sábado, 13 de agosto de 2011

Amorim e os EUA

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CartaCapital, Ed. 659

Amorim e os EUA

 Marina Amaral e Natalia Viana
Aos olhos do serviço diplomático dos Estados Unidos, em especial durante a era Bush, a posição independente do Ministério das Relações Exteriores, capitaneado por Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, parecia uma constante provocação. Nos telegramas vazados pelo WikiLeaks, o MRE é acusado de dificultar as relações bilaterais por suas “inclinações antiamericanas”, definidas por um ministro “nacionalista” e um secretário-geral “antiamericano virulento” (Samuel Pinheiro Guimarães), e secundado por um “acadêmico esquerdista” (Marco Aurélio Garcia), conselheiro de política externa do presidente Lula.
“Manter a relação político-militar com o Brasil requer atenção permanente e, talvez, mais esforço do que qualquer outra relação bilateral no hemisfério”, desabafava o embaixador John Danilovich, em novembro de 2004. Foi ele que, numa reunião em março de 2005, tentou convencer Amorim da ameaça “cada vez maior” que a Venezuela representava à região. A resposta “clara” e “seca” do chanceler desapontou o americano:Nós não vemos Chávez como uma ameaça. Não queremos fazer nada que prejudique nossa relação com ele”. E cortou o assunto.
O sucessor de Danilovich, Clifford Sobel, teve mais sorte. O ex-ministro da Defesa Nelson Jobim era interlocutor contumaz do embaixador, a ponto de confidenciar sua irritação com o MRE, em especial com Pinheiro Guimarães. Tornou-se peça vital em uma estratégia diplomática americana que explorava a divisão dentro do governo em proveito próprio, como revelam os telegramas. Em fevereiro de 2009, já com Obama na Presidência dos Estados Unidos, Sobel enviou uma série de três informes, sugerindo formas de contornar o triunvirato “esquerdista” da política externa brasileira. O jeito, afirma, seria fazer aliança com o setor privado, que tem “habilidade para conseguir aprovar iniciativas junto ao governo” e tentar uma aproximação direta com Lula e outros ministros que poderiam defender a causa americana.
Uma “estratégia testada”, afirma Sobel, citando entre outros exemplos o caso da transferência para o Brasil dos 30 agentes da DEA, a agência americana de combate às drogas, expulsos da Bolívia por Evo Morales no fim de 2008. “Apesar da recusa do MRE de conceder vistos aos agentes, conseguimos realizar a transferência com a ajuda da Polícia Federal, da Presidência da República e de nossas excelentes relações com o ministro da Justiça (Tarso Genro)”, gaba-se. O segundo telegrama foca os minguados recursos humanos e financeiros do Itamaraty, apresentando-os como oportunidade para os Estados Unidos. Muitos cargos diplomáticos estavam sendo preenchidos por “trainees e terceiros-secretários” por falta de pessoal para as novas embaixadas brasileiras, observa o embaixador americano, acrescentando que seria “crucial influenciar essa nova geração”. “Os franceses instituíram um programa de intercâmbio diplomático com o Itamaraty em 2008, semelhante ao nosso Transatlantic Diplomatic Fellowship, e agora têm um diplomata trabalhando no Departamento Europeu do Itamaraty. Uma proposta similar seria válida para conseguir um posto que nos permita observar de dentro esse ministério-chave e mostrar como os Estados Unidos executam sua política externa”, sugere.
No terceiro telegrama, Sobel afirma que, embora o MRE continuasse a ser o líder incontestável da política externa brasileira, o crescimento internacional tendia a erodir seu controle. Apesar da falta de hábito das instituições brasileiras em lidar diretamente com governos estrangeiros, alguns ministérios como o do Meio Ambiente e, principalmente, o da Defesa estabeleceram relações diretas com a embaixada norte-americana em Brasília, relata. Um telegrama enviado em 31 de março de 2009, depois da visita do presidente Obama ao Brasil, dá um exemplo prático da eficiência dessa estratégia. Pedindo sigilo absoluto de fonte, o embaixador conta que Jobim pretendia contribuir com o combate ao narcotráfico na região, possivelmente através do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) criado pela União Sul-Americana de Nações (Unasul). “Ele disse que o CDS poderia ser o canal perfeito para conseguir o engajamento dos militares dos outros países sem passar pelo MRE”, escreve, acrescentando que o então ministro da Defesa estaria disposto a envolver os militares no combate ao tráfico nas fronteiras brasileiras. “O plano de Jobim sinaliza um grande passo, uma vez que o assunto é altamente sensível internamente, no governo, e para o público brasileiro”, comenta.
Também durante as tratativas frustradas de compra dos caças, Jobim e os líderes militares agiram longe do Itamaraty, como mostram os cerca de 50 telegramas sobre o tema. Em um deles, Sobel relata a visita da comitiva presidencial à França e comenta, com ironia, as reportagens da imprensa brasileira que afirmam o apoio de Lula, Amorim e Jobim à aquisição dos caças Rafale: “Talvez isso seja mais um marriage blanc do que amour veritable”, diz. E explica: “Nos encontros privados com o embaixador, Jobim minimizou a relação com a França e manifestou um claro desejo de ter acesso à tecnologia americana. O obstáculo é o Ministério das Relações Exteriores”. Sobel também se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para pedir “conselhos” sobre as chances de os caças da Boeing vencerem a concorrência de quase 10 bilhões de reais. Ficou entusiasmado com o resultado: “Os apoiadores mais fortes do Super Hornet (o F-18 americano) são as lideranças militares, em particular o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito”, relata em telegrama de janeiro de 2009.
O embaixador também obteve “uma cópia não oficial” de uma Requisição de Informações da Aeronáutica (passada eletronicamente para Washington), que “permite planejar os próximos passos para os Estados Unidos vencerem a negociação”. Além de garantir que o preço não seria o principal critério da escolha, o documento informa que a Embraer, “principal beneficiária de qualquer transferência de tecnologia”, consideraria “desejável a oportunidade de estabelecer uma parceria com a Boeing”, principalmente se houvesse “a intenção de oferecer uma cooperação adicional na área da aviação comercial”.
À luz dos telegramas do WikiLeaks, o relatório apresentado em janeiro de 2010 pela FAB ao ministro Jobim, colocando a aeronave sueca como melhor opção, exatamente por causa dos custos, traz novas indagações. O Rafale francês foi classificado em terceiro lugar, atrás dos caças americanos, esse sim apontado como o de melhor tecnologia. Mas não era o preço que importava, não é?


