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Carta Maior, 09/08/2014
O chão mole de Aécio
Por Saul Leblon
À medida em que a campanha presidencial supera a fase alegre dos consensos, ancorada em sorrisos e manchetes de credibilidade equivalente, o bicho pega.
As pesquisas de intenção de voto exalam um cheiro de queimado e a fumaça ondula na direção do palanque conservador.
Exceto na hipótese de um novo escândalo inoculado pela mídia, a dúvida confidenciada em fileiras de bicudos e graúdos carrega nervosa pertinência.
De onde, afinal, Aécio e assemelhados vão extrair o fôlego que as pesquisas lhes sonegam, se meses e meses de exposição exclusiva e esfericamente favorável na mídia não foi capaz de lhes proporcionar o estirão previsto na preferência nacional?
A partir do dia 19, a propaganda eleitoral abre uma trinca nesse monólogo.
Faz mais.
Temas cruciais para o desenvolvimento brasileiro, como a redução da desigualdade, o futuro do salário mínimo, a desindustrialização, passam a exigir um posicionamento claro de quem pretende chegar competitivo às urnas de outubro.
Na boca de Aécio Neves eles queimam como batata quente.
A dificuldade de discorrer com clareza sobre esses itens revela dois flancos mortais em uma disputa presidencial.
De um lado, a fragilidade de um projeto que não pode se explicar honestamente ao eleitor, sob pena de evidenciar seu conteúdo antissocial .
De outro, o chão mole mais incomodo do palanque conservador: seu próprio candidato. Visto com entusiasmo como um biombo para o regresso dos heróis do mercado a Brasília, o tucano às vezes soa como um piano difícil de escutar e de carregar.
Enredado na teia da dissimulação Aécio Neves tem dificuldades evidentes com a consistência.
Expor como enxerga e de que modo pretende equacionar os grandes gargalos brasileiros é uma tarefa acima de suas possibilidades.
Sua incapacidade de discorrer mais que alguns segundos sobre um mesmo assunto, depois de esgotar o estoque de lugares comuns, começa a constranger as audiências mais receptivas.
Em encontro recente com industriais, promovido pela CNI, o desconforto na plateia era mais denso do que a enorme boa vontade com o jovial neto de Tancredo.
Mesmo lendo, ficou flagrante que debulha uma espiga adversa quando se trata de discorrer sobre o país, seus flancos e suas possibilidades.
Não é sua praia. Aécio é mais afeito à ligeireza do que ao manejo das grandes agendas nacionais.
Lula, que hoje tem o Brasil na palma da mão, faiscava em 2002 uma experiência de vida riquíssima, coisa que o mineiro tampouco possui. Da boca do metalúrgico emergia o arranque sofrido de milhões de personagens e sonhos de um Brasil quase ausente do repertório dominante.
Do esforço de Aécio se ouve uma versão empobrecida da narrativa gordurosa, monótona e burocrática dos editoriais conservadores.
Dilma não tem a vivência popular de Lula. Mas dispõe de uma densidade técnica e intelectual , ademais do domínio e da experiência no manejo da máquina do Estado, da economia e da infraestrutura nacional, que a singularizam de imediato aos olhos do observador isento.
Mas sofre uma restrição séria do ponto de vista dos donos do país:
‘Dilma? Esta não é para amadores. “Não adianta achar que ela vai querer te ajudar. Ela não ajuda ninguém. Você tem que fazer por onde convencê-la que seu projeto se encaixa nas prioridades do governo. Lula era mais sensível a argumentos como o risco de demissões e o esforço na construção de uma solução de consenso. Dilma só cede à racionalidade econômica e republicana”, reclamavam titãs do mercado no jornal Valor, na semana passada (01/08/2014)
Aécio é o próprio jogo. Mas o placar não anda com ele. O discurso linear, desprovido de ênfase, sucedido de improvisos jejunos, revelam cada vez mais a natureza fraudulenta do produto que a mídia vende como sinônimo de ‘mudança’.
A plutocracia não desistirá. As doações jorram.
Não espanta.
Assim ocorreu também na promoção de outro simulacro, em 1989, fruto da mesma determinação omnívora: ‘tudo , menos o PT’.
Nesta 5ª feira, Aécio foi levado pelo impoluto Paulinho ‘Boca’, da Força, para conhecer a classe operária, na zona norte de São Paulo.
O candidato aproveitou o pano de fundo e sapecou uma do estoque de bolso: ‘País vive hoje a maior crise de desindustrialização da sua história’.
Teve o azar de ser cobrado em seguida sobre um tema pedestre: sua política de reajuste para o salário mínimo.
A batata quente fumegou na boca.
