sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A ofensiva dos abutres e das hienas




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Tijolaço, 15 de agosto de 2014




A ofensiva dos abutres e das hienas



Por Fernando Brito




​Que Marina Silva tem o direito de pretender ser a candidata do grupo que apoiava Eduardo Campos, não há nada a discutir.
Quanto ao direito do PSB de avaliar se alguém que entrou no partido como “carona” possa representá-lo, também não há questionamento moral possível.
A democracia se exerce, aliás, através dos partidos.
Mas a mídia brasileira, com seu já agora ostensivo apetite político, tomou a frente do processo e, como um bando de urubus, se arroga dona do corpo morto de Eduardo Campos e chama Marina Silva para ser não uma candidata a Presidente, mas a amazona dos despojos do ex-governador de Pernambuco.
O Globo “acusa” Lula e Dilma de terem telefonado ao presidente em exercício do PSB, Roberto Amaral.
Meu Deus, quem é o dirigente maior dos socialistas, na ausência de Eduardo Campos, a quem, senão a ele, deveriam dirigir, além do pesar à família Campos, as condolências e o diálogo político?
Como uma matilha de lobos, o time de colunistas políticos do jornal é mobilizado para “exigir” Marina, como se fosse papel dos jornais deliberar pelos partidos políticos que, repito, tem o direito e o poder legal de escolherem ou não a ex-senadora como seus representantes eleitorais.
Mas pior, muito pior, é o que faz, de forma indecente e mórbida, a colunista da Folha, Eliane Cantanhêde.
Dá a impressão de que saliva de prazer ao imaginar a mais mórbida exploração eleitoral do cadáver de Eduardo Campos.
“Dilma Rousseff e Aécio Neves, tremei. No rastro da comoção nacional pela morte estúpida de Eduardo Campos, apoios da família dele à sua vice serão avassaladores. O irmão, Antônio, já se manifestou publicamente. E quando a mulher, Renata, ladeada pelos cinco filhos, inclusive o bebê Miguel, lançar Marina? E quando a mãe, Ana Arraes, apadrinhar a candidatura aos prantos?”
Não é um campanha eleitoral o que quer nossa refinada e cheirosa elite.
É um programa destes de “mundo cão” da pior espécie.
Falam tanto em programa, projetos, eficiência, capacidade.
Mas, se lhes servem politicamente, às favas os escrúpulos e viva a manipulação do sentimentalismo, da dor, dos mortos.
Não se disputa a herança política de Eduardo Campos, mas o direito de poder explorar o seu fim trágico, o seu cadáver, numa campanha.
Está em jogo o destino de um país, a escolha de quem irá dirigi-lo nos próximos quatro anos.
Isso, para os cidadãos de bem.
Para outros, não é isso.
Não lhes importa quem vá para lá e que métodos se disponha a usar para isso.
Tudo o que querem é que se derrube um projeto progressista e popular, ainda que à custa de colocar qualquer um lá, com o qual, depois, se verá o que fazer.
E não vacilam, para isso, sequer, em propor a mais vil exploração da dor de uma família, inclusive de suas crianças.
A direita brasileira já teve o seu Corvo, Carlos Lacerda. Conseguiu baixar mais e agora tem abutres e hienas.
É nojento, o que mais dizer disso?

​...





​Carta Maior, 14/08/2014 




Tragédia e desespero



Por Saul Leblon



​A tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos explodiu na política brasileira em vários sentidos. Mas também em nossa cabeça ao pulsar zonas involuntariamente congeladas onde hiberna a pedagogia que existe na dor.

O imponderável da história cobra penitência do menosprezo nessas horas.

Dimensão desdenhada pela atribulação e/ou a soberba,  as rupturas  pessoais ou coletivas  imprimem transparência curta, mas vertiginosa, à impostura das  miudezas  que se avocam em pétreas balizas do presente e do futuro, até emergir o rosto da catástrofe.

A finitude humana precisa ser abstraída para permitir sentido à existência social, retruca  o instinto de sobrevivência.  Nesse desvão o capitalismo  naturaliza e arrancha as leis de mercado nas formas de viver e de produzir, anestesiando  a alma e o cotidiano da sociedade.

Permuta-se  angústia existencial  por compulsão comercial.

Consumir para existir.


E vice-versa.

A circularidade é autossustentável.

Não é a consciência que determina a vida;  a vida determina a consciência. E nela o limite do cartão de crédito é mais sagrado que o tesouro  fátuo da existência.

Diante da natureza humana  intrinsecamente cultural  o capitalismo não se contenta com menos do que ser a respiração dessa  segunda pele.

