domingo, 3 de agosto de 2014

Os números que contarão a verdadeira vitória serão outros



http://www.cartacapital.com.br/revista/811/alem-de-tudo-o-golias-judeu-e-surdo-6264.html




Carta Capital, 03/08/2014


Além de tudo, o Golias judeu é surdo



Por Gianni Carta




As crianças dormiam na noite de quarta-feira 30. Sentiam-se protegidas na escola dirigida pela ONU no campo de refugiados de Jabaliya, em Gaza. Em suma, um edifício neutro e, portanto, sem riscos de ser alvo de ataques israelenses. Não foi o caso. A artilharia do Tsahal, ou IDF, o exército israelense, abriu suas ferozes bocas de fogo e destruiu a escola. Ao menos 15 pessoas, a maioria crianças e mulheres, morreram. Mais de uma centena de feridos. Restos de corpos foram recolhidos para ser identificados e sepultados. Chocado, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou a chacina de “ultrajante e injustificável”. Injustificável porque administradores da escola haviam avisado inúmeras vezes Israel: naquele edifício, dormiam refugiados. O IDF confirmou ter atingido a escola, mas sustenta ter apenas respondido a foguetes lançados das cercanias por militantes do Hamas. Este sexto ataque contra uma escola administrada pela ONU, foi, sem dúvida, uma violação do chamado direito internacional, se é que existe. Segundo um comunicado da ONU de quinta-feira 31, as três semanas de guerra deixaram mortos  1.263 palestinos, a vasta maioria de civis, e 59 israelenses, todos militares, com exceção de três civis. Como se vê, o Golias judeu bombardeia mesquitas, hospitais e, na segunda-feira, até o único gerador de energia de Gaza, pequeno território onde vivem 1,8 milhão de almas espalhadas por 42 quilômetros de extensão e 10 de largura. De lá não há escapatória para o mundo, visto que as saídas de Erez, para Israel, e de Rafah, para o Egito, estão fechadas. Quanto à destruição do gerador de energia, terá um impacto ainda maior nos abastecimentos de água e eletricidade e no tratamento de esgotos. No entanto, segundo a ONU, também o Hamas comete violações. A legenda com braço armado eleita em 2006, de Gaza lança foguetes Qassam e mísseis contra o território israelense, embora quase sempre sem provocar baixas.

Diante desse quadro de forças desproporcionais, o premier Benjamin Netanyahu parece desconhecer, ou não acreditar, no tal direito internacional. Líder da legenda conservadora Likud, Netanyahu é, como se diz, um falcão. No entanto, sofre pressão de dois falcões ainda mais linha-dura: Avigdor Lieberman e Naftali Bennett, respectivamente, os ministros do Exterior e da Economia. Lieberman, um ex-leão de chácara nascido na Moldávia, 55 anos, quer expulsar os árabes israelenses, ou um quinto da população, de Israel. Na semana passada, Magid Shihade, professor de Ciências Políticas da Universidade de Birzeit, na Cisjordânia, disse a CartaCapital: “O sionismo é uma ideologia racista e colonial. Baseia-se na desapropriação, na deslocação e na separação das pessoas, na supremacia dos judeus sobre os árabes palestinos nativos”.
E o que faz Barack Obama? Segundo Mokhtar ben Barka (leia quadro), especialista em políticas dos EUA e do Oriente Médio e professor da Universidade de Valenciennes, “aquele ambicioso e promissor presidente que ao ser eleito em 2009 pronunciou um discurso no qual defendeu a coabitação de dois Estados, um palestino e outro israelense, agora se porta como um derrotado”. É um homem arqueado, diz Ben Barka, sem espinha dorsal. Obama defende o direito de “autodefesa” de Israel, mas agora o inquieta o massacre de palestinos e pede um cessar-fogo a Netanyahu. O qual retruca: “Só vamos pôr um fim na guerra quando tivermos destruído todos os túneis (construídos pelos palestinos para atacar Israel e, em outros tempos, comerciar com o Egito), e tivermos desarmado o Hamas”. Significa que ninguém se importa com Obama. De resto, manda às favas quem protesta, sem exceção.

