terços dos proprietários de casas sequer recorrem a essas deduções. O que deixa de ingressar no tesouro, por conta dessas deduções, provém principalmente do setor de grandes investimentos.

Se é correto (e creio que é) o raciocínio de que permitir que os juros sejam dedutíveis fiscalmente somente “libera” arrecadação para que se transforme em maiores juros pagos aos bancos – que logo se capitalizam na forma de empréstimos ainda maioresentão, por que não aplicar com mais ênfase essa supressão das deduções para os Donald Trumps e outros grandes investidores do setor imobiliário que operam usando o “dinheiro de outras pessoas” ao invés do seu? Na prática, esse “dinheiro” resulta ser crédito bancário que atualmente custa aos próprios bancos menos de 1% de juros. O sistema fiscal-financeiro está desviando os recursos dos investimentos comerciais em bens imóveis, aumentando o preço dos aluguéis, das moradias e, por extensão, de toda a atividade empresarial na indústria e na agricultura.

Desgraçadamente, a administração Obama deu seu apoio à política de Geithhner-Bernanke baseada na idéia de que a economia não pode se recuperar sem “salvar” o excesso de dívida. Mas a realidade é que o excesso de dívida é que está destruindo a economia. Assim, estamos diante do fato irreconciliável de que a posição adotada por Obama ameaça reduzir os padrões de vida entre 10 e 20% nos próximos anos – fazendo com que os EUA se pareçam mais com a Grécia, a Irlanda ou a Letônia do que com aquilo que nos prometeu nas últimas eleições presidenciais.

Algo deve ser feito politicamente caso se queira que a economia mude seu curso. Mas, concretamente, o que deve mudar é o atual privilégio dado a Wall Street a custa do resto da economia produtiva. O que fez com que a economia estadunidense perdesse competitividade foi principalmente o grau no qual o serviço da dívida foi erodindo o custo de vida e a capacidade para fazer negócios. A “economia lixo” da era pós-clássica considera o juro como um preço que paga pelo “serviço” de oferecer crédito. Mas o juro (como as rendas sobre a propriedade ou a extração de lucros monopolísticos) é uma transferência de recursos aos bancos pelo mero privilégio que tem de poder emitir crédito. Aqueles que se beneficiam do privilégio tributário com o endividamento são os arqui-ricos da parte mais alta da pirâmide econômica – os 2% que a renúncia fiscal de Obama vai beneficiar com outros 700 bilhões de dólares.

Se o atual curso das “reformas” fiscais não for revertido, Obama estará mostrando seus dentes de crocodilo para a classe média, apoiando o programa da Comissão para Reduzir o Déficit, baseado em cortes na Seguridade Social para evitar que estados e municípios não possam fazer frente aos pagamentos das pensões. No entanto, parece que um terço do total de bens imóveis dos EUA encontra-se em uma situação de quebra contábil, minando seriamente a arrecadação fiscal estatal e local, forçando uma situação na qual seja preciso escolher entre a quebra, a moratória da dívida, ou colocar as perdas nos ombros dos assalariados em benefício dos ricos credores que são precisamente os responsáveis de ter inundado o mercado com dívida.

O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street
Os críticos da agenda econômica de Obama-Bush insistem que a Idade Dourada da América, no final do século XIX, foi de fato uma era de polarização econômica e de luta de classes. Naquele momento, o líder democrata William Jennings Bryan acusou Wall Street e os credores de crucificar a economia dos EUA em uma cruz de ouro. A volta do preço do ouro ao seu valor de antes da Guerra Civil levou a uma guerra financeira que tomou a forma de uma deflação creditícia, na medida em que a queda dos preços e das rendas de agricultores e assalariados impediu que estes pudessem fazer frente às suas cada vez mais caras hipotecas. A Lei de Impostos sobre a Renda de 1913 tratava de corrigir isso, concentrando o esforço fiscal no 1% mais rico da população, os únicos que estavam obrigados a fazer declaração da renda e a pagar impostos. Os ganhos de capital eram tratados como quaisquer outros. Desse modo a maior parte da carga tributária recaía sobre o setor das finanças, dos seguros e dos bens imóveis.

Mas os interesses privados passaram todo um século batalhando contra isso.
E agora tem a vitória ao alcance da mão, perpetuando os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos da população, desativando a tributação sobre a riqueza, deslocando a pressão fiscal sobre a propriedade para a renda do trabalho e o consumo e atacando qualquer gasto público que não seja para resgates financeiros e subsídios à emergente oligarquia financeira em que se converteu o novo “bipartidarismo” de Obama.

O que necessitamos é de uma Comissão para o Futuro que nos antecipe o que os ricos vão fazer, agora que conseguiram a vitória total. Tal como a estão administrando Obama e os altos cargos designados por ele como Tim Geithner e Bem Bernanke, sua atual política é fiscal e financeiramente insustentável. Manter os incentivos fiscais ao endividamento – para que a maioria da população acabe endividada frente aos ricos, para quem aliás desaparece virtualmente toda imposição fiscal – é simplesmente debilitar a economia. Isso levará a crises financeiras cada vez piores, onde os assalariados não conseguirão pagar suas contas e os estados, os municípios e inclusive o governo federal entraram em risco de quebra fiscal.

Os presidentes seguintes terão que pôr em marcha mais resgastes financeiros, usando cada vez mais estratégias parecidas com as das emergências militares. Uma guerra financeira exige que o Congresso atue emergencialmente, como ocorreu em 2008-2009. Os assessores de Obama estão transformando a economia dos EUA em um permanente estado de sítio, um Jogo de Ponzi (*) perpétuo que vai requerer mais e mais injeções de facilidades de crédito para “resgatar” a economia (o eufemismo usado por Obama para falar dos credores na parte de cima da pirâmide econômica) do perigo de cair na insolvência. O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street. Seu auxílio monetário não alcança o resto da população.

(*) Este jogo caracteriza-se pelo fato de o agente econômico (seja consumidor, empresa ou governo) renovar continuamente seus empréstimos para pagar não somente o principal, mas também o total dos juros devidos pelo empréstimo, acarretando um crescimento em bola de neve da dívida contraída.

(**) Michael Hudson é ex-economista de Wall Street e atualmente um Pesquisador destacado na Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), e presidente do Instituto para o estudo das tendências de longo prazo da economia (Institute for the Study of Long-Term Economic Trends ISLET). É autor de vários livros, incluindo Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) [Super Imperialismo: A Estratégia Econômica do Império Ameicano] e Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. [Comércio, Desenvolvimento e Dívida Exerna: Uma História das Teorias da Polarização versus Convergência na Economia Mundial.

Tradução: Katarina Peixoto

Ultradireita republicana declara guerra a governos de esquerda

Sexta-Feira, 26 de Novembro de 2010


Por Niko Schvarz, para o La República (Uruguai)

O encontro, realizado nos salões da Câmara de Representantes, foi caracterizado como uma declaração de guerra contra esses governos da nova América Latina. Os congressistas anfitriões republicanos fizeram o convite sob o alento das eleições de 2 de novembro, que lhes deu o controle da Câmara de Representantes, desbancando os democratas. E ficou claro que aspiram conduzir o governo a um enfrentamento aos governos mencionados, particularmente os da Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua (foi apresentada uma moção pedindo sua expulsão da OEA) e, é claro, Cuba. O título do encontro era "Perigo nos Andes: ameaças à democracia, aos direitos humanos e à segurança interamericana".

Quem deu a tônica foi a congressista Ileana Ros-Lehtinen, da máfia anticubana de Miami, que passará a presidir a Comissão de Relações Internacionais da Câmara de Representantes.

Ela disse que "agora, mais que nunca, é o momento de os Estados Unidos apoiarem seus amigos" e cooperar "com seus sócios na região para enfrentar o declínio das liberdades democráticas e os direitos humanos" por parte dos governos de Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador.

É preciso lembrar que a congressista apoia furiosamente o bloqueio contra Cuba e conclamou algumas vezes pela eliminação de Fidel Castro, interveio a favor de um indulto e da libertação do terrorista Orlando Bosch (responsável junto a Posada Carriles, entre outros atos, da explosão do avião da Cubana de Aviación em 1976) e apoiou o golpe de estado em Honduras.

Junto a ela estava Connie Mack, republicano pela Florida e próximo chefe do subcomitê de Relações Exteriores para o Hemisfério Ocidental (ou seja, que se ocupará especialmente da América Latina), que esboçou seu programa de ação nestes termos: "Espero que agora, que teremos uma nova maioria, enfrentemos de maneira frontal a Chávez, que é uma ameaça para a democracia na América Latina e o mundo". (O presidente venezuelano acaba de denunciar um plano para assassiná-lo, para o qual há cerca de US$ 1 milhão disponíveis para executar o conluio).

