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17/08/2014
Quem é Marina Silva? Você sabe?
Por Ligia Deslandes
Quando nem bem o enterro de Eduardo Campos acabou e Marina, ao lado de
tantas pessoas se coloca como uma candidata salvacionista, dando ares à
sua candidatura como se fosse um prodígio de Deus e jogando a memória de
Eduardo Campos no lixo se referindo a ele como alguém que Deus preferiu
levar no lugar dela, é preciso chamar a razão das pessoas de forma a
que elas enxerguem o que está em jogo.
Temos que lembrar algumas coisas. Marina
não queria o PSB, queria a REDE que criou. Marina não morria de amores
por Eduardo Campos e muitas de suas propostas não foram aceitas por ele e
pelo PSB. Marina criou vários constrangimentos para o PSB quando Campos
tentava trazer alianças consideradas necessárias para o partido e que
ela era contra. Houve algum acerto quando ela resolveu aceitar ser sua
vice, mas, os dois não tinham uma boa parceria e isso era notório. No
entanto, a pessoa que mais lucrou com a morte de Campos foi ela. E qual o
problema de afirmar isso? Não sou leviana de afirmar como muitos de
forma descarada estão fazendo com objetivos políticos jogando a morte
dele contra o PT, de dizer que ela pode ter algo a ver com isso, mas,
ignorar que ela é quem verdadeiramente teve ganho com isso é hipocrisia.
A comoção que ocorreu por conta da morte de Campos não nos deixou menos
inteligentes e não nos fez mais ingênuos.
Por
todos os lugares que Marina passou, não ficou por conta de sua sede de
poder. E nada me faz crer mais nessa sede de poder, do que sua
transferência do marxismo para o fundamentalismo evangélico. Perigoso,
matreiro, invejoso e sem escrúpulos. O fundamentalismo religioso tem
feito história no mundo. Uma história triste e sangrenta. Todos
que conhecemos sua história, não estamos perplexos e nem nos sentimos
enganados. Mas, tem muita gente que não conhece a Marina. Qual é a sua
história? Como ela se tornou quem é? Quais suas idéias?
Um artigo de 2013 do Centro de Memória
das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia que foi publicado no site do
Luiz Nassif nessa época é bem pedagógico e esclarecedor. O texto é
longo, mas, vale a pena. Como já disse outras vezes, precisamos voltar
no tempo e na história para entender os fatos atuais e não cometer os
mesmos erros. Vejam o texto abaixo:
No último dia 16 de fevereiro, Marina Silva anunciou o lançamento da Rede Sustentabilidade, seu partido em construção. Muitos questionamentos já têm sido feitos às propostas apresentadas nessa ocasião pela ex-senadora acriana, que vem defendendo uma "nova forma de fazer política", um "novo tipo de partido", assim como um "novo tipo de militância". As críticas têm conseguido demonstrar que Marina abusa de conceitos vazios para elaborar um discurso que tenta agradar ao maior número de eleitores. Também já se destacou a presença, nessa rede, de empresários como Guilherme Leal e Maria Alice Setúbal, apoiadores da campanha eleitoral de Marina à presidência da república em 2010, e a integração de outros políticos, como Heloísa Helena, a esse movimento de "renovação ética".
Mas
a verdadeira rede de Marina é muito mais ampla e foi sendo construída
ao longo de sua trajetória política. Alguns dos elementos centrais dessa
trama não farão parte do seu novo partido, mas foram fundamentais para a
construção do projeto político que dá sustentação à atuação pública de
Marina Silva e à criação da Rede Sustentabilidade.
Nesse
mapa de relações pessoais de Marina, Chico Mendes é a primeira pessoa
que deve ser destacada. Afinal, foi a luta dos seringueiros, da qual
Chico era uma das principais lideranças, que deu maior projeção à então
professora de história e sindicalista, que havia feito parte do
movimento estudantil na Universidade Federal do Acre. Ligada às
Comunidades Eclesiais de Base que, assim como os movimentos sociais
urbanos de Rio Branco, foram importantes para fortalecer a organização e
a resistência dos seringueiros na floresta, Marina também participou da
criação da CUT e do PT no Acre, ao lado de Chico Mendes e tantos
outros.