A reação de Washington ao ataque à escola da ONU foi simplesmente covarde: uma porta-voz condenou a chacina, mas não deu nome aos bois. Pior: enquanto pede um cessar-fogo, Washington oferece armas a Israel. Na quinta-feira 31, a alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay afirmou que os Estados Unidos “não só forneceram a Israel artilharia pesada usada em Gaza, mas gastaram quase 1 bilhão de dólares para proteger o país de foguetes palestinos”. Essa proteção, emendou Pillay, os “civis de Gaza não têm”. Para piorar o quadro, a comissária denunciou o fato de os EUA ajudarem Israel também em época de paz. Outra contradição americana: Washington pede para Israel colocar fim aos assentamentos na Cisjordânia, a outra parte não adjacente da Palestina, enquanto ajuda financeiramente Tel-Aviv. E tem o bloqueio à Faixa de Gaza, que remonta, vale lembrar, a 2006, após a vitória do Hamas e o sequestro do soldado israelense Gilad Shalit, preso por cinco anos. Ambos os assentamentos e o bloqueio são ilegais, afirmou Pillay.
A chamada comunidade internacional começa a se inquietar. François Hollande, outro a apoiar Netanyahu no início da guerra, agora pede um cessar-fogo. Idem David Cameron, o premier britânico, embora enfatize que o culpado pela tragédia é o Hamas. Mais corajosa, e equilibrada na sua análise geopolítica, é a presidenta Dilma Rousseff, que defende a “solução de dois Estados”. Na segunda-feira 28, disse que a guerra é “desproporcional”. Trata-se de um “massacre”, emendou em uma sabatina organizada pela Jovem Pan, SBT, Folha de S.Paulo e UOL.
Embora reconheça o direito de autodefesa de Israel, a situação em Gaza, já havia avaliado na semana anterior o Itamaraty, é “inaceitável”. Àquela altura, a presidenta chamou para consultas o embaixador do Brasil em Tel-Aviv, Henrique Sardinha. Em Tel-Aviv, Ygal Palmor, porta-voz do ministério israelense de Relações Exteriores, chamou o Brasil de “anão diplomático”. Para Palmor, desproporcional foi a Seleção Canarinho ter perdido por 7 a 1 contra a Alemanha. De quem fala por Lieberman só podemos esperar declarações desse nível.

Em termos de geopolítica, o governo de Netanyahu também deixa a desejar. A razão-mor da guerra contra Gaza seriam os três adolescentes israelenses sequestrados e assassinados em junho na Cisjordânia. Outro motivo: os foguetes lançados pelo Hamas. E a partir de 17 de julho, o exército de Israel adentrou a Faixa de Gaza para destruir os túneis e desarmar o inimigo. No entanto, como diz em entrevista telefônica o ativista palestino dos direitos humanos Abdullah Kharoub, a situação é mais complexa do que parece. E emenda: “Esses ataques contra Gaza são injustificáveis”.
Consta que os adolescentes não teriam sido sequestrados e assassinados com a autorização do Hamas. Além disso, os foguetes seriam lançados de Gaza por grupos radicais envolvidos na disputa do poder no território. Quanto aos túneis, Netanyahu, segundo um editorialista do diário esquerdista Haaretz, sabia da existência deles faz tempo. Não os destruiu há um ano porque o turismo ia de vento em popa e a opinião pública não aprovaria sua decisão.
Kobi Huberman, coautor de The Israeli Peace Initiative, concorda. De Tel-Aviv ele diz a CartaCapital: “Esta guerra só pode terminar com a destruição dos túneis e o desarme do Hamas. Caso contrário, nunca teremos paz”. Indagado se o secretário de Estado John Kerry, atualmente ridicularizado em Israel porque busca como mediadores para a paz cataris e turcos, Huberman retruca: “Há um consenso entre outros países no Oriente Médio, que inclui a Arábia Saudita, a Jordânia e o Egito, entre outros”. Ainda Huberman: “Temos de negociar com Mahmoud Abbas, que é o presidente da Autoridade Palestina e representa os palestinos como presidente da Organização para a Libertação da Palestina”. O problema, diz Ben Barka, “é que Barack Obama, e por tabela John Kerry, encontra-se em uma situação difícil com o presidente egípcio Abdel-Fattah al-Sisi”. De saída, o governo americano levou tempo para reconhecer Sisi, que derrubou o presidente eleito Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. Em seguida, Sisi prendeu Morsi e matou centenas de seus simpatizantes da Irmandade, que tem fortes elos com o Hamas.
Enquanto isso, o Surpremo Líder do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, disse ao longo da semana que é preciso armar o Hamas para acabar com o “genocídio” provocado por Israel, esse “lobo voraz” q
ue mata inocentes. E se jihadistas começassem a escutar Khamenei? Finaliza Kharoub: “Esta vai ser uma longa guerra”.
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http://www.cartacapital.com.br/internacional/por-que-israel-vai-perder-a-guerra-6120.html