Entre os think-tanks organizadores deste sabá de feiticeiras ou reunião de bruxos no Capitólio se encontra a Fundação Heritage, da qual são membros proeminentes Otto Reich e Roger Noriega, que também puseram lenha no fogo. São dois velhos urubus, papagaios da política intervencionista dos EUA na América Latina. Otto Reich foi enviado especial para a América Latina do ex-presidente George W. Bush e Noriega foi vice-secretário de Estado para a região do mesmo presidente, o que acentua a convicção de que o objetivo do conclave é ressucitar a política do antecessor de Barack Obama e relação à nossa América.

Otto Reich apoiou o fracassado golpe de Estado de abril de 2002 na Venezuela e contribuiu para a legitimação do golpe em Honduras, em junho de 2009. Quanto ao cubano-estadunidense Roger Noriega, integrante de uma confraria com Otto Reich e o conhecido John Negroponte, foi embaixador dos Estados Unidos na OEA, esteve diretamente envolvido com o escândalo da operação Irã-Contras na Nicarágua e também na guerra civil em El Salvador no princípio dos anos 1980, junto aos esquadrões da morte e no assassinato de vários religiosos.

O cartel de participantes foi completado com personagens como: Luis Núñez, presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Bolivia, que promove a secessão desse departamento boliviano e integrou a conspiração paramilitar que projetou o assassinato de Evo Morales e terminou há dois anos com a morte do conspirador húngaro-croata Eduardo Rózsa Flores; o ex-presidente boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, responsável da Guerra do Gás, de outubro de 2003 e as sequelas de sua sangrenta repressão e que está fugido nos Estados Unidos, país que se nega a extraditá-lo para a Bolivia; o ex-candidato presidencial e ex-governador boliviano Manfred Reyes Villa, fugitivo da justiça; Guillermo Zuloaga, proprietário do canal venezuelano Globovisión, acusado de corrupção, também fugitivo da justiça e radicado em Miami.

Não podia faltar, é claro, a 'benemérita' Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), em cujo nome falou o presidente em fim de mandato Alejandro Aguirre. Esta lista está longe de ser exaustiva.

O embaixador venezuelano nos Estados Unidos, Bernardo Álvarez, disse com razão que esta reunião evidencia que em Washington há quem queira "apagar a luz das novas democracias latino-americanas", que a extrema direita da América Latina conta com o apoio de setores políticos do país do norte do continente para "frear os ares integrantes que sopram na Pátria Grande" e que a "ideia é voltar ao cenário de desestabilização, mas este cenário está condenado ao fracasso".

Documento de Sante Fé
A Heritage Foundation, uma das organizadoras do conclave, é a mesma que, junto com o Grupo de Santa Fé (capital do Novo México) elaborou em maio de 1980 o Documento de Santa Fe 1, dirigido a Ronald Reagan e que continha as linhas mestras de um plano para o domínio unilateral da América Latina. Às vésperas da posse de George W. Bush, surgiu em janeiro de 2001 o 4º Documento de Santa Fe, que revive a Doutrina Monroe, com seu componente abertamente intervencionista e coloca em primeiro plano o poderio militar dos EUA. É com estes antecedentes que a Heritage Foundation participou na reunião do Capitólio.

Tradução: Vermelho.org

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http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=142359&id_secao=7
25 de Novembro de 2010

Reflexão de Fidel sobre Evo: "Nunca um discurso foi tão oportuno"

Há momentos na história que exigem um discurso, ainda que tão breve quanto “Alea jacta est”, de Júlio César quando atravessou o Rubicão. Teve que atravessá-lo nesse dia, justamente quando os ministros da defesa dos Estados soberanos do Hemisfério Ocidental estavam reunidos na cidade de Santa Cruz, onde os ianques têm encorajado o separatismo e a desintegração da Bolívia.
Por Fidel Castro Ruz
 

Cuba Debate
 
Era segunda-feira e as agências de notícias estavam dedicadas à divulgação e comentários sobre a reunião da Otan [Organização dos países do Tratado Atlântico Norte] em Lisboa, onde essa instituição belicosa, em linguagem arrogante e rude, proclamou seu direito de intervir em qualquer parte do mundo onde sentirem ameaçados os seus interesses.

Ignorava-se por completo o destino de milhares de milhões de pessoas, e as verdadeiras causas da pobreza e do sofrimento da maioria dos habitantes do planeta. O cinismo da Otan merecia uma resposta, e ela veio na voz de um índio aymara da Bolívia, no coração da América do Sul, onde uma civilização mais humana floresceu antes que a conquista, o colonialismo, o desenvolvimento capitalista e o imperialismo impusessem a lei da força bruta, com base no poder das armas e das tecnologias desenvolvidas.

Evo Morales, presidente do país, eleito pela grande maioria do seu povo, com argumentos, dados e realizações irrefutáveis, talvez até mesmo sem conhecer o infame documento da Otan, deu resposta à política que o governo dos EUA pratica historicamente com os povos da América Latina e no Caribe.

A política de poder, expressa através de guerras, crimes, violações da Constituição e das leis; envolvimento de oficiais das forças armadas em conspirações, golpes de Estado, crimes políticos que foram usados para derrubar governos progressistas e instalar regimes de força aos quais sistematicamente oferecem apoio político, militar e da mídia.

Nunca um discurso foi tão oportuno. Usando muitas vezes as formas expressivas de sua língua aymara, disse verdades que passarão à história.

Tentarei sintetizar, utilizando suas próprias palavras e frases, o que ele disse:

"É uma grande satisfação em receber em Santa Cruz de la Sierra os ministros e ministras de Defesa da América, Santa Cruz, terra de Ignacio Warnes, Juan Manuel José Vaca, homens rebeldes de 1810, que lutaram e deram suas vidas pela independência da nossa querida Bolívia. Homens como Andrés Ibáñez, Atahuallpa Tumpa, irmão indígenas que durante a república lutaram pela sua autonomia e pela igualdade dos povos em nossa terra. Bem-vindos à Bolívia, terra de Tupac Katari, terra de Bartolina Sisa, de Simon Bolívar e de tantos homens que deram a sua luta por 200 anos pela independência da Bolívia e de muitos países na América".

"A América Latina vive [...] profundas transformações democráticas nos últimos anos, buscando a igualdade e a dignidade dos povos ...  seguindo os passos de Antonio José de Sucre, Simón Bolívar, de vários líderes indígenas, mestiços, crioulos, que viveram há 200 anos".

"Há exatamente uma semana atrás, celebramos o bicentenário do Exército da Bolívia: em 14 novembro de 1810, índios, mestiços e criollos se organizaram militarmente para lutar contra a dominação espanhola ...
Nos últimos anos a América Latina retoma essa decisão de se libertar, como uma segunda libertação, não só social ou cultural, mas econômica e financeira, dos povos da América Latina".

"... esta IX Conferência de Ministros da Defesa debate gênero e multiculturalidade nas forças armadas, democracia, paz e segurança nas Américas, desastres naturais, assistência humanitária e o papel das forças armadas, um temário acertado, uma agenda bem colocada para discutir a esperança do povo, não apenas da América, mas do mundo ".

"Em 1985 [...] só tinham o direito de ser eleito ou eleger autoridades quem tinha dinheiro, quem tinha profissão e quem falava espanhol ou castelhano. Menos de 10 por cento da população da Bolívia poderia, portanto, participar sendo eleita ou elegendo autoridades, e mais de 90 por cento não tinham direito [...] tem havido diferentes processos [...] algumas reformas, mas no ano de 2009, pela primeira vez com a participação do povo boliviano, uma nova Constituição do Estado Plurinacional foi aprovada pelo povo boliviano. ... Nesta nova Constituição, é claro, entram os setores mais marginalizados [...] que não tinham o direito de ser eleito ou eleger as autoridades do Estado da República da Bolívia".

"Tivemos que gastar mais de 180 anos para fazer mudanças profundas e incorporar esses setores historicamente marginalizados na Bolívia e, espero estar enganado, mas acho que é o único país, não só na América, mas o mundo, que tem 50 por cento de mulheres ministras e 50 por cento de homens."

"Quero dizer a vocês, queridos ministros, ministras, que nunca houve participação como agora. Anteriormente apenas a cor da pele determinava a hierarquia da sociedade, agora, um índio, agora o dirigente de um sindicato, um intelectual, um profissional, um líder empresarial, um militar, um general, democraticamente qualquer um pode ser presidente, antes não havia essa possibilidade, de mudar tanto a Bolívia e a nossa Constituição”.

"Quando esta conferência debate apenas segurança, democracia e paz... rever a história, alterar a legislação, é muito emocionante para mim, é um prazer revisar não só por revisar, mas mudar a democracia na América Latina, a segurança, a paz, na América ou o mundo. Se falarmos da democracia na história da Bolívia, no passado havia apenas uma democracia pactuada, não havia nenhum partido que poderia ganhar com mais do que 50 por cento dos votos, como diz a Constituição do Estado Plurinacional ...".

