quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Abbey Road 2011



São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2011


A saída do beco

RICARDO MELO
 
SÃO PAULO - Reuniões de emergência se sucedem; pacotes financeiros se multiplicam; chefes de governo até interrompem as próprias férias, coitados. Indiferente a tudo, o forte cheiro de queimado se alastra pelo ambiente internacional.
"As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores. O crescimento do desemprego aprofunda, por sua vez, a crise financeira do Estado e mina os sistemas monetários estremecidos. Os governos, tanto democráticos quanto fascistas, vão de uma bancarrota a outra."
Qualquer semelhança com o retrato acima (lá se vão mais de 70 anos!) não é mera coincidência. Sobram privações e sofrimentos; basta abrir o jornal, ligar a televisão ou o computador. A falta de trabalho arrasa setores inteiros da população em pleno Primeiro Mundo. A crise financeira dispensa comentários, assim como a bancarrota de governos, da América à África.
Soluções? Mesmo com todo o progresso técnico alcançado pela civilização, as propostas de cima só pedem retrocessos à maioria: adiamento da aposentadoria, mais pagamento pelo ensino, entrega da saúde pública a cartéis privados, aumento de horas de trabalho, "aperto fiscal", submissão a ditadores em nome de negociatas.
O paradoxo é esclarecedor. Temos iPads, iPhones, iTudo, o estado da arte em nossas mãos para acompanhar ao vivo, em tempo real, desgraças como a da Somália, massacres como os da Líbia e da Síria, Londres em chamas, a repressão na China, o desespero de multidões em países tidos como avançados.
Diante da ditadura dos grandes bancos e de sua contabilidade macabra, persiste uma certeza: salvo um milagre, a solução da crise atual passa pela superação de um sistema avesso à distribuição racional dos recursos produzidos. Sem mexer nesse fundamento, tudo será paliativo, enganoso, como, aliás, tem sido. E milagres não existem.

São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Bancos têm perdas nos EUA e Europa em novo dia de tensão

DE SÃO PAULO

Em mais um dia de quedas acentuadas em Bolsas pelo mundo, os bancos sofreram especialmente, levantando temor de que sua fragilidade acentue ainda mais a crise econômica mundial.
Houve perdas sobretudo em instituições na França e nos EUA. No caso francês, as quedas foram puxadas pelo risco de rebaixamento dos títulos do país.
A Bovespa fechou com leve alta, o que não impediu que empresas brasileiras começassem a refazer planos de obter financiamento externo. Em Brasília, a presidente Dilma Rousseff reuniu-se com aliados e pediu "maturidade" na questão fiscal.

Com rumor sobre banco, Bolsa de Paris tem maior queda desde 08

ÁLVARO FAGUNDES
DE NOVA YORK

O alívio durou apenas uma sessão. Ontem, as Bolsas globais voltaram a se desvalorizar fortemente, agora com rumores sobre a saúde dos bancos franceses e incertezas sobre a dívida da segunda maior economia da zona do euro. Temores sobre a solvência do Société Générale, o segundo maior banco francês, fizeram com que a Bolsa de Paris tivesse a maior queda desde dezembro de 2008: 5,45%.
Bancos franceses foram alvo de pânico ontem porque estão entre os mais expostos a papéis de Grécia e Itália, países que estão no epicentro da crise da dívida europeia. Todos os mercados foram contaminados por boatos de problemas no Société (desmentidos pela instituição) e rumores de que as agências de avaliação de risco iam rebaixar os papéis da dívida francesa.
Há preocupação com o nível de endividamento da França (84,5% do PIB) e o baixo crescimento do país. A Fitch e a Standard & Poor's negaram que pretendam retirar a nota AAA (máxima) para os títulos franceses. Mas o CDS para a dívida da França (derivativo que funciona como um seguro contra a inadimplência) atingiu o recorde de 161 pontos -o dos Estados Unidos ficou em 55 pontos.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, interrompeu suas férias para liderar uma reunião ministerial de emergência e cobrar novas medidas para reduzir o deficit no Orçamento.
Segundo ele, os planos para reduzir a dívida pública serão mantidos "qualquer que seja a evolução da situação econômica". A diferença entre os rendimentos pagos pelos títulos franceses e pelos alemães (que também são AAA e são referência na Europa) disparou, mostrando que os investidores estão exigindo mais garantias para comprar os papéis da França.
Nos EUA, o setor financeiro também liderou a queda, em um misto de temor sobre o segmento e preocupação com comunicado do Fed (BC americano) de anteontem.
O Dow Jones, índice da Bolsa de Nova York, recuou 4,62% e acumula perda de 11,7% no mês. O Bank of America foi um dos que lideraram as perdas (queda de 10,9%), e seu presidente-executivo, Brian Moynihan, descartou que o banco vá emitir ações ou vender ativos, como o Merrill Lynch, para se capitalizar.
Há dúvidas sobre a saúde do banco, que comprou em 2008 a Countrywide, empresa de hipotecas que estava cheia dos chamados títulos podres, com alto índice de inadimplência. Além disso, o Fed disse anteontem que a economia americana está enfraquecendo, o que diminui a possibilidade de bancos emprestarem dinheiro ao consumidor.
Leilão de títulos do Tesouro dos EUA pagou o menor rendimento da história, prova que investidores buscam cada vez mais esses papéis, tidos como porto seguro.