‘Vou assumir o governo e, de posse de todas as informações que eu tiver, vou valorizar o trabalhador brasileiro’, arriscou franzindo o cenho como se suplicasse : ‘Emplacou?’ .
Quase na mesma hora, um de seus formuladores, o economista Monsueto Almeida, um centurião da guerra contra o gasto público, dizia à Reuters, por escrito: ‘Se for eleito, o governo Neves terá como objetivo acabar com o populismo monetário (…) e voltar a uma taxa livre de câmbio flutuante’.O que exatamente significa adotar o câmbio livre num mundo imerso em um dilúvio de liquidez?
Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal, os fundos internacionais de investimento e de pensão tem 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise; uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial.
As opções de investimento em contrapartida evoluíram na direção inversa.
Há mais de um ano, o governo brasileiro intervém no câmbio.
É um pouco como enxugar gelo. Mas é indispensável para impedir que o ingresso de capitais especulativos (atraídos pelas maiores taxas de juros do planeta –concessão de Dilma ao mercado aecista) deprimam o valor do dólar.
Caso contrário, as importações matariam de vez a indústria local.
Aí vem o assessor de Aécio. E anuncia o programa do PSDB para a área cambial: a ‘livre flutuação da paridade’, um fermento à desindustrialização .
De novo, o candidato não consegue ou não pode falar sobre o que pretende com o Brasil.
Para um conservadorismo hesitante diante da fraqueza de seu pupilo resta a esperança de torná-lo um adereço ornamental.
‘Aécio delega’, retrucam muxoxos sob um piano que começa a pesar justamente na escalada de uma eleição que entra na etapa da conquista da credibilidade.
É fato: delegar, o mineiro delega. É uma questão de sobrevivência . O problema agora é esconder do eleitor os portadores dessa delegação.
Em caso de vitória, um coringa de estimação dos mercados assumiria as rédeas da economia com carta branca para agir, confidenciam bicudos do PSDB.
Armínio Fraga seria o presidente da república do dinheiro. Aécio o seu suporte legal.
O que Armínio fez ao assumir o BC, em março de 1999, que o credenciou aos olhos da plutocracia para ser esse Napoleão dos bastidores, a mão invisível dos mercados tropicais?
Vale recordar.
Fernando Henrique acabara de ser reeleito para um segundo mandato e decretara uma maxidesvalorização de 30%, em 19 de janeiro de 1999.
O Real fazia água.
Uma semana depois da máxi que esfarelou o engodo da moeda forte, a fuga de capitais havia reduzido as reservas brasileiras a US$ 30 bilhões, o equivalente às da Argentina hoje, denegrida como nação irresponsável pelo colunismo conservador e por fundos abutres.
As expectativas de inflação oscilavam de 20% a 50% ao ano –maior que a da Argentina.
A avalanche inflacionária, cambial e fiscal derrubaria dois presidentes do BC antes de Armínio chegar ao posto, em março.
O que fez então?
Sancionou as fronteiras delimitadas pelo dinheiro no campo de guerra.
A taxa de juro foi fixada em singelos 45% ao ano –hoje está em 11% e é, como de fato é, apontada como asfixiante.
Com Armínio, o BC adotou o regime de metas de inflação: a escalada dos juros tornou-se a resposta à indisciplina dos preços.
Mais que isso.
Armínio deu assim aos detentores da riqueza, que acabavam de perder a ilusória âncora da paridade cambial, um potente escudo de juros para defender o valor real de seu pecúlio.
Liberou o campo desse modo para a maxidesvalorização fazer o serviço que lhe cabia: escalpelar o poder de compra dos assalariados, sem aviltar a riqueza dos rentistas.
Foi assim que se consolidou a transferência da âncora do plano Real, do câmbio, para o juro.
De forma mais simples: Armínio foi o fiador do pacto histórico e carnal entre o PSDB e o rentismo.
E assim Armínio se consagrou como escudeiro do mercado.
O que se espera dele agora é que repita o desempenho se Aécio chegar ao Planalto.
Não necessariamente nessa ordem dos fatores. Mas com poderes até maiores que os da experiência anterior. Poderes de um presidente da república do dinheiro, repita-se.
Ao tarifaço no lombo dos assalariados, preconizado como o start do processo por formuladores tucanos, seguir-se-á uma robusta talagada de juros para salvaguardar –como antes– os endinheirados do rebote da inflação.
Uma volta extra no torniquete fiscal —‘’um superávit de uns 3% do PIB”— daria à turma do mercado a certeza de que o Estado faria o arrocho necessário para pagar o serviço da dívida.
O dólar flutuante de que fala Monsueto daria o arremate à obra.