"... Quando alguns dos nossos adversários - como vocês, em cada país, têm a sua oposição – nos dizem um governo totalitário, um governo autoritário, um governo ditador, que culpa eu tenho se esse programa de governo proposto por um partido tem mais de dois terços em diferentes estruturas do Estado Plurinacional? Só não pude ganhar a prefeitura da cidade de Santa Cruz”.

"E alguns dizem que temos pensamento único, não há pensamento único, só um programa trabalhado com diferentes setores sociais, encabeçados pelos movimentos sociais tradicionais e de trabalhadores consegue esse apoio para mudar a Bolívia. Mas o que nós enfrentamos no caminho, se falamos de democracia, foi conspiração, golpe de Estado, tentativa de golpe de Estado em 2008 [...], cujo coordenador foi o ex-embaixador dos EUA”.

"Eu estava revendo algo da história [...]sobre o golpe de Estado de 1964, quando o presidente era o tenente-coronel Gualberto Villarroel, que disse, como presidente: ‘não sou inimigo dos ricos, mas eu sou mais amigo dos pobres’, o militar patriota foi o primeiro presidente que convocou um congresso indígena. Outro presidente, Germain Bush, disse que não chegou à presidência para servir aos capitalistas. Um militar”.

"O primeiro presidente que nacionalizou os recursos naturais foi um outro oficial, David Toro. Eu estou falando de 1937 ou 38 [...] em 1946 ele foi atacado, ele foi assassinado no palácio... a ofensiva concentrou-se no Palacio Quemado, que fica na mira da rua Illimani, da esquina Bolívar, da Rua do Comércio, da polícia, da parte de trás do edifício de La Salle e da construção Kersul, onde fica o consulado dos Estados Unidos... o fogo vinha do edifício Kersul, do consulado dos EUA, contra o militar patriota que garantiu o primeiro congresso indígena... do consulado dos Estados Unidos, metralharam, atirando para acabar com a vida de um militar, há documentos que relatam”.

"... A história se repete, eu tive que enfrentar um embaixador organizando, planejando acabar meu mandato anti-democraticamente, e eu sinto que isso se repete em todo o mundo”.

"Mas um companheiro, um compatriota nosso, vítima de muitos golpes militares, me disse, ‘presidente Evo, cuidado com a embaixada dos Estados Unidos, houve golpes de Estado em toda a América Latina’, e me disse que só não há um golpe nos Estados Unidos porque não há embaixada dos Estados Unidos. Realmente chego a entender que a história não ouve a verdade dos golpes de Estado”.

"... Nós, os países que enfrentamos tentativas de golpe em 2002 na Venezuela, em 2008 na Bolívia, em 2009 em Honduras e em 2010 no Equador, temos que reconhecer, compatriotas latino-americanos ou da América, que os Estados Unidos venceram em Honduras, que consolidaram o golpe, o império dos EUA ganhou, mas também o povo da América, na Venezuela, na Bolívia e no Equador, venceu. [...] O que será no futuro, nós veremos no futuro".

"... Nós temos o direito de pautar como garantir a democracia em cada país, mas sem golpes ou tentativas de golpes. Mas quando falamos de paz, eu pergunto como pode haver paz se há bases militares. E posso falar disso com algum conhecimento, porque eu tenho sido vítima de tais bases militares dos EUA, a pretexto de combater o tráfico de drogas. Quando eu era um soldado raso das Forças Armadas de 1978, os oficiais e suboficiais me ensinaram a defender a pátria, as Forças Armadas têm que defender a pátria, os militares não podem permitir que qualquer militar estrangeiro uniformizado e armado permaneça na Bolívia”.

"... Quando eu me tornei líder, pessoalmente, testemunho que não só a DEA [Departamento Antidrogas dos EUA] uniformizada e armada conduzia as Forças Armadas ou a Polícia Nacional, mas também, com sua metralhadora, sob o pretexto do combate ao tráfico de drogas, combatia os movimentos sociais, perseguia com seus aviões as marchas de Santa Cruz, de Cochabamba, de Oruro, e não podiam nos encontrar nem com seus aviões, e diziam que eram marchas fantasmas... Chegavam milhares de companheiros trazendo reivindicações e buscando a dignidade e a soberania do nossos povos... estou convencido de que, se nossos povos lutam por essa dignidade, por essa soberania, não se pode deixar fazer essas coisas com bases militares ou intervenções militares. Todos nós, por menores que sejamos, os países chamados subdesenvolvidos, países em via de desenvolvimento, temos soberania. Além do mais, quando eu estava no parlamento, tentaram me fazer aprovar a imunidade para os membros da embaixada dos EUA”.

"O que é imunidade? Que os funcionários da embaixada dos EUA, incluindo o DEA, se cometerem um crime não serão julgados de acordo com as leis bolivianas, era uma carta aberta para matar, ferir, como fizeram na minha região."

"... A paz é a filha legítima da igualdade, da dignidade, da justiça social, se não há dignidade, se não há igualdade, se não há justiça social, não podemos garantir a paz. Há povos que se rebelam porque há injustiça".

"Se para um país, para uma região, a solução é o comunismo, tudo bem, se para outro país é o socialismo, tudo bem, para outro país, o capitalismo, tudo bem, é a decisão democrática de um país. Mas agora que nós ganhamos essa luta, que não podem mais justificar uma doutrina anti-comunista para calar as pessoas, para mudar de presidente, para mudar os governos, vêm com outra doutrina, a guerra contra as drogas”.

"É claro que é obrigação de nós todos o combate às drogas [...] a Bolívia não é a cultura da droga, a Bolívia não é a cultura da cocaína, mas de onde vem a cocaína? Do mercado de países desenvolvidos, que não é de responsabilidade do governo nacional, que no entanto é forçado a combater... Por trás da luta contra o tráfico de drogas não podem haver interesses geopolíticos, pois a pretexto de combater o tráfico de drogas, demonizam os movimentos sociais, criminalizam os movimentos sociais, confundem coca com cocaína, confundem o produtor de folha de coca com o traficante, ou o consumo legal da folha de coca com a dependência das drogas”.

"Por que não lutaram contra a coca antes, no século passado, se a coca faz mal, os europeus foram os primeiros proprietários a explorar a folha de coca, provavelmente faziam também cocaína. Os governos dos Estados Unidos antes davam certificados de reconhecimento para os melhores produtores de folha de coca, por quê? Para que esse produtor de folha de coca pudesse atender aos mineiros, que exploravam o estanho. A intenção era levar esse estanho para os Estados Unidos”.

"... O mundo sabe, você sabe, a chamada guerra contra as drogas fracassou. Há que se mudar essas políticas, é claro. Uma nova política, por exemplo, para acabar com o sigilo bancário. Ou os grandes traficantes, os peixes grandes do narcotráfico, andam carregado seu dinheiro na mochila, viajando de avião? Não! Circulam nos bancos. Por que não pôr fim ao sigilo bancário para acabar com a droga, para controlar o traficante de drogas?”.

"Por que não cada país defender a entrada de drogas no seu próprio país? Com as tecnologias de radar, eu sinto que há capacidade de controlar. Mas não podemos controlar, isso é somente um pretexto, o de combater tráfico de drogas, para que se apliquem políticas de controle sobre todos, especialmente voltadas para tomar os recursos naturais para as corporações transnacionais. "

"Em 17 de novembro, em uma reunião de alguns latino-americanos e alguns congressistas dos EUA, nos Estados Unidos, em um fórum que se chamou ‘o perigo dos Andes, as ameaças à democracia, aos direitos humanos e à segurança norte-americana’... a congressista Ileana Ros-Lehtinen, disse: ‘nos últimos anos temos observado com preocupação os esforços de diversos governantes na região, como Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Daniel Ortega na Nicarágua, Rafael Correa no Equador, para consolidar seu poder a qualquer custo necessário. Os membros da aliança Alba, com Chávez na cabeça, um após o outro, manipulam o sistema democrático nos seus países para servir aos seus próprios objetivos autocráticos”.

"É o caso de dizer a essa congressista que não vencemos, como nos Estados Unidos, com uma diferença de um por cento, dois por cento; aqui ganhamos com mais do que 50, ou 60 por cento, e em algumas regiões mais de 80 por cento, isso que é uma verdadeira democracia”.

"O segundo congressista (está falando de Connie Mack, e explica as suas ideias com estas palavras), ... eu não acho que Hugo Chávez esteja louco, e não acho que o enfoque de que o deixemos que se imploda vai funcionar, Hugo Chávez é uma ameaça à liberdade e à democracia na América Latina e ao redor do mundo... Isto é o que mais me preocupa, espero que ao nos tornarmos a próxima maioria no próximo Congresso, como presidente do subcomitê façamos exatamente isso, nos encarreguemos de Chávez. Derrotar politicamente ou fisicamente".

