Blog do
Santayana, 01/08/2014
Por que os
EUA perdem
Por Mauro Santayana
O Brasil e os Estados Unidos, cada um por suas razões, acabam de
retirar seu pessoal diplomático de Trípoli, na esteira da desastrada intervenção dos EUA e da OTAN na Líbia, que teve como
consequência a entrega de uma das mais desenvolvidas nações do continente
africano a uma matilha de quadrilhas radicais islâmicas, após a derrubada e o
assassinato de Muamar Kadafi, em 2011.
Brasília está fechando sua embaixada para proteger seus funcionários. Os EUA, porque, assim como ocorreu no Iraque, foram taticamente derrotados e falharam em colocar no poder governos fantoches, apesar de terem destroçado política e socialmente esses países, deixando, como está acontecendo na Síria, como rastro de sua interferência, direta ou indireta, centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados.
Único país do mundo a possuir, sem
necessidade de lastro, uma impressora de dinheiro em casa, e a contar com gigantesca máquina
de inteligência, espionagem e propaganda, os EUA teriam tudo para, se
quisessem, como diria o teórico da auto-ajuda Dale Carnegie, “ganhar amigos e
influenciar as pessoas”, incentivando a paz e o desenvolvimento nos países mais
pobres, por meio de “soft power”.
Cinco principais razões, no entanto, impedem a república
norte-americana de fazer isso:
Em primeiro lugar, o grande business do medo, tocado,
protegido, irrigado como frondosa e delicada árvore, todos os dias, por
milhares de pseudo-intelectuais, “filósofos”, acadêmicos, “pesquisadores” e
jornalistas, que vivem de provocar, induzir e realimentar as indústrias do
anti-comunismo, do anti-islamismo, do “anti-chinesismo”, do anti-russismo, do
anti-castrismo, do anti-bolivarianismo, etc.
Em segundo lugar, o complexo
imperial da direita fundamentalista norte-americana, que acredita,
piamente, ter herdado, dos pais fundadores, exclusivo e expresso mandato
recebido – como as Tábuas da Lei - diretamente das mãos de Deus,
para conduzir o mundo e o destino da Humanidade.
Em terceiro lugar, a política interna, na qual democratas e
republicanos, e concorrentes a indicações e a candidaturas, às vezes até
do mesmo partido, se acusam mutuamente de desdenhar a segurança, o que
coloca a questão da defesa sempre em
primeiro plano no embate político, partidário e eleitoral.
Em quarto lugar, os interesses de um imenso complexo industrial-militar
que movimenta milhões de pessoas e centenas de bilhões de dólares na pesquisa, desenvolvimento
e fabricação de novas armas, que precisam ter sua
existência justificada e ser usadas de alguma forma.
E, finalmente, em quinto lugar, uma
política externa e uma diplomacia que não conseguem sobreviver sem a
desconfiança e a arrogância. Em seu trato com o resto do mundo,
principalmente as nações menos favorecidas,
os Estados Unidos poderiam usar a cenoura, mas preferem, como qualquer valentão
de bairro, brandir o porrete, porque isso lhes dá prazer e a ilusão de
força.
Com base em mentiras, como a existência de armas de destruição em massa, os EUA mataram
Saddam Hussein e derrubaram Muammar Kadafi, armando um bando de psicopatas que linchou, no meio
da rua, a socos e pontapés, o líder líbio, transformando seu rosto em uma
espécie de hambúrguer.
Era Kadafi um tirano? Quando
convinha, a Europa e os EUA não se aliaram e fizeram negócios com ele, assim
como com outros ditadores que são ou foram apoiados pelo “ocidente”, em estados
como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes, ou em países como o Chile de
Pinochet e a Indonésia de Suharto ?
Sob a liderança de Saddam Hussein, o Iraque chegou a ser um dos países
mais prósperos do Oriente Médio, com uma infraestrutura invejável, boa parte
dela construída por brasileiros nos anos 1970 e 1980; e a Líbia, sob Muamar Kadafi, tinha o maior
IDH africano.
Hoje, depois de guerras fomentadas e promovidas pelo “ocidente”, os dois
países estão entregues a rebeldes islâmicos radicais, perto dos quais Kadafi e
Saddam Hussein pareceriam anjos. E os
Estados Unidos, depois de um custo financeiro e
humano incalculável, estão saindo de Trípoli e de Bagdá
escorraçados, como saíram do Vietnam e da Somália.
Em “Von Kriege”,
Clausewitz escreveu que “a guerra é a continuação
da política por outros meios...” querendo afirmar a primazia da
razão política sobre a força das armas. Para os Estados Unidos, a política é a continuação da
guerra.
De uma guerra permanente que os opõe – como podemos ver pela espionagem
contra seus próprios aliados, entre eles a Alemanha – ao resto do mundo.
Não por acaso, as únicas vezes em que os EUA foram efetivamente bem
sucedidos, do ponto de vista bélico, foi quando lutaram claramente não em
defesa de suas empresas e de sua elite, mas pela liberdade, no conflito
contra a Inglaterra pela independência de seu território, e na Primeira e na
Segunda guerras mundiais.
A Guerra Fria não passou de uma estratégia contínua e paranoide de
isolar e enfraquecer a União Soviética, que saíra da Segunda Guerra Mundial e
da Batalha de Berlim como uma nação vitoriosa, sem a qual o nazismo não teria sido derrotado.
Hoje, embora não o admita, a direita norte-americana está extremamente
preocupada com o avanço do BRICS e mais especialmente da China.
Nos próximos anos, se os EUA não mudarem, esse avanço será cada vez mais
eficaz e inexorável.
Não pelo fato de que Pequim esteja se armando militarmente, assim como
os outros BRICS. Mas porque, na maioria
dos lugares em que chegam, países como o Brasil e a China o fazem por meio de
obras, comércio, investimentos, portos, estradas, pontes, ferrovias. E os Estados Unidos, a OTAN, e seus
aliados, por meio de mentiras, intrigas e discórdia, bombardeios, drones
e porta-aviões.
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