Para economista alemão, crise é das finanças, não dos governos


ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

A crise atual é fruto do mercado financeiro, não de governos malcomportados. O que acontece é um sucessivo estouro de bolhas, e os governos deveriam ampliar seus deficits, não cortá-los. Para isso, os políticos precisam se emancipar de Wall Street. A visão é de Heiner Flassbeck, 60, diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad (Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento). Para o economista, que foi vice-ministro de Finanças da Alemanha (1998-1999), a recessão de agora pode ser pior, prolongada.
Flassbeck defende o enxugamento do mercado. E, para ativar o capitalismo, prega uma regra simples: aumento de salários. Professor da Universidade de Hamburgo, ele estará no Brasil na próxima semana para um seminário promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado.


Folha - Qual é a natureza da crise?
Heiner Flassbeck - Os mercados produzem bolhas e, em certo momento, todas elas explodem
. Temos uma economia de bolhas. A economia cresce porque temos essas bolhas, não o contrário. Agora há um grande perigo de que todas as novas bolhas, de commodities, moedas, ações, patrimônio, estourem.

Está ficando pior?
Sim, pois os governos estão tentando reduzir os seus deficits. Será mais difícil lutar contra uma nova recessão.
Nos EUA, na Europa e no Japão, não há recuperação sustentável: o emprego está estagnado, os salários não estão subindo -então não há consumo privado- e todos querem exportar. O resto do mundo não consegue crescer em ritmo suficiente para absorver essas exportações.

E qual é a saída?
Uma forte regulação nos mercados financeiros, impedindo apostas de cassino e forçando investimentos reais
. Um sistema monetário global diferente, no qual as moedas não sejam determinadas pelo mercado. E nova regulamentação para as commodities, na qual seus preços não sejam mais determinados pelo mercado financeiro.

Por que os governos não fazem nada a respeito?
Muitos políticos não entendem o que ocorre. É preciso uma nova geração, que não dependa de Wall Street.

Os mercados estão forçando nova socialização das perdas?
Com a política nos EUA, é difícil imaginar novo resgate. O governo está bloqueado pelo Congresso. Muitos governos hesitarão em salvar bancos. Por isso, essa recessão pode ser pior e mais profunda que a anterior. O cenário mais provável talvez seja o de uma recessão do tipo da japonesa.

Pior que a de 1929?
Não diria pior, mas pelo menos comparável. Corremos o risco de fazer o mesmo erro de 1929: cortar gasto público no meio da recessão. Em 2008, a reação dos governos conteve a recessão. Agora, não se pode esperar muito do lado monetário e o fiscal está bloqueado politicamente.

Mas ortodoxos defendem corte de deficit.
Estão ansiosos por matar [John Maynard] Keynes novamente. Por isso chamam a crise, claramente causada pelos mercados financeiros, de "crise da dívida dos governos". Não tem nada a ver com crise da dívida. Os governos pagaram alguns jogadores irresponsáveis das finanças, e por isso a dívida dos governos é maior do que há cinco anos. É luta ideológica contra os governos. Nada a ver com pesquisa acadêmica séria.