Em seguida Evo diz:

"Eu diria que esse congressista Connie Mack já é um assassino confesso ou um conspirador confesso do companheiro irmão presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Se algo acontecer com a vida de Hugo Chávez é da exclusiva responsabilidade desse congressista dos Estados Unidos, ele disse publicamente e está por escrito na mídia e em seu discurso".

"Eu estava verificando por qual motivo, por que Cuba foi expulsa em 1962. Por ser leninista, marxista e comunista, expulsaram Cuba da OEA. Agora a nova doutrina é uma doutrina anti-Alba e os seus países organizados. Cumprimentamos Fidel, cumprimentamos Chávez, e outros presidentes, por construírem um instrumento como a Alba, um instrumento de integração, de solidariedade, solidariedade incondicional, que partilha em vez de competir, que pratica políticas de complementaridade e não de competição”.

"... Eu admiro alguns de meus oficiais militares que relataram em detalhes sobre os treinamentos que fazem a cada ano numa base rotativa nos diferentes países da América. Para o quê? Para ensiná-los como acabar com tais países revolucionários, países que estão fazendo mudanças democráticas profundas, treinamentos inclusive para praticar ou ensinar aos franco atiradores que matem os líderes”.

"... Para o movimento indígena [...] este planeta, ou a Mãe Terra, que chamam de Pachamama, pode existir sem o ser humano, mas o ser humano não podem viver sem o planeta, a Pachamama".

“... a nova Constituição garantirá uma economia plural, e essa economia plural garantirá a propriedade privada, garantirá a propriedade comunal, estatal, de todos os setores sociais, mas quando falamos de capitalismo estamos falando deste desenvolvimento irracional, irresponsável, ilimitado”.

“... consideramos que para resolver, a médio e longo prazo, a melhor solução para acabar com os desastres naturais é acabar com o capitalismo, substituindo essas políticas de exagerada industrialização. Claro que todos os países querem se industrializar, industrialização para a vida, para o ser humano e não uma industrialização para acabar com a vida, com os seres humanos. Há doutrinas que proclamam e promovem a guerra, e isso tem que terminar. E, sim, temos que acabar com essas grandes indústrias de armamentos que acabam com a vida”.

“... o povo sente que tem Forças Armadas para o povo. Agora felizmente temos duas estruturas importantes no Estado Plurinacional: os movimentos sociais que defendem seus recursos naturais e as Forças Armadas, também defendendo os recursos naturais. Se voltarmos a 1810, claro, as Forças Armadas nasceram defendendo os recursos naturais, a identidade, a soberania de nosso povo. Só em alguns momentos fizeram um mau uso de nossas Forças Armadas, não por culpa dos comandantes, e sim pelos interesses oligárquicos ou estranhos a nosso povo, que evidentemente nos fizeram muito mal.”

“... com a imposição de políticas ‘pelo alto’ e de fora, que vinham do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, privatizações, desnacionalização de empresas públicas”.

"...Dos lucros do solo [...] ficavam 18 por cento para os bolivianos e 82 por cento iam para as empresas transnacionais. Em primeiro de maio de 2006, através de um decreto presidencial, em primeiro lugar decidimos o controle do Estado dos nossos recursos naturais, segundo, convencidos de que quem investe tem o direito de recuperar o seu investimento, e tem o direito de ter lucros, dissemos que agora eles poderiam ter 18 por cento do lucro e ainda assim recuperar o seu investimento, pois isso os técnicos me demostraram, e em maio de 2006, 82 por cento ficaram sendo dos bolivianos e 18 por cento para as empresas que transnacionais investidoras, ou seja, fizemos a nacionalização respeitando os investimentos".

Evo concluiu seu discurso, fornecendo dados irrefutáveis sobre os resultados econômicos obtidos pela revolução.

"Antes, o produto interno bruto de US $ 9 bilhões em 2005. Em 2010, tivemos 18,5 bilhões de dólares americanos de Produto Interno Bruto”.

"... Com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, o rendimento médio por pessoa era de mil dólares por ano [...] no nosso governo, é de 1 900 dólares".

"... Em 2005 a Bolívia foi o penúltimo país em reservas internacionais, agora temos melhorado, a Bolívia tinha reservas internacionais de US $ 1,7 bilhões, agora, este ano, temos 9,3 bilhões de dólares ..."

"... Quando o governo dependia dos Estados Unidos não poderia mesmo erradicar o analfabetismo. Através da cooperação incondicional de Cuba, especialmente, e também da Venezuela, há dois anos atrás declaramos a Bolívia território livre do analfabetismo, depois de quase 200 anos”.

"Em troca desta colaboração de Cuba o que nos pedem? Nada, isso se chama solidariedade, compartilhar o pouco que temos e não apenas aquilo que nos sobra, isso eu aprendi com o companheiro Fidel, e lhe tenho grande admiração."

Por pura modéstia, Evo não mencionou os avanços colossais obtidos pelo povo boliviano em matéria de saúde. Somente no campo da oftalmologia, cerca de 500 mil bolivianos fizeram cirurgias oculares, os serviços de saúde chegam a todos os bolivianos e cerca de 5 mil especialistas em Medicina Geral Integral estão se formando e em breve irão receber o seu diploma. Este país irmão latino-americano tem todas as razões para se sentir orgulhoso.

Evo conclui:

"...Sem o Fundo Monetário Internacional, ou seja, sem a imposição de políticas econômicas de privatização, de leilões, pudemos melhorar a vida democrática, sem depender dos Estados Unidos, melhoramos a nossa democracia na América Latina, esse é o resultado de cinco anos de mandato como presidente".

"... Que os povos tenham o direito de decidir por si próprios sobre a sua democracia, sua segurança. Enquanto houver atitudes intervencionistas, sob qualquer pretexto [...] certamente vai demorar a libertação dos povos, e mais cedo ou mais tarde o povo, como estamos vendo, vai se rebelar”.

"Por isso estou convencido da rebelião à revolução, da revolução à descolonização...".

Após o discurso de Evo, apenas 48 horas depois, caiu como um raio o discurso de Chávez. As luzes da rebelião estavam iluminando os céus da nossa América.

...
O governo bolivariano da Venezuela estava ante um sério e provocador desafio. Era uma questão muito delicada. Me perguntava qual seria a reação de Chávez. A primeira resposta enérgica partiu de Evo Morales, em seu discurso brilhante e sincero que nosso povo já conhece hoje. Dois dias atrás, na terça-feira 23, foi anunciado que Chávez abordaria o tema na Assembleia Nacional.

"Eu vou, na verdade,  ser breve...  Estamos aqui saindo em defesa da pátria humana; alguém poderia dizer, inclusive, em defesa da possibilidade humana. Eu trouxe alguns livros [...] Esse foi o mesmo exemplar, já está um pouquinho desgastado, que eu levantei lá nas Nações Unidas: (um livro de Noam) Chomsky, Hegemonia ou Sobrevivência - sigo recomendo este livro: A estratégia imperialista dos EUA, Noam Chomsky. Eva o mencionou e lembrou-nos deste nobre do pensamento crítico, do pensamento criador, da filosofia, da luta pela humanidade.

"Tenho aqui a continuação deste, Estados falidos: o abuso de poder e o ataque à democracia. Aqui, nada mais, nada menos, Chomsky argumenta que o primeiro estado fracassado neste mundo é o estado norte-americano, um Estado falido, uma ameaça real para todo o planeta, para todo o mundo, para a espécie humana".

"Aqui há uma parte da entrevista, das conversas, onde Chomsky faz reflexões sobre a América Latina e sobre a Venezuela, de maniera muito corajosa, muito objetiva e generosa, defendendo o nosso processo revolucionário, defendendo o nosso povo, defendendo o direito que temos e estamos exercendo de construirmos o nosso próprio caminho, como todos os povos do mundo o têm, e o império ianque ignora este direito e pretende continuar ignorando.

"No mesmíssimo capitólio federal, na mesmíssima Washington, se reuniu, se instalou uma cúpula de terroristas; uma cúpula, uma patota - diriam os argentinos, e nós também, venezuelanos, falamos de patota -, uma verdadeira patota de delinquentes, fraudadores, terroristas, ladrões, malandros, que se juntaram e, apoiados por "prestigiosas" figuras do estabelecimento, do establishment, não só das correntes da extrema-direita republicana, mas também do Partido Democrata, lançaram - como já foi dito aqui, Eva disse, Roy disse no documento maravilhoso que leu, um documento de Estado, um documento nacional - abertamente uma ameaça contra a Venezuela, contra os países e os povos da Aliança Bolivariana.


"Não é novo, Eva, não é novo tudo isso que você denuncia aí, de eles enviarem milhões de dólares, apoio logístico. Não. Desde aquela época, o governo dos Estados Unidos enviava armas e suprimentos para as tropas imperialistas da Espanha. E é famoso. Assim o repassa em parte, esse bom escritor cubano, Francisco Pividal, em outro livro que eu nunca deixo de recomendar: Bolivar, pensamento precursor do anti-imperialismo. Se lê como um tiro. E há um conjunto de citações maravilhosas aqui. E você assinalava uma.