Dólar barato mais abertura ampla às importações = nocaute nas taxas de inflação.
É o que se promete nos salões elegantes onde a conversa é desabrida, quase eufórica.
A que preço sairia o pacote?
Ao preço, entre outros, de uma contração do parque manufatureiro, capaz de deixar saudade ‘na maior desindustrialização da história’ denunciada hoje por Aécio.
O saldo restante seria quitado na forma de desemprego e depreciação salarial, reduzindo de fato o demonizado ‘custo Brasil’.
Por isso Aécio não pode adiantar a sua fórmula de correção do salário mínimo, nem a da correção da tabela do Bolsa Família e outras miudezas sociais.
Restaria apenas uma incógnita colateral: quanto sobraria do país fora do ralo?
Deixados à própria sorte, como advogam os ‘matadores’ à la Armínio, os ‘ajustes de mercado’ empurram a economia para operar à beira do sumidouro.
Ou seja, em condições de baixa demanda efetiva e elevado nível de desemprego.
Sem prejuízo da carteira rentista.
A ração dos juros fica assegurada pela dinâmica de um endividamento público emparedado entre despesas fixas e receita fiscal corroída pela recessão.
O conjunto reúne os ingredientes típicos da receita que levou o mundo ao desastre neoliberal de 2008.
A saber: empobrecimento das famílias assalariadas, desigualdade crescente, decadência industrial, elevado desemprego e a cereja do bolo: déficit fiscal, de um lado, e derrocada dos serviços e investimentos públicos, de outro.
Maiores informações, consultar as contas nacionais da Espanha, Grécia, Portugal e assemelhados. Todos submetidos à mesma terapia acalentada aqui pela turma empenhada no desmonte da incipiente democracia social brasileira.
A ideia que desse necrológio possa brotar uma pujante base exportadora equivale a acreditar que a Faixa de Gaza hoje está mais apta a crescer e a prosperar do que antes dos 28 dias de bombardeios de Israel.
Esse é o angu de caroço temperado nos bastidores da candidatura tucana, que Aécio Neves protagoniza mas não consegue, nem pode, verbalizar de forma palatável
A campanha, porém, ingressa numa fase em que o tucano será instado, cada vez mais, a esclarecer suas propostas para o presente e o futuro brasileiro.
É a hora em que as batatas queimam na boca do conservadorismo.
Pior que isso.
A hora em que o próprio Aécio se torna uma delas.
As pesquisas de intenção de voto exalam um cheiro de queimado e a fumaça ondula na direção do palanque conservador.
Exceto na hipótese de um novo escândalo inoculado pela mídia, a dúvida confidenciada em fileiras de bicudos e graúdos carrega nervosa pertinência.
De onde, afinal, Aécio e assemelhados vão extrair o fôlego que as pesquisas lhes sonegam, se meses e meses de exposição exclusiva e esfericamente favorável na mídia não foi capaz de lhes proporcionar o estirão previsto na preferência nacional?
A partir do dia 19, a propaganda eleitoral abre uma trinca nesse monólogo.
Faz mais.
Temas cruciais para o desenvolvimento brasileiro, como a redução da desigualdade, o futuro do salário mínimo, a desindustrialização, passam a exigir um posicionamento claro de quem pretende chegar competitivo às urnas de outubro.
Na boca de Aécio Neves eles queimam como batata quente.
A dificuldade de discorrer com clareza sobre esses itens revela dois flancos mortais em uma disputa presidencial.
De um lado, a fragilidade de um projeto que não pode se explicar honestamente ao eleitor, sob pena de evidenciar seu conteúdo antissocial .
De outro, o chão mole mais incomodo do palanque conservador: seu próprio candidato. Visto com entusiasmo como um biombo para o regresso dos heróis do mercado a Brasília, o tucano às vezes soa como um piano difícil de escutar e de carregar.
Enredado na teia da dissimulação Aécio Neves tem dificuldades evidentes com a consistência.
Expor como enxerga e de que modo pretende equacionar os grandes gargalos brasileiros é uma tarefa acima de suas possibilidades.
Sua incapacidade de discorrer mais que alguns segundos sobre um mesmo assunto, depois de esgotar o estoque de lugares comuns, começa a constranger as audiências mais receptivas.
Em encontro recente com industriais, promovido pela CNI, o desconforto na plateia era mais denso do que a enorme boa vontade com o jovial neto de Tancredo.
Mesmo lendo, ficou flagrante que debulha uma espiga adversa quando se trata de discorrer sobre o país, seus flancos e suas possibilidades.
Não é sua praia. Aécio é mais afeito à ligeireza do que ao manejo das grandes agendas nacionais.
