quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A questão do InCor

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São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A questão do InCor

RICARDO BRENTANI

A atual situação do InCor (Instituto do Coração) vem merecendo seguidas reportagens da mídia -e não é para menos.
A instituição, que já foi apontada pela prestigiosa revista "Lancet" como um dos três maiores centros de cardiologia do mundo, convive hoje com um pronto-socorro funcionando bem acima de sua capacidade e com longas filas de espera para exames e cirurgias. Além disso, vê cair a cada ano o número de alunos na pós-graduação e a produção científica, que já esteve entre as maiores e melhores do país. A excelência no atendimento hospitalar assenta-se sobre três pilares: assistência, ensino e pesquisa -e nos três o InCor registra seu declínio.
Atribui-se a crise atual à situação financeira da instituição. Administradores recentes responsabilizam as "gestões anteriores" pelo débito e pela situação atual, em que o InCor rola uma dívida de mais de R$ 120 milhões, que impede que o instituto passe por reformas e amplie sua hoje esgotada capacidade de atendimento. A questão é saber como a situação chegou até aí.
Inaugurado em 1975, o InCor é resultado da fusão dos antigos serviços de cardiologia do Hospital das Clínicas da USP, com a percepção do aumento da demanda por atendimento especializado e integrado.
Um grande nome da cardiologia brasileira, Fúlvio Pileggi, cujos trabalhos sobre eletrocardiografia ainda são referência nos tratados da especialidade no mundo todo, é quem deu ao InCor as feições que lhe garantiriam fama e respeito mundiais. A partir de seus estudos no exterior, viabilizados por bolsa da Fundação Rockefeller, o sonho do InCor ganhou forma e corpo.
O sonho, realizado alguns anos depois, era ter um hospital em que se pudesse fazer ciência, ensino e atendimento de alto padrão, onde o médico recebesse salário suficiente para garantir dedicação integral e a instituição fosse mais confiável até do que o nome de um ou outro cardiologista em particular.
Para manter a instituição, foi criada a Fundação Zerbini, e o InCor -dirigido pelo próprio Pileggi de 1991 até sua aposentadoria, em 1997- ostentou alta qualidade no atendimento, na produção científica e uma pós-graduação com nota máxima da Capes/Ministério da Educação, resultado que nunca mais foi atingido.
É muito comum tentar reescrever a história quando a verdade não é conveniente. Uma auditoria realizada pela Deloitte, a pedido do próprio Pileggi, mostrou que, à época de sua saída do InCor, havia em caixa cerca de R$ 60 milhões.
Bastaram sete anos para que o caixa se transformasse num débito de R$ 240 milhões.
As obras de expansão do complexo hospitalar são apontadas como responsáveis pela dívida, mas não se pode negar que houve também outros problemas de gestão.
A Fundação Zerbini é subordinada à curadoria de fundações da USP e, desse modo, seus balanços são públicos: basta consultá-los para constatar o crescimento do prejuízo e do endividamento e em que período ocorreu.
O sucateamento do InCor é, sim, inaceitável. Mas é fundamental tomar precauções para que um novo influxo de recursos não se perca na vala comum das dívidas estratosféricas e da gestão incompetente das verbas públicas. O InCor precisa de uma gestão profissional e transparente, que dê conta de cada centavo investido e de cada agulha e seringa compradas e usadas.
Do contrário, o sonho da excelência corre o risco de se perder entre a manada de elefantes brancos emperrados que hoje, infelizmente, constitui a imensa maioria dos hospitais da rede pública.


RICARDO BRENTANI, oncologista, é professor emérito da Universidade de São Paulo.

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