"Mas em algumas partes de algumas dessas cartas de Bolívar a Irving - creio que foi a última que ele enviou -, quando Irving já começava a ameaçar o uso da força, Bolívar disse: Eu não vou cair em provocação, nem nessa linguagem. Eu só quero dizer-lhe, Sr. Irving - por aí está escrito, vou parafrasear, porque é a idéia, é a dignidade de nosso pai Bolívar o que se impõe, o que importa neste salão cheio de magia, cheio de símbolos, cheio de pátria, cheio de sonhos, cheio de esperança, cheio de dignidade. Bolívar lhe disse: Saiba você, Sr. Irving, que mais da metade, ou a metade - era 1819 e já se ia quase uma década de guerra até a morte -, ou quase a metade dos venezuelanos e venezuelanas morreram na luta contra o império espanhol, a outra metade dos que aqui ficaramos estamos ansiosos para seguir esse mesmo caminho se a Venezuela tiver que enfrentar o mundo inteiro por sua independência, sua dignidade.

"Esse era, esse é Bolívar, e aqui estamos seus filhos, suas filhas, dispostos ao mesmo. Se o império ianque, com todo seu poderio, do qual rimos, não, há que levá-lo a sério - como bem nos recomenda Eva -, decide agredir, continuar agredindo e agredindo abertamente a Venezuela para tentar impedir essa revolução, aqui estamos dispostos, saibam, senhor império e suas personificações, que aqui nós estamos dispostos ao mesmo: a morrermos todos por esta pátria e sua dignidade!

"Haveria que se perguntar, essa cúpula do terrorismo que se reuniu em Washington, alguns venezuelanos, bolivianos, genocidas - como se perguntava ontem um bom jornalista em uma entrevista -, seria bom saber que passaporte estão usando esses criminosos, por onde entraram, se alguns deles estão no código vermelho da Interpol. Fácil chegaram e chegam e caminham pelas ruas de Washington, que lhes acolhem. Por isso tem razão Noam Chomsky. Repito junto a Noam Chomsky: O Estado dos EUA é um Estado falido que atua fora da lei internacional, não respeita absolutamente nada e se sente, além disso, com o direito de fazê-lo, não presta contas a ninguém. É uma ameaça não só para a Venezuela e para os povos do mundo, mas para seu próprio povo, povo que é constantemente agredido por esse estado anti-democrático.

"Olhem, aqui só um resumo. Wikileaks, se lembram, certo?
"O que dirá essa senhora representante , fascista, que nos chama, a Evo, Correa e eu, de bandidos? Foragida é ela, e bem poderia um tribunal venezuelano solicitar a extradição dessa fugitiva por estar cometendo delitos e conspirando, e muitas outras coisas, contra a soberania de nosso país. É uma foragida. Assinalá-la ante o mundo é o que resta, e outros bandidos.
"O que dirão esses bandidos sobre isso, por exemplo?

"Leio: 'O que dirá o Parlamento norte-americano sobre esses relatórios, sobre esses documentos que eram secretos e foram agora publicados neste site Wikileaks? O que significa Wikileaks? Assim como Chávez Candanga.

"'Em 15 de março de 2010, Wiki Candanga tornou público um informe do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Nele, que tratava de várias divulgações, protagonizadas por esta página, relacionadas aos interesses dos EUA, e propunha várias formas de marginalizá-la: o vídeo de assassinatos de jornalistas'. Aqui estão alguns dos documentos, que são públicos. Era preciso ver se alguma autoridade dos EUA toma qualquer iniciativa ante esses crimes, ou estes supostos crimes, certo? Não sou o juiz para determinar isso. Supostos crimes graves cometidos por cidadãos de seu país, civis, militares, pelo seu governo.

"Leio: 'Em 05 de abril de 2010, Wikileaks publicou um vídeo que mostra como as soldados estadunidenses assassinam o repórter da Reuters, Namir Noor-Eldeen, seu assistente e outras nove pessoas. Se vê claramente que nenhuma das pessoas ameaçava atacar o helicóptero Apache a partir do qual foram alvejadas. Embora a agência de notícias Reuters tenha solicitado em numerosas ocasiões, o vídeo sempre lhe foi negado, até que Wikileaks conseguiu esse vídeo inédito que pôs xeque o aparato militar dos EUA.'

"Mais uma vez, o que dirão as Nações Unidas? O que aconteceria se isso ocorresse em alguns dos países da Alba? O quê? O que dirá a OEA, o que vai dizer o Conselho de Segurança da ONU, o Conselho de Direitos Humanos? O que dirá a tristemente célebre Corte Internacional dos Direitos Humanos? Para que vejamos a dupla moral com que se medem aqui direitos humanos, o respeito à vida, o terrorismo e todos esses fenômenos.

"Diários de guerra no Afeganistão também foram publicados. Registros da guerra do Iraque. Fixem-se nesta frase: '22 de outubro de 2010' - há poucos dias - 'Wikileaks torna público em seu site um compêndio chamado Documento da guerra no Iraque, com 391.831 documentos que vazaram do Pentágono, sobre a guerra do Iraque e sua ocupação, entre 01 de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2009, nos quais são revelados, entre outras coisas, o uso sistemático das torturas, a cifra de 109.032 mortos no Iraque - dos quais 61.081 eram civis, o equivalente a 63%; 23.984 'inimigos rotulados como insurgentes', 15.196 chamados 'do país anfitrião'. Que maneira de visitar um país! 'E 3.771 mortos 'amigos', forças da coalizão. Os documentos revelam que a cada dia, morreram 31 civis, em média, durante um período de seis anos'.

"Quem investiga isso? Quem é responsável por isso? Não, é o império, é o Estado falido norte-americano. Leio esta frase: 'Estes documentos que estão organizados em ordem cronológica e por categorias descrevem ações militares mortais que afetam o Exército dos Estados Unidos, incluindo o número de mortos, feridos e detidos, como resultado dessas ações, bem como a localização geográfica exata de cada evento; além disso, detalha as unidades militares envolvidas e as armas utilizadas'. Detalhes suficientes para uma investigação.

"O que dirá o Congresso dos Estados Unidos sobre este assunto? Lá está nosso embaixador em Washington. És ainda embaixador lá? Sim, é embaixador. Que saibamos aqui, não se disse nada, certo?

"Aqui diz: 'A maioria dos registros do diário foram escritos por soldados e membros dos Serviços de Inteligência, que escutavam os relatos transmitidos por rádio a partir da linha de frente de combate.

"'Vítimas civis provocadas pela força de coalizão. Ao mesmo tempo - diz aqui -, veio à luz um grande número de ataques e mortes, em conseqüência dos disparos das tropas contra motoristas desarmados, ante o temor de que estes fossem terroristas suicidas.

"'Um relatório detalha como uma criança foi assassinada e outra ficou ferida quando o carro em que viajavam foi alvejado por soldados. Em compensação por este ataque, pagaram para suas famílias 100 mil afeganis pela criança morta, 1.600 euros'. O capitalismo paga 20 mil afeganis, 335 euros, por ferido, e 10 mil afeganis, 167 euros, por veículo. E a tudo isso chamam, nos relatórios, de 'pequenas tragédias', 'pequenas tragédias'. Esta é a grande ameaça, a maior ameaça que o mundo vive hoje.

"O império ianque, sem dúvidas, entrou numa fase de declínio político, econômico e, acima de tudo, ético; mas quem pode negar o seu grande poderio militar, que, conjugando estes fatores, o converte no mais poderoso império da história da Terra, em uma ameaça muito maior para nossos povos. O que nos resta? Também já foi dito: unidade, unidade e mais unidade.

"E Eva nos lembra. Como é que aqui ainda continua sendo permitido que nós, tendo essa constituição - quanto custou, quantos anos de batalha, quanto suor, quanto sangue, quantos esforços; aqui está muito claramente estabelecido, também está ali na primeira constituição, a primeira ata de independência e nossa primeira constituição, somos um país soberano - sob pena de que nos chamem novamente de 'a pátria boba ou a revolução boba" ou, se queremos usar uma expressão mais popular, de 'a revolução estúpida'... Como nós vamos permitir que partidos políticos, ONG's, personalidades da contrarrevolução continuem a ser financiados com milhões e milhões de dólares do imperialismo ianque e caminhem por aí fazendo uso da plena liberdade de abusar e violar nossa Constituição e de tentar desestabilizar o país?