A
partir dessa relação com Chico, outras duas figuras centrais entraram
na rede de Marina: a antropóloga Mary Allegretti, que colaborou com a
criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, e Steve Schwartzman,
antropólogo norte-americano, ligado à ONG Environmental Defense Fund
(EDF).
Eles
foram os principais responsáveis pela projeção internacional da imagem
de Chico Mendes (a partir de sua famosa viagem a Washington para
denunciar os impactos das obras da BR 364 ao Banco Mundial) e pela
tentativa de transformação de seu legado político radicalmente
anticapitalista - com fundamentação teórica marxista - apenas em uma
luta pela preservação da floresta. Em um extremo quase caricato,
chegou-se a apresentá-lo como uma versão amazônica do "pacifismo" de
Mahatma Gandhi.
A
promoção desta "metamorfose" ocorreu logo após o assassinato de Chico,
momento em que esses atores que haviam se aproximado do movimento dos
seringueiros, especialmente Mary Allegretti, intencionalmente buscaram
dissociá-lo das lutas sindical e pela reforma agrária. A partir das
relações que estabeleceu enquanto atuava como "apoiadora" dos povos da
floresta nos anos 1980, a antropóloga construiu na década seguinte uma
carreira como consultora de projetos para a Amazônia financiados por
instituições e agências internacionais. Figura dos bastidores do
movimento ambientalista, Allegretti foi elemento importante nas
negociações para implantação do PPG7 (Programa Piloto do G7 para
proteção das florestas tropicais do Brasil, gerido pelo Banco Mundial,
que orientou várias políticas do Ministério do Meio Ambiente). Entre
outras coisas, contribuiu para a articulação do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA), um grupo de ONGs e movimentos da Amazônia que deveria
acompanhar as discussões e negociações dos projetos do PPG7 (essa
articulação de ONGs, criada em 1993, teve Fábio Vaz de Lima, marido de
Marina Silva, como seu secretário-executivo entre 1996 e 1999).
Essa
imagem de um Chico Mendes "ambientalista" também foi habilmente
apropriada ao longo dos anos 1990 pela Frente Popular no Acre (PT e
partidos aliados), assim como por Marina Silva. (Especialmente quando
foi eleita para o Senado, ela assumiu nacionalmente a identidade de
ecologista e "seringueira", embora já vivesse há vinte anos na cidade de
Rio Branco). Depois do assassinato de Chico, além de adotar o discurso
da sustentabilidade, os grupos que então eram considerados as
organizações de esquerda do Acre fizeram uma aliança fundamental para
suas conquistas políticas posteriores: tornaram Jorge Viana, jovem
herdeiro de uma tradição política familiar associada à ditadura militar,
a principal liderança do PT no estado. Candidato a governador em 1990,
quando levou a disputa ao segundo turno, foi eleito prefeito de Rio
Branco em 1992. Nessa época era ainda comumente reconhecido como "filho
do Wildy" (Wildy Vianna das Neves foi deputado estadual pela ARENA entre
1967 e 1979, e deputado federal entre 1979 e 1987. Seu cunhado, Joaquim
Falcão Macedo, tio de Jorge, foi governador do estado entre 1979 e
1983, indicado pelo general Ernesto Geisel).
O
desempenho eleitoral de Jorge Viana conseguiu ajudar a eleger Marina ao
Senado em 1994, o que o faz figurar como um elemento de destaque em sua
rede de relações políticas. Em pronunciamento de 1998, quando
comemorava a chegada da Frente Popular ao governo do Acre (uma aliança
entre 12 partidos, entre eles o PSDB), assim como a eleição de Tião
Viana, irmão de Jorge, para o Senado, Marina demonstrou sua admiração
pela capacidade de articulação do novo governador: "Carismático,
convincente e seguro, ele foi capaz de buscar aliados e apoiadores até
mesmo em setores historicamente hostis à esquerda e ao Partido dos
Trabalhadores" [1].
