quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Os resultados catastróficos das políticas de austeridade na Europa




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Carta Maior, 21/08/2014 


Os resultados catastróficos do choque de gestão na Europa



Por Eduardo Febbro





Paris - A aberração econômica como espinha dorsal da política europeia. Austeridade, cortes e arrochos drásticos em todos os níveis são os ingredientes do coquetel liberal que a União Europeia segue propondo às sociedades. A condenação desta política se reproduz à cada publicação dos índices de crescimento sem que os dirigentes da UE cogitem uma mudança de rumo. O fim do verão europeu e a consequente avalanche de realidades não mudam a posição das autoridades europeias.  O primeiro ministro francês, Manuel Vals, reiterou que estava "excluída qualquer mudança de política".

As estatísticas, mais uma vez, refutam a pertinência dessa linha. O Eurostat publicou em meados de agosto os índices catastróficos de crescimento para os 18 países da zona euro. Durante os três primeiros meses do ano, o crecimento do PIB se limitou a 0,2%, muito longe das estimativas dos analistas. Bruno Cavalier, economista da Oddo Securities, comentou no Le Monde que "mesmo que a UE tenha saído da recessão há cinco trimestres, o reequilíbrio do PIB não é suficiente para dissipar o risco de uma recaída".

Para onde quer que se olhe o que se vê é estagnação. As três primeiras economias da zona euro, Alemanha, França e Itália, se encontram em estado dormente: o PIB da Alemanha retrocedeu 0,2%, o da França ficou em 0%, e a Itália, com menos 0,2%, entrou em recessão. O extenso ciclo de uma política monetária muito restritiva somado à austeridade orçamentária desembocou em um novo caminho sem saída. A ortodoxia e o dogmatismo das finanças prevaleceram sobre os interesses dos povos. O euro e o ideal das elites comunitárias de um déficit não superior a 3% do PIB sufocaram o desenvolvimento.

Como assinalou o prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, em uma coluna publicada pelo portal Mediapart, "é evidente que, sob sua forma atual, o euro conduz ao fracasso do continente". Outro prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, também questionou a política de austeridade imposta pela classe dirigente europeia. Segundo Krugman, "muita gente seria deixou se enganar pelo culto da austeridade, por essa crença segundo a qual os déficits orçamentários constitutem o perigo imediato mais identificado e não o desemprego em massa. Muitos acreditam que a redução dos déficits  resolverá de certa forma um problema provocado em primeiro lugar pelos excessos do setor privado".

Após vários anos sem outro horizonte que o da austeridade, a única mudança significativa foi o giro liberal dos socialdemocratas europeus. Os males que a austeridade deveria combater seguem presentes: desemprego, déficits, decrescimento, endividamento dos estados. Uma vez mais, a França é um magnífico exemplo da mudança ideológica e pragmática dos socialistas europeus. Há alguns dias, o primeiro ministro francês, Manuel Vals qualificou de "irresponsáveis" os dirigentes socialistas que questionaram a política do governo. Depois, em uma extensa entrevista do presidente francês publicada pelo vespertino Le Monde, François Hollande disse que não havia "escapatória".

As promessas do passado foram substituídas por expressões como "a verdade", "a lucidez", "a sinceridade", ou seja, mais austeridade, mais reformas, mais concessões para o patronato. No entanto, em escala continental ninguém acredita que a austeridade conduza a alguma forma de bem estar superior. A empresa Gallup realizou uma pesquisa de opinião cujos resultados mostram que os europeus não tem confiança nesta panaceia. Frente à pergunta, "a austeridade consegue resultados na Europa", 51% responderam "não".

O sacrifício imposto às sociedades não moveu os ponteiros. Os do desemprego, em primeiro lugar. A taxa de desemprego se eleva a 10,5% nos 28 países da União Europeia. Na França, o desemprego afeta 10,4% da população ativa; em Portugal (após 5 planos de austeridade) chega a 15,2%; na Espanha (quatro planos de austeridade) atinge 25,3%; na Itália é de 12,7%; na Grécia (10 planos de austeridade) atinge 26,7%, e na Alemanha é de 5,1%. As disparidades entre os países são enormes. Quanto à dívida global dos Estados, a camisa de força das políticas de rigor orçamentário tem sido um fracasso: no final de 2011, a dívida pública dos países da zona do euro havia subido em 2,3 pontos do PIB. No início do ano passado, a dívida subiu 4,9 pontos.

O impacto social desta política tem também consequências em outros setores. Um informe elaborado pelo comissário europeu para os Direitos Humanos no Conselho da Europa, Nils Muiznieks, revela os estragos paralelos desta quase ditadura da austeridade: educação, saúde, alimentos, acesso à água, trabalho e habitação, a lista dos setores atingidos é enorme. O informe, intitulado "Preservar os Direitos Humanos em tempos de crise", revela também que 80% da população mundial está afetada pela diminuição dos gastos públicos (5,8 bilhões de pessoas). O famoso projeto de construção europeia ficou sem um relato coletivo, sem discurso político. Sua única mensagem consiste em pedir à sociedade mais e mais esforços em nome de um futuro que nenhum dirigente do Velho Continente é capaz de desenhar. A continuidade da austeridade predomina sobre qualquer invenção política ou econômica.

Tradução: Louise Antônia Leon

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