"Imploro que se faça uma lei muito severa para impedir isso. Essa deve ser a forma como nós devemos reagir à agressão imperial, à ameaça imperial, radicalizando posições, não afrouxando absolutamente nada, ajustando posições, fincando o passo, consolidando a unidade revolucionária. Não só um Parlamento muito mais à esquerda, muito mais radicalmente à esquerda. Necessitamos de um governo muito mais radicalmente à esquerda, uma força armada, general Rangel - general-em-chefe, que será empossado no fim do sábado, que é dia 27 de novembro, Dia da Força Aérea -, muito mais radicalmente revolucionária, junto ao povo.

"Não deve haver lugar em nossas fileiras civis, militares, para as meias-medidas. Não, uma única linha: radicalizar a revolução! Isso deve sentir essa grosseira burguesia apátrida. Esta burguesia venezuelana, sem vergonha e sem pátria, deve sentir, deve saber que não é gratuito que um de seus mais notáveis representantes vá ao mesmíssimo Congresso do império para arremeter contra a Venezuela e que siga tendo aqui um canal de televisão. E assim por diante, e assim por diante! A burguesia venezuelana deve saber que vai custar caro a agressão contra o povo, e que não andará passeando por aí.

"Fidel Castro vem, há vários meses, alertando sobre os graves riscos de uma guerra nuclear. Recentemente eu estive lá novamente e ele me explicava, desenvolvia seu pensamento - já o conhecemos bastante, mas, claro, não há nada melhor que conversar - e me dizia: 'Chávez, qualquer tiro nessa área, cheia de armas de destruição em massa, de armas atômicas, pode se transformar em uma guerra que poderia ser, em primeiro lugar, convencional ... ", mas ele está convencido de que vai diretamente dar em uma guerra nuclear, que poderia marcar o fim da espécie humana. Assim, o perigo não está nos Andes, esquálidos de Washington, o perigo é global.

"Abaixo o império ianque", exclamou, por fim, e saldou com vivas a Alba, a Pátria e a Revolução. Não há a menor dúvida de que Chávez, um homem de profissão militar, mas muito mais apegado à persuasão e ao diálogo que à força, não hesitará em impedir que a direita pró-imperialista e anti-patriótica lance venezuelanos ludibriados contra a força pública para ensanguentar as ruas da Venezuela.

Na Bolívia e na Venezuela, a máfia imperialiasta recebeu uma resposta tão clara e vigorosa como talvez nem imaginasse.


Fidel Castro Ruz

Fonte: CubaDebate
Tradução: Luana Bonone

Camões e uma resposta baiana

Vestibular da Universidade da Bahia cobrou dos candidatos a interpretação do seguinte trecho do poema de Camões: 

             'Amor é fogo que arde 
             sem se ver, 
             é ferida que dói e não se sente, 
             é um contentamento descontente, 
            dor que desatina sem doer '. 
 
             Uma vestibulanda de 16 anos deu a sua interpretação :

          
   'Ah, Camões!, se vivesses hoje em dia, 
             tomavas uns antipiréticos, 
             uns quantos analgésicos 
             e Prozac para a depressão. 
             Compravas um computador, 
             consultavas a Internet 
             e descobririas que essas dores que sentias, 
             esses calores que te abrasavam, 
             essas mudanças de humor repentinas, 
             esses desatinos sem nexo, 
             não eram feridas de amor, 
             mas somente falta de sexo !' 
 
A Vestibulanda ganhou nota DEZ: pela originalidade, pela estruturação dos versos, das rimas insinuantes, e também foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era apenas falta de mulher.

A anta que virou elefante num Domingo Espetacular

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Sexta-feira, 26 de novembro de 2010


José Ribamar Bessa Freire

A segunda-feira da índia Rosi Waikhon na periferia de Manaus foi um dia de cão. Escapou, por pouco, de ser apedrejada. Ao sair de casa, várias pessoas lhe atiraram na cara frases do tipo: Ei, índia, você não é gente, índio mata o próprio filho, vocês deviam morrer”. Minha amiga há muito tempo, ela me confidenciou: “Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas”.
Quem humilhou Rosi estava indignado, porque no dia anterior havia presenciado o ‘assassinato’ de crianças indígenas, cometido pelos próprios pais, que praticam o ‘infanticídio’, tudo isso exibido no programa Domingo Espetacular da TV Record. Felizmente, como nos filmes americanos, chega a cavalaria para salvar vidas ameaçadas por índios bárbaros. A missionária evangélica Márcia Suzuki, cavalgando a emissora do Edir Macedo – tololoc, tololoc – leva os bebês arrancados das garras dos ‘criminosos’ para a chácara da igreja neopentecostal. Enfim, salvos.
As pessoas viram trechos do vídeo ‘Hakani’ com o sepultamento de uma criança viva. A voz cavernosa de um narrador em off anuncia que se trata de prática generalizada: “A cada ano, centenas de crianças são enterradas vivas na Amazônia”. O xerife Henrique Afonso, deputado federal do Acre, quer prender os ‘bandidos’. Faz projeto de lei que criminaliza o ‘infanticídio indígena’, invoca a Declaração Universal dos Direitos Humanos e apela ao papa Bento XVI para que “intervenha contra o crime nefando”.
Como tem gente boa no mundo, meu Deus! Mas sobrou para Rosi que viveu uma ‘segunda-feira espetacular’. Quase foi linchada. Não foi a única. Rosi é índia Waikhon – etnia conhecida também como Piratapuia. Mora na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM) e está de passagem por Manaus. É educadora e líder da Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Escritora, participou de dois Encontros de Escritores Indígenas na UERJ. Ela faz um apelo:
- “Gostaria de pedir aos senhores que não continuem usando o termo INFANTICIDIO INDIGENA. Por favor, não aumentem o preconceito e o racismo contra nosso povo”.
Xamãs e bruxos
Afinal, os índios cometem infanticídio? Essa é mesmo uma prática generalizada na Amazônia? Francisco Orellana, o primeiro europeu que cruzou o rio Amazonas dos Andes ao Atlântico, em 1540, viu coisas muito estranhas. A crônica da viagem – repleta de ‘domingos espetaculares’ - conta que ele se deparou com elefantes em plena selva, comeu carne de peru, bebeu cerveja feita pelos índios e combateu as precursoras do infanticídio - mulheres guerreiras que matavam seus filhos homens. A Europa acreditou piamente em suas histórias.
Orellana, coitado, sentiu o mesmo problema do xerife Henrique e da cavaleira Suzuki: como descrever aquilo para o qual não tenho palavras? Orellana viu antas bebendo água no rio. Não existia esse animal na Europa, nem muito menos a palavra anta nos dicionários. Como dar conta dessa realidade desconhecida, nova e estranha? O bicho era grande? Era. Tinha tromba? Tinha. Então, ele sapecou: “vi elefantes”. Afinal, elefantes são grandes e tem tromba. O mesmo com as mulheres que combateu. Na Europa, mulheres não iam pra guerra. Então, Orellana recuperou o mito grego, que a Europa conhecia muito bem.
Esse processo de equivalência entre objetos conhecidos e objetos novos foi muito usado nos registros coloniais. Ele consiste em definir fatos representativos de uma cultura com símbolos de outra cultura. Mutum passa a ser peru, caxiri se transforma em cerveja, inambu vira perdiz e mulheres que trocam o fogão pelo arco-e-flecha são amazonas. Essa operação reduz e simplifica enormemente a diversidade e a riqueza cultural, porque o símbolo não consegue transmitir toda a sua carga de significado de uma cultura a outra.
Foi assim também com os pajés e xamãs, que não existiam na Europa e foram denominados de ‘feiticeiros’ pelos colonizadores, com conotações altamente negativas que o equivalente não tem. As consequências foram trágicas, porque se ninguém mata uma anta pra extrair marfim dela, feiticeiros e bruxos eram, no entanto, condenados à fogueira.
O infanticídio é crime punido por lei. Denominar de infanticídio uma prática cultural que desconhecemos e que nos choca não ajuda a entendê-la, oculta a anta e não revela o elefante, além de ser um convite para criminalizar os povos indígenas e condená-los à fogueira. Quando os antropólogos ou agentes de pastoral do CIMI chamaram a atenção para tal leviandade e para o erro em generalizar para todos os povos, a ONG Atini os acusou de defenderem o ‘infanticídio’ porque querem impedir a mudança cultural.
Os antropólogos
Todos os antropólogos – TODOS – sabem que a cultura é dinâmica, isso faz parte do bê-á-bá da antropologia. Nenhum antropólogo – NENHUM - se manifesta contrário a mudanças, até porque isso seria inútil. Ao contrário, o que os antropólogos estão dizendo, para horror do agronegócio interessado nas terras indígenas, é que índio não deixa de ser índio porque usa computador e celular. Mas a emissora do Edir Macedo grita espetacularmente contra os antropólogos, sem citar nomes:
Há quem diga que a prática de matar crianças deficientes, gêmeas ou filhas de mães solteiras deve ser defendida para manter a cultura”.
Não cita o nome de um só antropólogo, nem o livro ou artigo de onde foi pescada tal ‘informação’, porque ela é falsa. Na realidade, o que se pretende é quebrar a parceria com os principais aliados dos índios na luta pela saúde, educação e demarcação da terra. A ABA - Associação Brasileira de Antropologia, através da Comissão de Assuntos Indígenas, já havia publicado nota esclarecedora assinada por João Pacheco.
O vídeo Hakani – diz a nota – não é um registro documental proveniente de uma aldeia indígena, mas o resultado de uma absurda encenação realizada por uma entidade fundamentalista norte-americana. Utilizado como base para uma campanha contra o infanticídio supostamente praticado pelos indígenas, tem também a finalidade de angariar recursos para as iniciativas (certamente mais ‘pilantrópicas’ do que filantrópicas) daqueles missionários”.
Diz ainda que a prática daquilo que estão chamando inapropriadamente de infanticídio entre os indígenas “são virtualmente inexistentes no Brasil atual”. Ali onde eram localizadamente praticadas estão deixando de existir com a assistência médica e a demarcação de terras, por decisão dos próprios índios, conforme esclarece Rosi:
Sou indígena, meu povo também tinha essa prática, mas não precisou de ONG nenhuma intervir para mudarmos. Os gêmeos, trigêmeos e os deficientes indígenas da região em que vivo estão sobrevivendo sem intervenção de Ong. Por favor, não peçam dinheiro em nome do infanticídio indígena”.
A nota da ABA reforça: Por que substituir a mãe, o pai, os avós, as autoridades locais por uma regulação externa e arbitrária? As crianças indígenas não são órfãs. Bem ao contrário, estão melhor protegidas e cuidadas no âmbito de suas coletividades e por suas famílias. Uma intervenção indiscriminada, baseada em dados superficiais e análises simplórias, equivocadas e preconceituosas, não poderá contribuir para políticas públicas adequadas a estas populações”.
O abandono e morte de crianças indígenas com sofrimento, dor e tensão foi a resposta dada por algumas comunidades a um infortúnio ou desgraça que as acometia e que está sendo discutido e solucionado pelos próprios índios diante da nova situação em que vivem. Doía tanto quanto para Abrahão matar seu filho.
Então, ficamos combinados assim: uma anta é uma anta, um elefante é um elefante, a resposta dada por algumas comunidades tem tromba e é grande, mas não é elefante, e o Edir Macedo é....bom todo mundo sabe o que é Edir Macedo.