 


 


 


 


 


 


 


 


Palestinos carregam o corpo de Udai Nafez, de 19 anos





Carta Capital, 02/08/2014



Por que Israel vai perder a guerra



Por Salem H. Nasser



A evidente decisão israelense de alvejar preferencialmente os civis e de multiplicar de modo terrível o número de massacres nos últimos dias tem uma explicação e uma razão que se misturam.
Em um documentário chamado Os Guardiões, Ami Ayalon, que dirigiu o serviço de segurança interna de Israel de 1996 a 2000, se refere à noção de banalidade do mal para nos contar como matar intencionalmente grandes contingentes de civis vai se tornando, para os israelenses, algo banal, desprovido de importância, desprovido de peso psicológico, algo a que se acostumaram gradualmente.
Em outro momento, o mesmo Ayalon nos diz algo precioso: se vencer a guerra é poder viver em paz e segurança, então Israel vence todas as batalhas, mas perde a guerra.
A razão e a explicação são ao mesmo tempo a banalidade e a inevitabilidade da derrota. Os civis são alvejados em massa porque a coisa tornou-se banal, e eles são alvejados em massa porque Israel está perdendo a batalha, e, também porque eles são alvejados em massa, Israel perderá a guerra no sentido pensado por Ayalon.
Mas, antes da guerra, a batalha, esta última campanha contra Gaza. A esta altura, sabemos todos que, em meio à violência contínua contra os palestinos, Israel escolheu o episódio dos três colonos mortos como pretexto para um ataque massivo contra a Faixa de Gaza.
As razões reais para a nova campanha, no entanto, tornaram-se objeto de conjecturas para cujo esclarecimento Israel não contribui muito. É razoável supor que os ataques tivessem por alvo, num primeiro momento, a recém conquistada união nacional entre Fatah e Hamas. E é razoável pensar que, como acontece a cada 2 ou 3 anos, Israel estivesse tentando atingir as capacidades de resistência militar que desenvolvem os grupos armados palestinos.
Esses objetivos mais prováveis foram logo sendo envoltos numa sucessão de objetivos declarados e depois revistos: o bombardeio para a eliminação da capacidade de lançar foguetes, a incursão terrestre para acabar com os túneis, a continuidade da incursão até o desarmamento total da resistência e, logo mais, até a libertação do oficial capturado hoje.
A confusão dos objetivos é ajudada pelas descobertas desagradáveis que fez Israel desde que iniciou os ataques à Faixa: a surpreendente capacidade de lançamento de mais foguetes, mais precisos, de maior alcance, que tem a resistência; o perigo representado pelos túneis e o que estes dizem sobre o preparo dos grupos armados; a disposição e a qualidade dos combatentes palestinos no confronto de proximidade, uma vez iniciada a incursão terrestre; as altas perdas em número de soldados e equipamentos no campo de batalha da Faixa; a capacidade da resistência de levar a guerra até o território israelense.
Tudo isso mostrou que alguns dos objetivos possivelmente concebidos por Israel são simplesmente inatingíveis e que outros demandariam concessões importantes. Mostrou também que a continuidade da guerra traria custos que Israel não pode suportar. É por isso que Israel quer e os Estados Unidos tentam lhe fornecer um cessar-fogo.
Já a resistência, consciente de suas possibilidades no campo de batalha, pensa que não pode haver outro resultado final para esta rodada de violência que não seja o fim daquela violência, mais longeva e igualmente dolorosa, do cerco à Faixa. Qualquer outra resultante fará, em sua própria linguagem, com que o sangue das vítimas tenha corrido em vão.