Em
2001, o material de divulgação elaborado pelo gabinete da senadora
comemorava as realizações dos primeiros anos de governo de Jorge Viana
(no qual seu marido, Fábio Vaz, possuía cargo estratégico), destacando
que: "Foi-se o tempo em que a 'turma do Chico Mendes' e empresários -
principalmente madeireiros - eram como água e óleo. As coisas
amadureceram nos últimos 15 anos, o mundo girou, o Acre está mudando, a
'turma do Chico' chegou ao poder e pôde concretizar suas ideias.
Aplacaram-se radicalismos. Viu-se que é possível negociar diferentes
interesses com ética e conhecimento técnico. (...) Por incrível que
pareça, há madeireiros, pecuaristas e petistas sentados à mesma mesa."
[2]. Com esse tipo de declaração, Marina Silva ajudou a legitimar -
utilizando levianamente o nome de Chico Mendes - um governo que
conseguiu agradar tanto parte da antiga esquerda quanto a direita
acriana, não tendo representado nenhuma ruptura significativa com a
ordem política anterior.
Defendendo
essa atuação da Frente Popular, Marina foi reeleita senadora em 2002
(quando Jorge Viana foi reeleito governador) e, em 2003, assumiu o
Ministério do Meio Ambiente do governo Lula. Nesse período passam a se
destacar em sua rede outros atores, que já vinham atuando no Acre e se
relacionavam com Marina em seu mandato anterior no Senado. Assim, esse
momento não marca o início, mas a consolidação de um projeto, o
fortalecimento de uma proposta específica de desenvolvimento para a
Amazônia, defendido por esses indivíduos e organizações desde o início
da década de 1990.
O
principal pressuposto dessa abordagem é o de que a floresta precisa ter
um valor econômico para ser preservada e incentivos financeiros devem
ser criados para que os indivíduos se abstenham de destruí-la. Propõe-se
uma "economia verde", em que as forças de mercado (com suas "falhas"
devidamente corrigidas) proporcionem um uso sustentável dos recursos
naturais. Trata-se de uma clara ofensiva do capitalismo neoliberal sobre
a Amazônia. E essa é a lógica de fundo dos projetos do PPG7 (mencionado
anteriormente), que definiram as principais políticas para a região nos
últimos vinte anos, numa atuação integrada entre financiadores
internacionais (Banco Mundial, USAID e agências europeias de "auxílio ao
desenvolvimento") e ONGs. Estes agentes trabalharam em "parceria" com o
governo da Frente Popular no Acre (mas também em outros estados da
Amazônia Legal) e com o Ministério do Meio Ambiente, antes mesmo da
gestão de Marina Silva. Afinal, Mary Allegretti já era Secretária de
Coordenação da Amazônia no MMA no governo FHC, durante a gestão de
Sarney Filho.
Marina
deu continuidade a esse trabalho, em conjunto com sua equipe. Nela
destacam-se ao menos três pessoas, que ainda hoje possuem função
estratégica na rede de Marina: os engenheiros florestais Carlos Antônio
Vicente e Tasso Azevedo e o biólogo João Paulo Capobianco. O primeiro
foi Secretário de Florestas e Extrativismo do estado do Acre, no governo
de Jorge Viana, cargo que tinha importância central na proposta de
desenvolvimento sustentável da Frente Popular: a promoção do manejo
madeireiro nas florestas acrianas. No MMA foi, primeiramente, diretor do
Programa Nacional de Florestas (cargo que depois veio a ser assumido
por Tasso Azevedo) e passou a ser assessor direto da ministra. Quando
Marina voltou ao Senado, Carlos Vicente a acompanhou como assessor
parlamentar. Foi exonerado do cargo em 2010 para se dedicar à campanha
eleitoral de Marina, pelo PV. Ao fim do mandato da senadora, foi
destacado para trabalhar na criação do Instituto Marina Silva.
