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Carta Maior, 06/08/2014
Crise humanitária na fronteira Sul dos EUA preocupa Mercosul
Por Víctor Abramovich
Na recente cúpula do Mercosul em Caracas, os chefes de Estado do bloco regional expressaram em um comunicado especial sua preocupação com a crise humanitária originada pelas migrações de crianças e adolescentes desacompanhados na fronteira sul dos EUA. (ver comunicado ao final)
Trata-se de um posicionamento firme e claro dos governos regionais frente a um dos conflitos de direitos humanos mais graves do continente.
Nos últimos meses, a fronteira dos Estados Unidos com o México se tornou o epicentro de um fluxo crescente de pessoas indocumentadas, entre as quais se encontram milhares de crianças desacompanhadas procedentes de países da América Central.
Entre 1 de janeiro e 31 de maio de 2014, a Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos deteve o número recorde de 47.017 crianças desacompanhadas em situação migratória irregular, e estima-se que a cifra de detenções ascenderá a 90.000 até o fim de 2014.
O número de detenções de crianças procedentes de El Salvador, Guatemala e Honduras sofreu um notável aumento nos últimos anos, passando de 4.059 em fevereiro de 2011 a 10.443 em fevereiro de 2012 e atingindo 21.537 crianças em fevereiro de 2013. Por outro lado, crianças e adolescentes mexicanos estão sendo deportados de maneira automática, totalizando 16.900 crianças deportadas ao longo de 2013.
O caminho que essas crianças empreendem é, na maioria dos casos, por rotas clandestinas onde elas são expostas a diversas situações de vulnerabilidade de seus direitos fundamentais, tais como violência física, exploração laboral e sexual. Uma vez nos Estados Unidos, muitas delas são detidas pelas autoridades e alojadas em refúgios improvisados, inclusive em bases militares, em situação de superlotação.
Igualmente, organizações de direitos humanos que trabalham na proteção das pessoas migrantes denunciaram situações de abusos sofridos pelas crianças durante sua detenção, como acesso insuficiente a comida e água; condições insalubres e superlotação nas celas e centros de detenção migratória; falta de mantas, colchões, roupa de cama limpa; além de mais de cem denúncias de abuso físico, verbal e sexual por parte dos agentes contra as crianças detidas.
De acordo com um estudo recente publicado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), algumas das múltiplas causas que estariam provocando este deslocamento maciço de crianças seriam: as condições extremas de pobreza nos países de origem e a falta de oportunidades de trabalho; a reunificação familiar; a violência do crime organizado, como cartéis do narcotráfico e gangues; a violência doméstica; e o recrutamento forçado por redes de tráfico de personas e redes de trabalho infantil que operam nas rotas e nos lugares de destino.
A decisão de abandonar o país de origem não responde a um só motivo, e sim está atravessada por diversas causas convergentes que exigem medidas integrais para erradicar condições estruturais que estão expondo essas crianças a situações de extrema vulnerabilidade de seus direitos.
Portanto, as políticas migratórias não podem ser guiadas exclusivamente por objetivos de segurança e controle de fronteiras, porque dessa forma não resolveriam os problemas estruturais que provocam a migração. Além disso, esses enfoques reducionistas demonstraram que são ineficazes para reduzir os fluxos migratórios irregulares. A complexidade da situação demanda a adoção de medidas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, garantindo condições de vida adequada e digna, e resguardando assim a proteção do direito a não migrar.
Entretanto, a resposta imediata do governo dos EUA parece se orientar à deportação de crianças, inclusive através da modificação da normativa que hoje limita a possibilidade de implementar esses procedimentos a crianças provenientes de países centro-americanos. Em 2011, os governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai promoveram, através do MERCOSUL, a Opinião Consultiva número 21 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre direitos das crianças migrantes. Nessa apresentação, sustentaram que as políticas e os procedimentos migratórios que afetam as crianças migrantes devem partir do reconhecimento de seus direitos fundamentais. Entre os principais padrões defendidos pelos Estados nesta iniciativa, devemos mencionar a não criminalização da migração irregular, a proibição de detenção de crianças por motivos migratórios, o reconhecimento do direito a um devido processo, o respeito ao princípio de não devolução e o repúdio às políticas de deportação automática.
Nesse sentido, se estabeleceu a necessidade de que cada decisão de repatriação seja tomada após uma avaliação profunda da situação, evitando devolver a criança a um contexto de violência, onde sua vida ou seus direitos fundamentais corram perigo, e procurando facilitar a unidade do grupo familiar. Na recente decisão adotada pelos Presidentes do MERCOSUL na reunião de Caracas, esses princípios jurídicos fundamentais são ratificados.
Além disso, em relação a estratégias mais profundas para enfrentar a situação, os governos do MERCOSUL propõem acordar regionalmente estratégias de cooperação para o desenvolvimento que apontem a resolver os problemas estruturais que originam a migração e desalentam as respostas orientadas exclusivamente à segurança e ao controle das fronteiras.
Assim, a resposta a esta crise de alcance regional não é, como alguns propuseram, um Plano Mérida nem um Plano Colômbia para a América Central, uma zona onde a militarização da segurança e a “Super Mão de Ferro” não só fracassaram em seu objetivo de melhorar as condições de segurança da cidadania, como também aprofundou os conflitos sociais dos quais emergem em grande medida os maciços fluxos migratórios.
(*) Secretário Executivo do IPPDH-MERCOSUL.
A íntegra do comunicado:
SOBRE LOS DERECHOS DE LOS NIÑOS, NIÑAS Y ADOLESCENTES MIGRANTES NO ACOMPAÑADOS
Los Presidentes y Presidentas de los Estados Partes del Mercado Común del Sur, expresan su profunda preocupación por la detención de niños, niñas y adolescentes migrantes no acompañados, procedentes en especial de países de Centroamérica, en la frontera sur de los Estados Unidos.
Exigen el respeto irrestricto de los derechos fundamentales de estos niños, niñas y adolescentes, que al ser detenidos son alojados en refugios improvisados, incluso en bases militares, en condiciones insalubres y de hacinamiento que vulneran su integridad física y psicológica.
Destacan que esta problemática trasciende las fronteras de un país, afectando a todo el continente americano, y están convencidos que el abordaje de esta situación de carácter humanitario, necesariamente debe contar con el apoyo y la cooperación de todos los países de la región. En tal sentido, recuerdan la obligación de todos los Estados – de origen, tránsito y destino – de respetar y garantizar los Derechos Humanos de los niños, niñas y adolescentes migrantes.
Ratifican la posición que han defendido los países del MERCOSUR en diversos foros internacionales, en relación a los derechos humanos de los niños, niñas y adolescentes migrantes, en particular, en la no criminalización de la condición migratoria, la prohibición de detención por motivos migratorios, y el rechazo de las políticas de deportación automática, sin evaluar en cada caso, las consecuencias de esa medida sobre las condiciones de vida y otros efectos adversos sobre estos niños, niñas y adolescentes.
Consideran que las políticas migratorias no pueden guiarse exclusivamente hacia objetivos de seguridad y control de fronteras, sino también a la búsqueda de soluciones a los problemas estructurales que provocan la migración.
Finalmente, ofrecen su cooperación a los gobiernos de los países de Centroamérica para apoyarlos en los esfuerzos de protección de los derechos humanos de sus pueblos y reiteran la importancia de tratar esta problemática en espacios multilaterales y en foros regionales que promuevan la concertación política de acciones y estrategias de cooperación para el desarrollo.
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