Lula, que hoje tem o Brasil na palma da mão, faiscava em 2002 uma experiência de vida riquíssima, coisa que o mineiro tampouco possui. Da boca do metalúrgico emergia o arranque sofrido de milhões de personagens e sonhos de um Brasil quase ausente do repertório dominante.
Do esforço de Aécio se ouve uma versão empobrecida da narrativa gordurosa, monótona e burocrática dos editoriais conservadores.
Dilma não tem a vivência popular de Lula. Mas dispõe de uma densidade técnica e intelectual , ademais do domínio e da experiência no manejo da máquina do Estado, da economia e da infraestrutura nacional, que a singularizam de imediato aos olhos do observador isento.
Mas sofre uma restrição séria do ponto de vista dos donos do país:
‘Dilma? Esta não é para amadores. “Não adianta achar que ela vai querer te ajudar. Ela não ajuda ninguém. Você tem que fazer por onde convencê-la que seu projeto se encaixa nas prioridades do governo. Lula era mais sensível a argumentos como o risco de demissões e o esforço na construção de uma solução de consenso. Dilma só cede à racionalidade econômica e republicana”, reclamavam titãs do mercado no jornal Valor, na semana passada (01/08/2014)
Aécio é o próprio jogo. Mas o placar não anda com ele. O discurso linear, desprovido de ênfase, sucedido de improvisos jejunos, revelam cada vez mais a natureza fraudulenta do produto que a mídia vende como sinônimo de ‘mudança’.
A plutocracia não desistirá. As doações jorram.
Não espanta.
Assim ocorreu também na promoção de outro simulacro, em 1989, fruto da mesma determinação omnívora: ‘tudo , menos o PT’.
Nesta 5ª feira, Aécio foi levado pelo impoluto Paulinho ‘Boca’, da Força, para conhecer a classe operária, na zona norte de São Paulo.
O candidato aproveitou o pano de fundo e sapecou uma do estoque de bolso: ‘País vive hoje a maior crise de desindustrialização da sua história’.
Teve o azar de ser cobrado em seguida sobre um tema pedestre: sua política de reajuste para o salário mínimo.
A batata quente fumegou na boca.
‘Vou assumir o governo e, de posse de todas as informações que eu tiver, vou valorizar o trabalhador brasileiro’, arriscou franzindo o cenho como se suplicasse : ‘Emplacou?’ .
Quase na mesma hora, um de seus formuladores, o economista Monsueto Almeida, um centurião da guerra contra o gasto público, dizia à Reuters, por escrito: ‘Se for eleito, o governo Neves terá como objetivo acabar com o populismo monetário (…) e voltar a uma taxa livre de câmbio flutuante’.O que exatamente significa adotar o câmbio livre num mundo imerso em um dilúvio de liquidez?
Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal, os fundos internacionais de investimento e de pensão tem 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise; uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial.
As opções de investimento em contrapartida evoluíram na direção inversa.
Há mais de um ano, o governo brasileiro intervém no câmbio.
É um pouco como enxugar gelo. Mas é indispensável para impedir que o ingresso de capitais especulativos (atraídos pelas maiores taxas de juros do planeta –concessão de Dilma ao mercado aecista) deprimam o valor do dólar.
Caso contrário, as importações matariam de vez a indústria local.
Aí vem o assessor de Aécio. E anuncia o programa do PSDB para a área cambial: a ‘livre flutuação da paridade’, um fermento à desindustrialização .
De novo, o candidato não consegue ou não pode falar sobre o que pretende com o Brasil.
Para um conservadorismo hesitante diante da fraqueza de seu pupilo resta a esperança de torná-lo um adereço ornamental.
‘Aécio delega’, retrucam muxoxos sob um piano que começa a pesar justamente na escalada de uma eleição que entra na etapa da conquista da credibilidade.
É fato: delegar, o mineiro delega. É uma questão de sobrevivência . O problema agora é esconder do eleitor os portadores dessa delegação.
Em caso de vitória, um coringa de estimação dos mercados assumiria as rédeas da economia com carta branca para agir, confidenciam bicudos do PSDB.
Armínio Fraga seria o presidente da república do dinheiro. Aécio o seu suporte legal.
O que Armínio fez ao assumir o BC, em março de 1999, que o credenciou aos olhos da plutocracia para ser esse Napoleão dos bastidores, a mão invisível dos mercados tropicais?
Vale recordar.
Fernando Henrique acabara de ser reeleito para um segundo mandato e decretara uma maxidesvalorização de 30%, em 19 de janeiro de 1999.
O Real fazia água.