Tasso
Azevedo, antes de entrar no MMA, era diretor executivo do Instituto de
Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA), trabalhando com a
atribuição de um "selo verde" (o FSC) aos produtos provenientes do
manejo florestal. Como Diretor do Programa Nacional de Florestas, fez
parte da equipe que conseguiu fazer com que o Congresso aprovasse, em
poucos meses, a polêmica Lei de Gestão de Florestas Públicas, que
autoriza a sua concessão para exploração pelo setor privado e cria o
Serviço Florestal Brasileiro, do qual Tasso Azevedo foi o primeiro
Diretor Geral[3]. Tanto Carlos Vicente quanto Tasso Azevedo possuem
relação com a ONG IMAZON (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da
Amazônia), uma das principais promotoras do manejo madeireiro na
Amazônia (incluindo o Acre), que defendeu a aprovação da referida lei.
O
terceiro elemento importante na equipe de Marina no Ministério do Meio
Ambiente é João Paulo Capobianco, que foi Secretário de Biodiversidade e
Florestas e, ao final, Secretário Executivo do MMA. Capobianco é tido
como um dos "mentores" da divisão do IBAMA, que levou à criação do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), órgão
do qual ele foi o primeiro presidente. Servidores do IBAMA chegaram a
acusar Marina e Capobianco de promoverem o sucateamento da fiscalização
ambiental no Brasil. Quem acompanha a atuação do ICMBIO na Amazônia pode
dar razão a essas denúncias.
Atualmente,
Capobianco preside a ONG Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS),
da qual também fazem parte Marina, Maria Alice Setúbal, Guilherme Leal e
Ricardo Young. Foi o coordenador da campanha de Marina à presidência em
2010. Faz parte do conselho consultivo do Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social e é membro do conselho de administração da
Bolsa de Valores Sociais (Bovespa Social). É também pesquisador
associado do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma das
principais ONGs responsáveis pela defesa da criação de sistemas de
venda de serviços ambientais na Amazônia (como exemplo, o mercado de
créditos de carbono por desmatamento evitado, conhecido pela sigla
REDD).
O
vice-presidente do conselho deliberativo do IPAM é Steve Schwartzman,
aquele que, junto com Mary Allegretti, levou Chico Mendes aos Estados
Unidos. Schwartzman segue atuando no Environmental Defense Fund (EDF),
onde trabalha com o tema das florestas tropicais "e incentivos
econômicos para proteção florestal em larga escala". E também Marina
Silva, desde 2011, faz parte do Conselho Consultivo do IPAM. Essa ONG,
contudo, já estava integrada à sua rede enquanto era ministra de Meio
Ambiente, tendo ela participado de debates organizados pelo IPAM nas
reuniões da ONU sobre o clima. A parceria com a organização é
fundamental também para o estado do Acre, que aprovou em 2010 uma
legislação pioneira para promover a venda de serviços ambientais, quando
Binho Marques, amigo de Marina desde os tempos da faculdade de
História, era governador. Ainda mais interessante é observar que,
enquanto Marina participava dessas conferências da ONU como ministra,
Binho participava como representante do Acre e era acompanhado por Fábio
Vaz de Lima, coordenador da área de desenvolvimento sustentável do
governo estadual depois de ter deixado o cargo de assessor parlamentar
do senador Sibá Machado.
Nesse
período o governo do Acre não só criou uma legislação extremamente
avançada para a comercialização de "serviços ambientais", como ainda
estabeleceu um importante acordo para a venda de créditos de carbono com
o governo da Califórnia, nos EUA. Neste processo, Fábio Vaz também é
uma figura fundamental, do mesmo modo que Steve Schwartzman, já que sua
ONG americana, o EDF, aparece nas negociações como "representante da
sociedade civil". Tendo permanecido no governo de Tião Viana como
secretário adjunto da SEDENS (Secretaria de Estado, de Desenvolvimento
Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis),
atualmente o marido de Marina é o principal responsável pela
estruturação da agência criada para promover a venda de créditos de
carbono no Acre. Observando a trajetória política de Fábio Vaz é
possível perceber que sua atuação, realizada nos bastidores, sempre foi
estratégica para o governo da Frente Popular do Acre, mesmo depois do
afastamento de Marina Silva do PT.