TROCA DE CARTAS ENTRE ROSI WAIKHON E MÁRCIA SUZUKI

Houve uma troca de cartas, via e-mail, entre a índia Rosi Waikhon e a missionária Márcia Suzuki, da Ong Atini. Rosi revisou o texto para publicação e me autorizou a fazer circular alguns trechos, aqui publicados por se tratar de um documento útil a quem se interessa pelo tema.
1ª. CARTA DE ROSE (13/11/2010) - Na primeira delas, Rosi critica:
“Encontrei na internet comentários, com mensagem racista e preconceituosa postada por um cidadão que leu a matéria de vocês intitulada ‘Infanticídio Indígena’. Ele chamou a nós indígenas de desumanos, e isso graças à forma como vocês estão tratando o assunto. Gostaria de pedir aos senhores que não continuem usando o termo ‘infanticídio indígena’. Por favor, não aumentem o preconceito e o racismo contra nosso povo”.
Na sociedade de vocês, estou cansada de ver: babás filmadas por câmeras ocultas espancando bebês em suas casas; torturas nas creches; recém-nascido jogado no lixo; crianças revirando lixo nas ruas, crianças estupradas, crianças com síndrome de Dow mortas pelos pais, outras jogadas do alto dos prédios, queimadas, espancadas, mortas, assassinadas. Isso no meu olhar indígena é infanticídio, mas nós, índios, não fazemos isso. Por favor, não peçam dinheiro em nome do infanticídio indígena”.
“A questão por mim colocada é para que vocês OLHEM o infanticídio em volta de vocês no lugar de só procurarem entre os índios. O estado brasileiro QUANDO encontra a mãe que faz isso, bota a mulher na cadeia, não quer saber se essa mãe tinha casa, se estava passando fome, se sofria alguns distúrbios, se pelo menos essa mãe conseguiu fazer o pré-natal no posto de saúde. Sou contra o racismo e a xenofobia contra o nosso Povo Indígena, ainda mais provocado sem pensar, por isso recomendo que tratem do INFANTICÍDIO e não apenas dos povos indígenas”.
RESPOSTA DE MÁRCIA (13/11/2010)– A dirigente da Ong Atini responde insistindo no uso da palavra infanticídio. Argumenta que a definição do termo vem do latim – /infanticidium/ – que significa a morte de criança, especialmente recém-nascida. Reconhece que ele é amplamente cometido na sociedade brasileira, mas que existem outras ONGs para cuidar disso: “Conheça-nos melhor, sra. Rosi, assista nossos vídeos. Veja Rosi, são os próprios indígenas que falam. Depois de assistir a esses vídeos e ler nosso material entre em contato dizendo o que achou, por favor”.
2ª. CARTA DE ROSI (14/11/2010) - Rosi assistiu o documentário ‘/Quebrando o silêncio’/ feito pela ONG Atini e dirigido por Sandra Terena, onde se afirma que “crianças indesejadas são condenadas à morte por nascerem com deficiência física ou mental, por serem gêmeas, filhas de mãe solteira ou ainda por serem vistas como portadoras de azar para a comunidade”. O documentário traz depoimentos de vários índios do Brasil central sobre o que a ONG classifica como infanticídio: “a tradição manda que as crianças sejam enterradas vivas, sufocadas com folhas, envenenadas ou abandonadas para morrer na floresta”.
Rosi leu o texto “A estranha teoria do homicídio sem morte”, de Marta Suzuki e deu, então, uma longa resposta, afirmando que sua interlocutora não compreendeu a profundidade do assunto, desconhece os estudos dos antropólogos, a quem ataca, e assume “as piores interpretações possíveis sobre os povos indígenas, sobretudo as questões das mulheres indígenas”.
Os principais trechos vão aqui selecionados:
“Sou indígena. Entendo perfeitamente o que meus parentes indígenas do centro do país estão dizendo. Respeito o modo de pensar deles. Meu povo também tinha essa prática, mas não precisou de ONG nenhuma intervir, achando que somos incapazes de resolver nossos problemas”.
“Quero dizer-lhe que os gêmeos, trigêmeos e os deficientes indígenas da região do Rio Negro, onde moro, estão todos vivos, sobrevivendo sem intervenção de ONGs. Apesar da ineficácia do sistema de saúde indígena, tivemos sim apoio da equipe de saúde nas reflexões e tomadas de decisões com relação ao assunto”.
“Mas a ineficácia crônica dos poderes públicos com relação à assistência aos povos indígenas é grande. Isso sim tem que ser documentado, mostrando a verdadeira face de como os povos indígenas são tratados no Brasil. Os profissionais que atuam em áreas indígenas têm que ser melhor qualificados, as escolas e as universidades devem ter aulas de história indígena para explicar a diversidade e a peculiaridade de nossos povos”.
A falta de aprofundamento de estudos por parte da ONG deixa muito a desejar. Uma vez veiculada na mídia, a ideia do indígena ruim e mau já foi repassada, não tem como reverter. Vocês deveriam ter refletido que no nosso país tem muitos analfabetos de conhecimento indígena. Deveriam ter pensado que ao tratar dos povos indígenas, as interligações são diversas. Deveriam pensar uma melhor maneira de tratar o assunto, porque ele é mais profundo do que vocês imaginam”.
“Os internautas que são analfabetos em assunto indígena não vão querer saber o contexto de cada caso, e jamais irão compreender, pois esse assunto não se estuda em academias e muito menos nas escolas. Generalizar para eles é mais simples e fácil, provocando conceitos racistas e xenofóbicos, assim como está ocorrendo”.
A questão não é julgar e condenar ninguém, mas esclarecer que o desejo de AJUDAR os povos indígenas não se resume em classificar cultura ruim e cultura boa, costume ruim e costume bom. Vai além disso, muito além. Quando os não-índios chegaram, também a intenção deles era AJUDAR, ‘civilizando-nos’ para os costumes deles, alegando que nossa cultura era atrasada, isso no olhar deles. Inconscientemente, vocês estão seguindo o mesmo caminho”.
Quando procurados para resolver o assunto, deveriam ter encaminhado aos órgãos competentes brasileiros e não tomar para vocês a responsabilidade que é do Estado. Aí sim, vocês estariam ajudando o país a revisar as políticas públicas relativas aos índios e a combater a omissão do Estado”.
“Isso evitaria que os analfabetos em questões indígenas tivessem a interpretação que estão tendo, após o início da campanha de vocês. Na atualidade, o infanticídio está ligado à saúde pública e não somente à cultura desses povos. Mas o sistema de Saúde Indígena é ineficiente, com a maioria dos profissionais despreparados para atuar em áreas indígenas e lidar com tais assuntos. Os poucos profissionais competentes não são valorizados”.
Essas questões e outras relativas à saúde pública não são aprofundadas por vocês. É fácil falar superficialmente, o difícil é falar da raiz do problema e buscar solução. O despreparo da maioria dos órgãos públicos para lidar com certos assuntos indígenas sempre foi e é um grande problema. Alguns avanços foram feitos, mas falta ainda muito a caminhar. É preciso cobrar do Estado suas responsabilidades”.
“Muitos séculos atrás, alguns naturalistas ocuparam infinitas páginas em seus diários, falando do infanticídio entre os povos indígenas. Mas pouco escreviam sobre as relações sociais familiares e a importância da criança indígena. Naquela época, éramos autônomos e felizes. Não existia Estado brasileiro, nem dinheiro, TV ou internet”.
Por que será que registravam o infanticídio entre os povos indígenas e nada escreviam sobre o infanticídio cometido pelos povos ao qual pertenciam? É fácil enxergar e julgar os outros, o difícil é olhar ao seu redor, entender cada contexto e sua realidade”.