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Amorim jamais tiraria os sapatos


CartaCapital, Ed. 659

O anti-Celso Lafer

 Mauricio Dias
Já é possível traçar um retrato do novo ministro da Defesa, Celso Amorim, ainda que seja um ministro jovem no cargo. Jovem de poucos dias. Na Defesa, Amorim ganhou muito mais visibilidade do que tinha nos longos anos que comandou o Itamaraty.
Funções distintas, ações distintas. Mas Amorim não retocou a forma de agir. Firme, sem ser rude, objetivo, embora diplomático, exercitou agora essas virtudes sob o fogo das críticas mais estapafúrdias. Chegaram mesmo a plantar notícias de reações nos quartéis, inventadas, em geral, por oficiais de pijama. Daqueles que reagem ao perceber que a grama já cresce à porta da casa deles.
Amorim tem mesmo vários pontos que desagradam ao establishment nacional e internacional. Isso ficou claro com o foco das perguntas ao longo das entrevistas que concedeu. Isso é atacado por argumentos tacanhos e genéricos, por se tratar de ideologia. Posições políticas contrárias às de Amorim não são ideológicas? Existiria no mundo alguém que comentasse qualquer coisa a partir de uma visão não ideológica?
Foram resgatar, por exemplo, artigos escritos por ele em CartaCapital, onde ele teria exercitado “ideias mais à esquerda”. Nesse período, exerceu o papel de um articulista livre, sem compromissos. Isto é, sem as amarras das funções públicas e, assim, apresentou discordância com a decisão do governo Dilma de apoiar a resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que instituiu um relator especial para o Irã. Amorim, já fora do cargo e em conversas informais, explicou que era uma discordância pontual, reafirmou apoio ao chanceler Antonio Patriota e pontuou também que os dois trabalharam juntos por 15 anos. Isso gerou uma relação de absoluta confiança.
O chanceler Amorim jamais tiraria os sapatos no aeroporto Kennedy, em Nova York, por exigência do protocolo imperial da segurança norte-americana. Um ritual humilhante obedecido, por exemplo, pelo ex-chanceler tucano Celso Lafer.
Em artigo escrito para CartaCapital, embora tenha atacado o preconceito ocidental contra os países islâmicos, que, segundo ele, levou à execução de Saddam Hussein, no Iraque, ressalvou: “Não sejamos inocentes. Interesses econômicos e políticos motivaram a decisão de atacar o Iraque”. Amorim é o anti-Lafer.
Como ministro da Defesa, Celso Amorim também desarmou várias armadilhas contidas nas perguntas que respondeu ao longo das últimas entrevistas. Uma das indagações transmitia o sentimento contra a presença de um diplomata à frente da função recém-assumida. Teria sido formulada por “um oficial”, conforme foi relatado pela repórter porta-voz: “E se fosse um general mandando no Itamaraty?“Já houve ministro militar: Juracy Magalhães”, respondeu Amorim.
Ele pôs o ponto final da resposta no momento certo. Diplomaticamente. Poderia, no entanto, ter exposto o verdadeiro caráter da pergunta do oficial guarnecido pelo anonimato. A razão de Amorim talvez esteja no contexto político em que Juracy atuou. General da reserva, ele foi chanceler do também general Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura. Foi então que formulou o lema inscrito hoje na bandeira do servilismo: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.
Amorim é o anti-Juracy.

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