Assim,
embora a ex-senadora acriana possa buscar dissociar sua imagem da
herança deixada ao Acre pelos governos de Jorge e Tião Viana e Binho
Marques - especialmente em um momento no qual a Frente Popular e sua
proposta de desenvolvimento sustentável passam por um grande desgaste -,
a rede de relações que os aproxima demonstra a artificialidade dessa
tentativa. É bastante estranho que Marina venha anunciar que seu partido
em construção optará por um novo tipo de política quando laços tão
fortes a unem à velha forma oligárquica de governar.
As
críticas que Marina tem feito a Jorge Viana, pelo fato de este ter sido
relator no Senado da proposta de alteração do Código Florestal e não
ter atendido as solicitações dos ambientalistas, não parecem tão duras.
E, se olharmos com calma, a "turma de Marina" acabou sendo beneficiada
por alguns dos dispositivos da nova lei. Pouca gente percebeu a
aprovação do que Gerson Teixeira, presidente da ABRA (Associação
Brasileira de Reforma Agrária), chama de "armadilha fundiária e
territorial contida no Novo Código Florestal", resultado da articulação
entre setores ambientalistas - esses da rede de Marina - e o capital
financeiro, "com reverência da bancada ruralista" [4].
Teixeira
se refere ao regramento constituído pela lei para amparar e promover o
mercado de pagamento por serviços ambientais (PSA), utilizando como
principal moeda a chamada "Cota de Reserva Ambiental" (CRA), destinada a
"compensar passivos" (áreas desmatadas irregularmente) até julho de
2008. Dito de outra forma, os proprietários de terras com "excedentes"
de Reserva Legal estão autorizados a comercializá-los em Bolsa. E os que
não possuem área de Reserva Legal suficiente podem recuperá-la através
de plantio e regeneração ou adquirir as CRAs no mercado. Além desse
esquema, o Código Florestal também prevê a possibilidade de remuneração
dos proprietários pela manutenção das APPs (Áreas de Preservação
Permanente), das áreas de Reserva Legal e as de uso restrito, que poderá
ser feita pelo mercado nacional e internacional de redução de emissões
de carbono. Como afirma Teixeira, essa nova legislação, além de ser
"mais um golpe contra a reforma agrária no Brasil", pode transformar o
"patrimônio natural do país em alternativa especulativa para o capital
financeiro".
Pensando
de forma distinta, os representantes do IPAM (ONG que tem Marina Silva
como associada honorária), no documento que elaboraram com
"contribuições para o debate" no Senado, intitulado "Reforma do Código
Florestal: qual o caminho para o consenso?", defendem a adoção desses
mecanismos de incentivos econômicos como forma de "recompensar aqueles
que buscam a conservação florestal". E outros parceiros de Marina devem
também ter ficado satisfeitos com a criação desses instrumentos de
"incentivo positivo". É o caso, por exemplo, do empresário Guilherme
Leal (da Natura Cosméticos, seu vice na chapa da candidatura à
presidência em 2010), que é membro do Conselho da Biofílica
Investimentos Ambientais, a "primeira empresa brasileira focada na
gestão e conservação de florestas na Amazônia a partir da
comercialização dos serviços ambientais". No mesmo Conselho encontram-se
figuras como Haakon Lorentzen (presidente do Grupo Lorentzen, fundador
da Aracruz Celulose, acionista controlador da Cia de Navegação Norsul, a
maior empresa privada brasileira de transporte marítimo) e José Roberto
Marinho (vice-presidente das Organizações Globo e presidente da
Fundação Roberto Marinho). A Biofílica já trabalha (segundo seu site na
internet) na área de compensação de reserva legal criada pelo Novo
Código Florestal, realizando a "formatação e transação de instrumentos
de compensação de modo a solucionar o passivo de proprietários rurais".