“Faz algum tempo, os jornais noticiaram que uma mulher seria apedrejada até a morte, no Irã, por ter cometido adultério. Então vários países foram contra, pois era uma VIDA que estava em jogo. Passado pouco tempo, os jornais noticiaram que nos Estados Unidos um homem condenado à pena de morte foi executado, uma injeção retirou a VIDA dele. Um ser humano tira a VIDA de outro ser humano, isso com o consentimento de todos. Não vi nenhuma manifestação contra a execução”.
A questão não é se o ser humano que foi condenado é bom ou ruim, mas a discussão é sobre a VIDA. De acordo com slogan de vocês: SALVE UMA VIDA. No exemplo citado, uma vida foi tirada aos olhos do mundo inteiro. Analisemos o caso. O homem estava há anos confinado em celas do presídio. Não tinha liberdade! Isso é vida? Ele estava sozinho na cela, igual a um passarinho engaiolado. Sem sua família. Ele é um ser humano, foi gerado pelo pai e mãe, nasceu de uma mulher. Isso é vida? Talvez ele tinha uma esposa e até um filho. Mas não podia compartilhar com seus familiares. Isso é vida?”
“Para mim, que sou uma mulher indígena Waikhon, a Vida vai além do corpo físico, além dos órgãos vitais, além do espiritual, além do mundo que nos rodeia. Tudo tem vida: o ar que eu respiro, o sol que me aquece, o alimento que eu como, o rio, a mata... Mas isso é difícil para os não índios entenderem, porque vejo que estão matando a vida, por exemplo, os rios em suas cidades, vocês despejam lixo nele, tentam recuperar, mas os esgotos são canalizados para os rios e igarapés”.
Os rios e igarapés estão chorando, estão desidratados, estão quase morrendo. Eles não são seres humanos, mas têm vida. Nós, índios e não-índios, precisamos deles, porque sem água o ser humano não vive. Ele morre. Estão vendo como uma coisa está interligada à outra?”
“Com relação ao exemplo citado do homem condenado à morte, não tiraram só uma vida dele, tiraram várias, a vida final foi a dos órgãos vitais e a do corpo físico. Estão vendo como é complicado?”
“Muito tempo atrás, os ‘civilizados’ também começaram a tirar nossas vidas. Invadiram nossas aldeias. Queimaram nossas casas. Tomaram nossas terras. Estupraram nossas mulheres. Mataram nossas crianças. Travaram brigas de índio contra índio. Escravizaram nosso povo, nos chamando de atrasados, que impediam o progresso do Brasil. Hoje, muitos são executados por causa da posse da terra. Os não-índios ricos e poderosos colocam índio contra índio, nos dividem para poder tomar posse de nossas terras”.
“Quando se trata de questão indígena, não se pode cuidar só do pé ou da mão. Nossos membros estão interligados. É preciso aprofundar o estudo sobre nossas culturas para não causar, mesmo inconscientemente, o racismo e a xenofobia na sociedade que ainda não consegue compreender os povos indígenas e as diferentes formas de sobreviver num mundo tão complicado”.
“Quero dizer aos senhores que antigamente o povo a qual pertenço praticava o que vocês chamam de infanticídio e não era infanticídio, nem indígena, pois na época não tinham nos apelidado ainda de índio. Como seria intitulado nos dias atuais, se os exploradores de nossas terras, muitas delas tomadas pelos latifundiários, que nos chamam de preguiçosos, não tivessem nos apelidado? Seria infanticídio waikhon, kamaiurá, kayabi?”
“Atualmente nós não temos mais essa prática, pois os gêmeos, trigêmeos e deficientes continuam vivos, são acolhidos muito bem, também existem não-índios solidários que ajudam cuidando dessas crianças, mas elas NÃO SÃO RETIRADAS DE SUA FAMÍLIA NEM DE SUAS ALDEIAS. Na Terra Indigena onde habito somos mais de 20 povos indígenas, entre eles tem também os Yanomami. Recentemente, nasceram trigêmeos Yanomami, a equipe de saúde ficou temerosa, porque lá ainda existe essa prática”.
“Diante disso, houve um DIÁLOGO entre a equipe de saúde, as lideranças indígenas, a família e o povo Yanomami. Sabe o que aconteceu? Depois de logos dias de diálogo, os pais ficaram com dois, os avós maternos ficaram com o terceiro. As crianças não foram retiradas do seu seio familiar, de seu povo, de suas terras, como vocês fazem. Tudo é questão do diálogo, respeito, entendimento, pois os povos indígenas, apesar das diferenças, têm inteligência e capacidade de chegar a um acordo”.
“Já que a Ong Atini está tratando do público indígena, respeito o modo de pensar de vocês. Mas quero lhe dizer que uma vez um indígena afastado de seu povo, de seu habitat, de suas terras, essas famílias e crianças não deixarão de ser índios (as), mas nunca mais serão os mesmos. Pois terão que seguir as violentas regras da civilização e do capitalismo para sobreviverem, como mão de obra barata da sociedade integracionista”.
“O que me entristece é o termo “infanticídio indígena”, era melhor vocês estudarem outro termo, porque esse atual afeta todos nós. Na atualidade, estamos tratando do assunto de forma diferente da de vocês e não ficamos pedindo dinheiro para montar uma aldeia na cidade. A Ong de vocês tem um habitat que se assemelha a uma aldeia conforme o entendimento de cada povo indígena? Porque pelo que vi lá tem pessoas de povos diferentes, tem Kamaiurá, Kayabi, Sateré-Mawé... Ou é tudo feito ao molde de vocês?”
“Cada povo indígena tem sua estrutura social, econômica, política, cultural, seu idioma, sua religião, sua alimentação...Isso aqueles que não sofreram a desestruturação do Estado brasileiro integracionista e a lavagem cerebral dos missionários que cuidam apenas da alma dos índios. Cada povo indígena sofreu a integração e a intromissão do não-índio de forma diferenciada e na atualidade tentaram de alguma forma se reorganizar e sobreviver. Vocês levam isso em conta? De que maneira?”
“Senhores, sou uma índia em busca de resposta e tentando sobreviver no mundo não-indígena. Penso que o diálogo é importante. Após a matéria de sua Ong veiculada na rede Record, sofri momentos terríveis. Sabe como os civilizados falaram na minha cara? /“Ei, índia, você não é gente, índio mata o próprio filho, vocês deviam morrer/”. Foi mais de uma pessoa, foi por isso que resolvi escrever.Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas”.
“Se vocês estivessem no meu lugar o que fariam? Registrar na delegacia? Mas como se num centro urbano desorganizado são tantas pessoas e não há polícias à disposição para tomar providências! Como pegar o nome dessas pessoas? Complicado pra quem não tem habilidade de cidade grande”.
“Fiquei muito triste por tudo. Não culpo essas pessoas, porque elas simplesmente são influenciadas pela ignorância, mal devem ter uma TV em casa, muitas vezes não têm nem o que comer, muito menos irão se aprofundar sobre o assunto. São filhas do sistema opressor da ganância, do egoísmo e do individualismo. Se aconteceu comigo, pode ter acontecido com outros”.
“Desculpem se estou ofendendo vocês, mas a cada dia que eu for ofendida por conta desse assunto, escreverei cartas, pois a escrita é a única ferramenta do não-índio que possuo. Só estou escrevendo, porque fui atingida como indígena. Não falo em nome dos povos indígenas do Brasil, porque compreendo as peculiaridades diversas e respeito a maneira de pensar dos outros parentes. Já temos problemas demais para ter que enfrentar no mundo atual. Todo cuidado é pouco para não travar brigas de índios contra índios. É isso que a Ong não consegue compreender”.

José Ribamar Bessa Freire é escritor e jornalista.