É por isso que, para Israel, matar o maior número de civis apresenta-se como o melhor meio de levar os palestinos, população e resistência, à exaustão, e fazê-los aceitar um fim das hostilidades sem que Israel tenha que fazer concessões, é o que permitiria aos israelenses dizer que venceram esta batalha, que machucaram os grupos armados, reduziram suas capacidades, mataram vinte vezes mais do que morreram, e mantiveram o cerco.
Mas, apesar dos números, a batalha está sendo perdida por Israel. A partir de certo momento, os números que contarão a vitória serão outros: a resistência palestina poderá dizer que 95% dos que matou eram militares e morreram no combate direto, e Israel terá que explicar por que 95% dos que matou eram civis, mulheres, crianças, velhos. E as fábulas da legítima defesa, dos escudos humanos, do desejo de morrer, do desamor à vida já não servirão a estancar a verdade da banalidade de que falava Ayalon.
E a guerra também está sendo perdida. Ao menos desde o ano de 2000, a capacidade militar de Israel – sempre fenomenal – tem crescido em impotência. Naquele ano, pela primeira vez, o exército israelense se viu forçado a sair de um território ocupado, o sul do Líbano, por força das ações armadas de grupos de resistência. Isso aconteceu de novo na Faixa de Gaza em 2005. Em 2006, na guerra de julho, o Hezbollah libanês impôs os foguetes como instrumento de dissuasão e de equilíbrio – relativo – do poder de fogo, e assustou os israelenses com a sua proficiência na guerra de guerrilha. O resultado final foi a descoberta de que agora Israel já não conseguia operar uma ocupação terrestre, quanto mais manter uma. Algo parecido aconteceu em Gaza em 2008-2009 e em 2012. O que está trazendo este último episódio que testemunhamos agora é o anúncio de que os próximos, e inevitáveis, confrontos entre Israel e os grupos da resistência palestina e libanesa poderão acontecer no território israelense.
A profecia de Hannah Arendt de que Israel degeneraria em uma Esparta realizou-se há muito. Mas, o que acontece quando Esparta vai deixando de ser Esparta e vai deixando de assustar?
Muitos israelenses – e muitos de seus apoiadores – nos apresentam a sua Esparta como uma necessidade da auto-preservação: um Davi cercado por um Golias de muitas cabeças. Essa tese mereceria maior crédito se Israel não nos provasse, dia após dia, por mais de sete décadas, por ações – e por palavras que cada vez mais escapam entre as cortinas de fumaça da encenação da paz – que o seu projeto é de ocupação e domínio permanente sobre qualquer pedaço de terra que se pudesse candidatar a ser um Estado palestino, e ao gradual esvaziamento desses espaços da população palestina originária. Simplesmente, para não falar de mais nada, não há explicação plausível para os assentamentos na Cisjordânia e em torno de Jerusalém, que já abrigam perto de 700.000 colonos, que não seja essa apropriação e essa expulsão.
O que Israel vem ensinando, aos palestinos e a outros, é que não há processo negociador que possa por fim a essa gradual despossessão, especialmente quando o único mediador aceito por Israel é a superpotência que parece funcionar sob suas ordens, que não há esperança a ter na ONU quando ali também opera a mesma superpotência, que não há caminho senão a resistência armada, que nada fez Israel recuar senão a resistência armada.
Israel está perdendo a guerra não apenas porque não conseguirá, ao fim de sucessivas batalhas, viver em segurança, mas porque, à força de querer manter a todo custo a sua dominação colonial sobre um outro povo, corre o risco de realizar outra profecia, a de Henry Kissinger, de que em alguns anos já não haverá Israel.

*Salem H Nasser é professor de Direito Internacional na FGV Direito SP e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

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