Para
fomentar o mercado de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), o país já
conta com uma "bolsa de valores ambientais". Criada em dezembro de 2012
para a negociação de contratos ligados ao meio ambiente, a BVRio é uma
ONG que tem em seu Conselho Consultivo a participação dos governos
estadual e municipal do Rio de Janeiro. Em sua plataforma de negociação
de ativos ambientais, a BVTrade, já estão sendo negociadas as "moedas
verdes" do Código Florestal (as CRAs), através de contratos de
desenvolvimento e entrega futura, tendo em vista o fato de que a lei
ainda necessita de algumas regulamentações. Os criadores da BVRio, os
irmão Maurício e Pedro Moura Costa, sócios da empresa E2 Sócio
Ambiental, estimam que o "mercado de devedores ambientais pode gerar
negócios de R$ 100 bilhões e R$ 500 bilhões, dependendo do custo médio
das transações"[5].
Pedro
Moura Costa, presidente executivo da BVRio, tem em seu currículo o
desenvolvimento do primeiro projeto de certificação de crédito de
carbono do mundo, na Ásia. Em 1997 fundou sua antiga empresa, a
EcoSecurities, que se tornou líder mundial na venda desses créditos e
foi comprada pelo banco de investimentos JP Morgan em 2009. Além da
BVRIO, a E2, nova empresa de Pedro Costa, está desenvolvendo um programa
de pagamentos por serviços ambientais no município de Paragominas, no
Pará, em parceria com o IMAZON (aquela ONG da qual fazem parte Carlos
Vicente e Tasso Azevedo, como relatado anteriormente, e também o próprio
Pedro Moura Costa).
A
E2 ainda integra uma "plataforma de investimentos para a região
amazônica" denominada Guardião, "fundada por um grupo de profissionais
que incluem investidores, empresários, executivos e líderes na causa
amazônica", entre os quais se pode destacar Caio Túlio Costa
(co-fundador do UOL, secretário de redação e ombudsman da Folha de São
Paulo), Henri Philippe Reichstul (que foi presidente da Petrobrás) e
dois dos principais integrantes da rede de Marina Silva: Tasso Azevedo e
João Paulo Capobianco. Ao que tudo indica, as pessoas desse grupo não
apenas conhecem como poucos o caminho para um lobby eficiente no
Congresso Nacional e nas Assembléias Estaduais, conseguindo fazer
aprovar legislações favoráveis a seus interesses. Eles parecem possuir
também a capacidade "admirável" de aproveitar ao máximo as
possibilidades criadas por essa estrutura jurídico-institucional que
ajudaram a construir.
As
possibilidades de negócios criadas pelos novos mercados de ativos
ambientais também têm chamado a atenção do agronegócio, que identifica
as vantagens financeiras de adotar essa "fachada verde" proporcionada
por iniciativas como a da BVRio. É o que vem deixando claro a própria
porta-voz dos ruralistas, a senadora Kátia Abreu, presidente da
Confederação Nacional da Agricultura. Outro "prócer" do agronegócio, o
senador Blairo Maggi, já tinha aderido à defesa do mercado de carbono em
2009, quando ONGs que trabalham em conjunto com o IPAM na divulgação
desse mecanismo na Amazônia lhe apresentaram as vantagens econômicas que
ele poderia trazer aos latifundiários do Mato Grosso. Talvez um dos
maiores expoentes do "agronegócio verde" no Brasil, em 2011 o Grupo
Maggi fez sua primeira venda de "soja responsável" (um lote de 85 mil
toneladas), com o "selo verde" atribuído pela WWF (num programa de
"certificação ambiental" realizado em parceria com Bunge, Cargill,
Monsanto, Nestlé, Shell, Syngenta, Unilever, etc) [6].