O que o capitalismo pode fazer para gerar crescimento?
Os salários médios precisam subir conforme a produtividade da economia. É uma regra simples, não seguida na América Latina no passado; hoje está melhor. Na Ásia entenderam isso. Mas na Europa, nos EUA e no Japão, os salários não estão crescendo. Eles são o componente mais importante para a demanda privada. O capitalismo não funciona sem aumento do salário dos trabalhadores.

O tamanho do sistema financeiro deve diminuir?
Ele precisa encolher. Essa é a grande tarefa dos políticos.
Qual sua visão do Brasil?
Acho que o Brasil está muito melhor agora do que em recuperações anteriores. Os salários estão crescendo. O que continua sendo um problema é a taxa de juros muito alta e a valorização do real é um grande perigo. Mas não há como culpar o Brasil: é o jogo do poder.
Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no957772


Sociedade britânica está 'doente', afirma primeiro-ministro

Reprodução

‘Daily Telegraph’ com foto de polonesa saltando de prédio

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Parte da sociedade britânica está doente. Pais não controlam os filhos, escolas não dão disciplina, faltam valores morais e éticos, há um grave problema de gangues juvenis.
O diagnóstico é do próprio primeiro-ministro britânico, David Cameron, depois de quatro dias de saques, vandalismo e confronto com policiais espalhados pelo país.
Pressionado por ter demorado a cortar suas próprias férias, Cameron afirmou que é hora de retomar o controle e contra-atacar. Após aumentar o número de policiais em Londres de 6.000 para 16 mil, agora diz que deve ser usado o que for necessário: balas de borracha e canhões de água.

IDENTIFICAÇÃO
O primeiro-ministro também pediu pressa nas prisões e nos processos judiciais. A polícia está usando imagens de câmeras de segurança e fotos tiradas durante os saques para identificação.
"Foto a foto, esses criminosos serão identificados e presos, e não vamos permitir que falsas preocupações com direitos humanos impeçam a divulgação dessas imagens e a prisão desses indivíduos", afirmou o premiê.
Mais de mil foram presos desde sábado, e cortes estão trabalhando 24 horas por dia para sentenciá-los. Um dos ouvidos pela Justiça foi Alexis Bailey, 31, que, ironicamente, trabalha como professor assistente numa escola primária. Ele confessou ter participado de tentativa de saque a uma loja na segunda à noite.Bailey recebe 1.000 libras (cerca de R$ 2.600) por mês.
Outro ouvido foi um menino de 11 anos. Ele admitiu pertencer a uma gangue que atacou uma loja de departamentos na segunda. Alguns foram indiciados por incitar a violência por meio de redes sociais e mensagens de texto.

CRIME E ECONOMIA
Da direita à esquerda, todos concordam que os acontecimentos dos últimos dias são pura criminalidade. Mas alguns apontam fatores econômicos e sociais (desemprego de 20% entre os jovens, desintegração familiar) como galvanizadores.
E ontem o país teve outro dado ruim na economia. O Banco Central rebaixou a previsão de crescimento, de 1,8% para 1,4% neste ano. A onda de violência começou no sábado em Tottenham, bairro pobre na zona norte da capital do Reino Unido, depois de protesto pela morte de Mark Duggan, 29, que foi morto pela polícia.
Nos dias seguintes, jovens encapuzados ou com lenços cobrindo o rosto atacaram a polícia, saquearam lojas e incendiaram prédios em Londres e outras cidades.
Ontem, o medo fez o comércio fechar mais cedo em Birmingham e em Manchester, cidades onde foram registrados os maiores conflitos na terça-feira.

Três são mortos ao tentar evitar saque de lojas

DE LONDRES

A morte de três homens -Haro on Jahan, 21, e os irmãos Shazad Ali, 30, e Abdul Nasir, 31- durante a onda de violência em Birmingham (centro do Reino Unido) elevou a tensão racial na cidade.
Muçulmanos e de ascendência paquistanesa, tentavam proteger lojas de saqueadores quando foram atingidos por um Audi, segundo testemunhas. "Eles foram mortos num ataque racista. Estavam aqui para proteger lojas, não estavam usando armas", afirmou Ali Hussain, primo de Jahan.
Líderes da comunidade paquistanesa na região afirmam temer conflitos se a polícia não for rápida nas investigações. Por enquanto, um suspeito foi preso, e o chefe da polícia local, Chris Sims, pediu calma e que as pessoas não pensem em revanche. Durante todo o dia de ontem, o clima era de revolta entre familiares e amigos dos mortos.

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