quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Mais governo, menos mercado

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São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2011

Mais governo, menos mercado

CLÓVIS ROSSI

O PRESIDENTE Barack Obama ontem: "Os mercados subirão e baixarão, mas os Estados Unidos sempre seremos um país triplo A", cantou.
Não havia mesmo outra coisa a dizer, no momento em que a desconfiança sobre os Estados Unidos está no auge, até porque seus títulos de dívida deixaram de ser AAA, pelo menos para a Standard & Poor's.
Mas, para investidores e governos do G20 que compraram tais papéis, eles continuam sendo triplo A, desmoralizando ainda mais a S&P.
No desespero pela queda mundial nas Bolsas de Valores, a procura pelos títulos da dívida norte-americana só fez aumentar. Em consequência, cai o retorno, em proporção inversa ao aumento do preço. No meio da tarde de ontem, a queda no "juro" pago pelos papéis de dez anos caía 8%.
Ironizava Lou Crandall, da firma Wrightson Icap, para o "Financial Times": "O que você faz se [os títulos, chamados "treasuries"] são degradados? Compra mais treasuries".
Ironia à parte, no próprio mercado a S&P foi duramente criticada. Escreveu, por exemplo, Bill Miller, chefe de investimentos da Legg Mason Capital Management: "O rebaixamento pela S&P da dívida soberana dos EUA foi precipitada, errada e perigosa".
Nada que você não pudesse ter lido domingo neste espaço, mas, repito, em inglês e vindo de uma voz de mercado, fica sempre mais sonoro.
Se você prefere em francês, eis o que disse ao "Le Monde" de ontem Rama Cont, diretor do Centro de Engenharia Financeira da Universidade Columbia (Nova York): "Se as agências [de rating] sopram hoje o calor e o frio sobre os Estados e os mercados, é porque reguladores e legisladores lhes conferiram o estatuto de oráculos".
Tanto é assim que o rebaixamento foi o pretexto do dia para mais uma jornada infernal nas Bolsas de Valores. O que reforça outra avaliação constante deste espaço, a de que os mercados estão crescentemente tomando o lugar dos governos.
Avaliação compartilhada por Bernd Riegert, da Deutsche Welle, a mídia pública alemã: "Instáveis investidores estão influenciando as políticas fiscal e monetária mais do que os líderes nacionais. Os políticos, nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa, olham impotentes enquanto uma massa de investidores sem rosto movimenta bilhões de euros e dólares através dos mercados mundiais, ditando as futuras políticas fiscal e econômica no percurso".
Bingo. A decisão do Banco Central Europeu de comprar papéis italianos e espanhóis não foi por convicção, mas porque os mercados vinham há duas semanas apostando contra Itália e Espanha, elevando a níveis insuportáveis os juros cobrados pelos títulos da dívida.
É verdade que a ação do BCE foi positiva: os juros caíram substancialmente, mas o mal já feito no percurso está dado.
Nem os Estados Unidos nem a Europa nem ninguém conseguirá manter o AAA ou chegar a ele se continuar esse jogo em que os mercados, não eleitos, determinam as políticas aos líderes devidamente eleitos. Estes podem ser bons ou ruins, mas têm que prestar contas regularmente aos eleitores. Os mercados, não.
.....

São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Menos mercado 2

CALIXTO SALOMÃO FILHO

Há cerca de três anos, escrevi nesta coluna artigo com o mesmo título ("Menos mercado", "Tendências/ Debates", 15/10/2008). Naquela época, o "primeiro mergulho" da economia mundial era claramente imputável à existência de um mercado (derivativos de dívidas imobiliárias) que, por sua complexidade e por seu risco, nunca deveria ter existido.
Passados três anos, e nos albores de um (possível) segundo mergulho, muitas questões parecem irresolvidas; outras se agravaram.
Dentre as que se agravaram, talvez até porque originárias de problemas não resolvidos, está a questão do contágio entre mercados. Problemas reais, mas relativamente pequenos para a economia mundial (como o da Grécia), e problemas grandes, mas de maior motivação política que econômica (como o dos EUA), acabam, devido à interconexão entre mercados, contaminando economias saudáveis.
Duas são as causas básicas desse estado de coisas. O primeiro poder-se-ia chamar de institucionalização do pânico. Tem ele razões históricas. Momentos de grande especulação e de supervalorização da esfera financeira são sempre momentos de enorme covardia econômica.
O dinheiro ganho sem esforço na ciranda financeira cria nos especuladores quase que a certeza de sua punição. Na melhor tradição cristã, ao prazer deve-se seguir a culpa. Assim, crises de pânico irracional tornam-se regra, não exceção.
Aqui, mais uma vez é bom lembrar que os períodos mais produtivos e de melhoria tecnológica da história do capitalismo foram aqueles em que a especulação financeira recuou se comparada ao setor produtivo. Ao contrário, as épocas de especulação (e ganho) financeira desmesurada sempre foram indícios de decadência e marcam fim de períodos históricos precedentes (é o caso do capitalismo liberal e da crise financeira que o sucedeu, dando início à Grande Depressão).
A segunda causa está no contínuo descaso jurídico em relação à especulação financeira internacional. Em três anos, nada ou praticamente nada se fez em matéria de regulamentação financeira global.
A ideia de limitação aos fluxos especulativos, necessidade evidente desde 2008, morreu na praia, na captura dos governantes (particularmente o norte-americano) pelos interesses do sistema financeiro. Essa situação não pode perdurar.
Se o século 20 foi o das grandes decisões econômicas na esfera internacional, o século 21 tem de ser o das grandes decisões ético-jurídicas. Afinal, estranhos e preocupantes devem ser os tempos em que mercados tomam mais espaço na mídia que humanos em penúria.
Menos mercado é necessário para que nossas preocupações possam voltar-se a problemas reais e prementes na arena internacional.
A nota dada por agência de avaliação de risco à dívida dos EUA não pode nos influenciar (e muito menos preocupar), e uma nova regulamentação financeira internacional deve nos proteger desses efeitos.
A situação humanitária na Somália, na sempre esquecida faixa de Gaza e em tantas outras regiões do mundo, essas, sim, devem nos chocar e apavorar, levar a uma reafirmação dos direitos humanos na esfera internacional e mover a luta por sua efetividade, acima e por cima dos interesses políticos e geopolíticos dominantes.

CALIXTO SALOMÃO FILHO é professor titular de direito comercial da Faculdade de Direito da USP e professor do Institut de Sciences Politiques (Sciences Po) de Paris.



QUANDO A CALDEIRA EXPLODE:O CLAMOR POR 'LIMPEZA', ORDEM E PROGRESSO.

"Os saqueadores são a escória"
Slogan  na camiseta de uma voluntária  alta, loura e bonita que  participa do mutirão de limpeza nas ruas de Clapham Junction,

sul de Londres, após distúrbios iniciados na periferia pobre, ao norte, que se tornaram viral.
(Carta Maior; 3º feira, 09/08/ 2011. Com informações Reuters)

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