É
possível que Marina Silva ainda não tenha integrado Kátia Abreu e
Blairo Maggi diretamente a sua rede, mas a WWF, ONG certificadora de
soja e cana-de-açúcar, está nela há bastante tempo. Em 2008, Marina
recebeu do Príncipe Philip da Inglaterra (o marido da Rainha), a Medalha
Duque de Edimburgo de Conservação, o prêmio mais importante concedido
por essa organização internacional. Em 2012, foi a vez da ONG receber um
certificado de reconhecimento do governo da Frente Popular do Acre,
"entregue a personalidades e instituições que auxiliaram na construção
da história local", na data em que se celebrou o aniversário de 50 anos
do estado[7].
A
rede de Marina é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. É
menos sustentável do que quer fazer crer o "ambientalismo de mercado"
promovido por seus integrantes. Está mais envolvida com as transações
políticas tradicionais do que quer deixar transparecer a ex-senadora
acriana, com seu discurso em defesa da ética e da novidade. A criação de
seu partido, apresentada como a busca pela realização de novos sonhos,
não pode apagar o fato de que a ascensão política de Marina e a projeção
internacional de seu nome ocorreram à custa de sonhos e projetos de
outras pessoas, os quais foram sendo destruídos nesse caminho. Essa
profunda transfiguração faz com que Chico Mendes, aquele que apareceu no
início dessa história, não tenha mais lugar na rede de Marina, a
despeito das tentativas cínicas de associação de seu nome às "soluções"
do capital para a crise ecológica, já que o líder seringueiro lutou
contra esse sistema até o fim de sua vida. Marina encontrou outro rumo,
outra "turma", só não percebe quem não quer enxergar.
______________________________ __________
[1] Pronunciamento no Senado Federal, em 15/10/1998. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/ atividade/pronunciamento/ detTexto.asp?t=232864
[2] Revista da Marina. Publicação do Gabinete da Senadora Marina Silva, 2001.
[3] No período em que o tema foi debatido no Congresso, Fábio Vaz de Lima, marido de Marina, era assessor parlamentar de Sibá Machado, suplente de Marina no Senado.
[4] "Novo código florestal na estrutura agrária brasileira". Análise de Gerson Teixeira, jornal Brasil de Fato, edição de 28/09/2012. Disponível em:http://www.brasildefato. com.br/node/10733.
[5] "Eles negociam florestas", reportagem da Revista Época, edição de 10 de dezembro de 2012, p. 102.
[6] "Grupo Maggi inicia venda de soja com selo verde". Jornal Valor Econômico, 16/06/2011. Disponível em:
http://www.grupoandremaggi. com.br/wp-content/uploads/ 2012/06/rtrs1.pdf
[7] Fábio Vaz Lima, marido de Marina, esclarece a importância da WWF para o Acre nesse vídeo, em que apresenta um projeto feito pela ONG em parceria com a SKY Reino Unido: http://www.youtube.com/watch? v=6qQZ0pdZHaQ
______________________________
[1] Pronunciamento no Senado Federal, em 15/10/1998. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/
[2] Revista da Marina. Publicação do Gabinete da Senadora Marina Silva, 2001.
[3] No período em que o tema foi debatido no Congresso, Fábio Vaz de Lima, marido de Marina, era assessor parlamentar de Sibá Machado, suplente de Marina no Senado.
[4] "Novo código florestal na estrutura agrária brasileira". Análise de Gerson Teixeira, jornal Brasil de Fato, edição de 28/09/2012. Disponível em:http://www.brasildefato.
[5] "Eles negociam florestas", reportagem da Revista Época, edição de 10 de dezembro de 2012, p. 102.
[6] "Grupo Maggi inicia venda de soja com selo verde". Jornal Valor Econômico, 16/06/2011. Disponível em:
http://www.grupoandremaggi.
[7] Fábio Vaz Lima, marido de Marina, esclarece a importância da WWF para o Acre nesse vídeo, em que apresenta um projeto feito pela ONG em parceria com a SKY Reino Unido: http://www.youtube.com/watch?
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