Libertá-la  da servidão seria o papel  da política, entendida como ponto de fusão entre a filosofia e a  economia, entre  a luta pela sobrevivência e a realização do potencial humano.

Para ser ruptura sem ser tragédia a política deve escancarar nas mercadorias  que nos cercam as relações econômicas que nos aprisionam.

Nessa condição  se torna a consciência histórica da existência social  para identificar  na ‘forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’ aquilo que, na verdade,  é uma relação social determinada entre os homens.

Ou seja, os produtos do engenho humano não tem  ‘vontade própria’, os mercados não são racionais e os seres humanos não são objetos a serem explorados uns pelos outros.

Romper o lacre do fetiche que nos circunda e subjuga: essa é a emancipação que se espera da  política.

O impacto desse 13 de agosto na política brasileira ajuda a enxergar, nas breves horas que correm, o abastardamento dessa dimensão libertadora que ela deveria ter.

Em primeiro lugar, avulta a sofreguidão dos que buscam uma tapagem.

Qual? Qualquer uma desde que conjure o risco, por modesto que seja, de um passo miúdo  em direção oposta à hegemonia ‘da coisa’ humanizada sobre os  ‘sujeitos’ coisificados  .

O mercado desabou quando soaram as primeiras informações sobre o desastre aéreo ocorrido manhã de 4ª feira em Santos.

Não porque o ex-governador Eduardo Campos estivesse entre os mortos. Mercados não choram.

Mas pelo temor de que Marina Silva não se incluísse mais  entre os vivos.


Subiu, em seguida, quando se confirmou que a ex-ministra  teria viajado em outro avião, de carreira.

Não porque o mercado alimente em relação a ela simpatias ideológicas ou empatias pessoais. O valor da natureza para o mercado é aquele atingido pelas commodities em Chicago.

Na nervosa preocupação manifestada com a sorte de Marina  pulsava na verdade a grande  confissão escancarada pela tragédia desta  4ª feira:  ninguém acredita  mais em Aécio no mercado.
Comprado  inicialmente  como o engate  capaz  de reconduziu os centuriões do dinheiro ao comando do Estado, o tucano depreciou-se  como um avião em pane na calculadora de seus fiadores.

Desde que derrapou no aeroporto do tio Múcio, em Claudio (MG)
, e não mais se levantou, deixou  evidente  sua limitação  política, moral e intelectual  para levar a bom termo o roteiro contratado.

No rescaldo da tragédia de 4ª feira, o conservadorismo em peso intima Marina a se oferecer como escada  para levar o projeto neoliberal ao segundo turno contra Dilma.

Colunistas do dispositivo conservador evocam os astros  na tentativa de sensibilizar  o  messianismo : ‘Presidência é destino’, sentenciam sacudindo com as mãos  os ombros magros  de Marina.

Dela não se espera nada, exceto isso: ser  o suporte capaz de comboiar  os centuriões do mercado que patinavam  no chão mole escavado  por um Aécio.

Essa a dimensão de sua sobrevivência que preocupava os mercados num primeiro momento.

No mesmo dia  em que um vento traiçoeiro selava  a carreira política de Eduardo Campos, um fórum em São Paulo reunia a fina flor dos interesses que agora assediam Marina Silva a ‘cumprir o seu destino’.

Organizado por uma revista de economia, no Hote Unique,  na capital paulista, o evento que previa a participação de Campos, teve como debatedores, entre outros, José Berenguer , presidente Banco JP Morgan;  Paulo Leme, presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs e  Armínio Fraga, representante de  Aécio Neves.

O consenso das intervenções condensa a única plataforma que de fato interessa do ponto de vista do conservadorismo.

Aquela que restaura a supremacia dos mercados
  sobre os tímidos passos dados nos últimos anos em direção a uma democracia social que coordene os rumos da economia e o destino da sociedade.

A saber: tarifaço nos serviços sem compensação salarial; câmbio livre e arrocho fiscal; alta de juros para devolver a inflação à meta e elevar o superávit  primário.

Uma  agenda à procura de um portador eleitoralmente capaz de leva-la ao segundo turno da disputa presidencial de outubro.

O declínio de Aécio e a morte trágica  de Eduardo Campos abriu  para o mercado aquilo que seus operadores costumam classificar como  ‘uma janela de oportunidade’.

A janela é Marina.

A oportunidade  é  fazer dela o cavalo de Tróia da restauração neoliberal no Brasil.

Falta combinar com a ex-senadora que um dia foi parceira de Chico Mendes, fundadora do PT e referência da esquerda na luta ambiental.

Façam suas apostas, a roleta vai girar. E tem muito dinheiro em jogo nessa rodada.

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