Uma semana depois da máxi que esfarelou o engodo da moeda forte, a fuga de capitais havia reduzido as reservas brasileiras a US$ 30 bilhões, o equivalente às da Argentina hoje, denegrida como nação irresponsável pelo colunismo conservador e por fundos abutres.
As expectativas de inflação oscilavam de 20% a 50% ao ano –maior que a da Argentina.
A avalanche inflacionária, cambial e fiscal derrubaria dois presidentes do BC antes de Armínio chegar ao posto, em março.
O que fez então?
Sancionou as fronteiras delimitadas pelo dinheiro no campo de guerra.
A taxa de juro foi fixada em singelos 45% ao ano –hoje está em 11% e é, como de fato é, apontada como asfixiante.
Com Armínio, o BC adotou o regime de metas de inflação: a escalada dos juros tornou-se a resposta à indisciplina dos preços.
Mais que isso.
Armínio deu assim aos detentores da riqueza, que acabavam de perder a ilusória âncora da paridade cambial, um potente escudo de juros para defender o valor real de seu pecúlio.
Liberou o campo desse modo para a maxidesvalorização fazer o serviço que lhe cabia: escalpelar o poder de compra dos assalariados, sem aviltar a riqueza dos rentistas.
Foi assim que se consolidou a transferência da âncora do plano Real, do câmbio, para o juro.
De forma mais simples: Armínio foi o fiador do pacto histórico e carnal entre o PSDB e o rentismo.
E assim Armínio se consagrou como escudeiro do mercado.
O que se espera dele agora é que repita o desempenho se Aécio chegar ao Planalto.
Não necessariamente nessa ordem dos fatores. Mas com poderes até maiores que os da experiência anterior. Poderes de um presidente da república do dinheiro, repita-se.
Ao tarifaço no lombo dos assalariados, preconizado como o start do processo por formuladores tucanos, seguir-se-á uma robusta talagada de juros para salvaguardar –como antes– os endinheirados do rebote da inflação.
Uma volta extra no torniquete fiscal —‘’um superávit de uns 3% do PIB”— daria à turma do mercado a certeza de que o Estado faria o arrocho necessário para pagar o serviço da dívida.
O dólar flutuante de que fala Monsueto daria o arremate à obra.
Dólar barato mais abertura ampla às importações = nocaute nas taxas de inflação.
É o que se promete nos salões elegantes onde a conversa é desabrida, quase eufórica.
A que preço sairia o pacote?
Ao preço, entre outros, de uma contração do parque manufatureiro, capaz de deixar saudade ‘na maior desindustrialização da história’ denunciada hoje por Aécio.
O saldo restante seria quitado na forma de desemprego e depreciação salarial, reduzindo de fato o demonizado ‘custo Brasil’.
Por isso Aécio não pode adiantar a sua fórmula de correção do salário mínimo, nem a da correção da tabela do Bolsa Família e outras miudezas sociais.
Restaria apenas uma incógnita colateral: quanto sobraria do país fora do ralo?
Deixados à própria sorte, como advogam os ‘matadores’ à la Armínio, os ‘ajustes de mercado’ empurram a economia para operar à beira do sumidouro.
Ou seja, em condições de baixa demanda efetiva e elevado nível de desemprego.
Sem prejuízo da carteira rentista.
A ração dos juros fica assegurada pela dinâmica de um endividamento público emparedado entre despesas fixas e receita fiscal corroída pela recessão.
O conjunto reúne os ingredientes típicos da receita que levou o mundo ao desastre neoliberal de 2008.
A saber: empobrecimento das famílias assalariadas, desigualdade crescente, decadência industrial, elevado desemprego e a cereja do bolo: déficit fiscal, de um lado, e derrocada dos serviços e investimentos públicos, de outro.
Maiores informações, consultar as contas nacionais da Espanha, Grécia, Portugal e assemelhados. Todos submetidos à mesma terapia acalentada aqui pela turma empenhada no desmonte da incipiente democracia social brasileira.
A ideia que desse necrológio possa brotar uma pujante base exportadora equivale a acreditar que a Faixa de Gaza hoje está mais apta a crescer e a prosperar do que antes dos 28 dias de bombardeios de Israel.
Esse é o angu de caroço temperado nos bastidores da candidatura tucana, que Aécio Neves protagoniza mas não consegue, nem pode, verbalizar de forma palatável
A campanha, porém, ingressa numa fase em que o tucano será instado, cada vez mais, a esclarecer suas propostas para o presente e o futuro brasileiro.
É a hora em que as batatas queimam na boca do conservadorismo.
Pior que isso.
A hora em que o próprio Aécio se torna uma delas.
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