sábado, 2 de agosto de 2014

Jean Jaurés: um século de pensamento socialista




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Carta Maior, ​02/08/2014

 

Jean Jaurès: um século de pensamento socialista



​Por Eduardo Febbro




Paris - Poucos defensores da humanidade contra o capitalismo foram tão espoliados como o líder socialista francês Jean Jaurès, cujo assassinato ocorrido em 31 de julho de 1914, no Café do Croissant, em Paris, completou um século. O Café Croissant segue existindo. Resistiu ao voraz apetite financeiro de um capitalismo que o fundador do socialismo francês considerava, no início do século XX, como um ente "contrário à ideia da justiça e, por princípio, da humanidade".

Seu pensamento hoje ecoa entre a direita, a extrema direita, o socialismo autoritário moderno e os românticos sem partido. Jaurès é um homem de uma modernidade surpreendente. Suas ideias definem com uma precisão cirúrgica o combate que a cínica avidez da oligarquia financeira reatualiza a cada semana.

Nestes dias em que os abutres mastigam a alma do Estado argentino mediante uma barbárie judicial sem precedentes, Jean Jaurès segue enfrentando esses fundos cujas prerrogativas pensam valer mais que a humanidade que destroem. "O capitalismo carrega a guerra consigo assim como as nuvens levam a tormenta", dizia Jaurés. Ele sabia do que estava falando: o militante nacionalista Raúl Vollain atingiu Jaurès com um tiro três dias depois que o velho imperador Joseph I, da Áustria, declarou guerra a Sérvia depois do assassinato do arquiduque Francisco-Ferdinando em Sarajevo. Esse foi o preâmbulo da Primeira Guerra Mundial: o governo austro-húngaro atacou a Sérvia, a Alemanha apoiou a Áustria, e a Rússia a Sérvia. Esse jogo de apoios acabou arrastando as demais potências para o abismo final da guerra.

O fatalismo da austeridade que governa hoje os Estados da Europa lhe era totalmente estranho. "Espero, apesar de tudo", costumava dizer esse pensador político portador de um entusiasmo que sobreviveu às guerras e às traições. Jaurès era um homem das ruas, uma infatigável testemunha da situação dos operários e dos camponeses. Seu compromisso físico com o mundo contrasta com a passividade literária dos dirigentes e intelectuais contemporâneos. Jaurès conhecia a realidade obreira e campesina, e os estragos que o capitalismo do século nascente provocava entre os povos. Por isso dizia: "enquanto, em cada nação, uma classe restrita de homens detiver os grandes meios de produção e de troca, enquanto essa classe puder impor às sociedades que domina a sua própria lei, que é a competição ilimitada, haverá sempre gerges da guerra".

A afirmação é extensiva ao calamitoso sistema internacional atual. Um exemplo  dessa "dominação" é o poder que detém os fundos abutres, sua capacidade de distorcer a razão da justiça, tornando-a um lacaio dos interesses de um lobby. O que teria ocorrido se, ao invés da Argentina, país pacífico e sem forças armadas estratégicas atuantes no cenário mundial, a vítima tivesse sido a China ou a Rússia? A guerra, ou alguma de suas reencarnações, teria apontado suas batalhas.

 
Diferente de Marx, para quem o socialismo era uma espécie de prescrição inevitável da história, Jean Jaurès associa o ideal socialista a um princípio de justiça só realizável com ações. Esses atos são a valentia, essa coragem que Jaurès definia assim: "a coragem consiste em ir na direção do ideal e compreender o real". Encarnação apaixonada de um socialismo humanista e pacífico, o pensamento de Jean Jaurès é de uma vigência intercambiável. Não se trata de um reflexo nostálgico ante às ideias de um homem que marcou o seu século, mas sim de um ato simples de lucidez diante de um século XXI que, pra além dos avanços tecnológicos, funciona com os mesmos parâmetros que o político francês denunciou, ou seja, a injustiça, a desigualdade social, as oligarquias opressoras.

Jean Jaurès fundou o jornal L'Humanité. O nome dessa publicação resume todo seu sonho: não era um dogmático, um criador de sistemas, mas sim um homem que queria reabilitar a humanidade. No editorial do primeiro número do jornal (18 de abril de 1904), Jaurès escreveu: "o sublime esforço do proletário internacional consiste em reconciliar os povos mediante a justiça social universal". Então, e só então, haverá uma humanidade refletindo sobre sua unidade superior na diversidade viva das nações amigas e livres". Idealista? Ultrapassado? Não. O proletariado internacional existe, só que o capitalismo mudou-o de nome e tratou, com ajuda de seus funcionários de plantão, os meios de comunicação, de torná-lo invisível. Na França, o pessoal da limpeza passou a ser chamado de "técnico de superfície". Os encanadores e eletricistas tornaram-se "técnicos de bairro". Mas suas realidades são proletárias, ou seja, injustas. E também há os novos trabalhadores, os proletários digitais explorados diante de uma tela de computador com a mesma impiedade que os demais. As novas tecnologias criaram formas restauradas da exploração humana.

Jarès era um republicano, um homem de uma rara estirpe: acreditava na humanidade. Há nele um ingrediente comovedor, quase ausente da ação política contemporânea e da mediocridade discursiva dos intelectuais: o amor, o amor político pela Humanidade. Entre julho e outubro de 1911, Jean Jaurès viajou ao Brasil, Uruguai e Argentina. As conferências públicas que fez nestes três países encheram as salas. Há uma que pode se reencarnar como uma matriz em um planeta vestido de conformismo e pensamento único, onde as nações ou os seres humanos dissonantes são vistos com menosprezo. Essa uniformidade neutralizou o entusiasmo. Jaurès o reatualiza desde aquela América do Sul de 1911.

O pensador francês conheceu uma região que recém começava a forjar sua identidade depois das lutas pela independência. No Brasil, fez 5 conferências: duas no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, três no Teatro São José, em São Paulo. O ministro de Relações Exteriores da época, Bernardo Machado, foi buscá-lo no hotel para conduzi-lo à Câmara de Deputados. Depois viajou para o Uruguai e Argentina.

Naquele novo mundo cujas capitais começavam a se constituir como um aluvião de diversidades, Jean Jaurès disse: "Creio que apagar no coração dos homens a chama do entusiasmo representa um perigo, e se também matarmos a força do ideal que anima o poeta e a força da esperança que levanta os trabalhadores, corremos o risco de ter uma sociedade sem alma, sem coragem e sem fé".


Tradução: Louise Antônia León

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