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Carta Maior, 24/08/2014
Antonio Gramsci e o jornalismo
Por Dênis de Moares
Por Dênis de Moares
“O jornalista Gramsci não fugiu de
controvérsias partidárias e teóricas; defendeu posições éticas e
políticas; e propôs estratégias, alianças e táticas de ação para a luta
de classes. Ele fez do jornalismo o principal meio para o exercício da
crítica, associada por ele (...) aos espíritos rebeldes que rejeitam a
alienação e o conformismo e que guiavam-se pelo compromisso com a
liberdade e a humanização da vida”, é o que afirma Dênis de Moraes é
doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e professor e pesquisador do Departamento de Estudos Culturais e
Mídias da Universidade Federal Fluminense, no Brasil. Esse texto é uma
versão parcial da pesquisa “Gramsci e a imprensa: jornalismo, hegemonia e
contra-hegemonia” que Dênis coordena no Brasil. O artigo é publicado
por Pueblos, 23-06-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/yR9unK
Eis o artigo.
Meu objetivo com este artigo é contribuir para tornar mais conhecida a trajetória e os escritos jornalísticos do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), desde seus anos inicias em Turim até a fundação de 'L’Unità', jornal oficial do Partido Comunista da Itália (PCI), do qual foi redator-chefe. Suas atividades como jornalista se vinculam, na maior parte do tempo, a militância como intelectual, ativista revolucionário e líder comunista.
Elas foram interrompidos apenas em 08 de novembro de 1926, quando foi detido pela ditadura fascista devido às leis de exceção decretadas por Benito Mussolini, após ter revogadas suas imunidades como deputado eleito pelo PCI em 06 de abril de 1924. Mesmo com as terríveis condições do cárcere, Gramsci encontrou ânimo para escrever notas teóricas sobre a imprensa, o jornalismo e os jornalistas. Seus textos oferecem contribuições relevantes para a reflexão crítica sobre a ética profissional e a necessidade da diversidade informativa e a pluralidade de vozes nos noticiários e em espaços de opinião.
Antonio Gramsci trabalhou como jornalista em fases importantes em sua curta, mas intensa jornada. Desde 1910, quando publicou o primeiro texto em L’Unione Sarda, até ser detido pelo fascismo em 1926, escreveu 1.700 artigos. Equivalem a mais do dobro das páginas reunidas em os Cadernos do Cárcere, redigidos entre 1929 e1935. “Em dez anos de jornalismo, escrevi linhas suficientes para preencher quinze ou vinte volumes de quatrocentas páginas”, ressaltou em uma carta a sua cunhada Tatiana Schucht, redigida na Penitenciaria de Turi, em 07 de setembro de 1931 (1).
Foi a partir de 1915, em Turim, que Gramsci dedicou-se ao jornalismo, após ter desistido do curso de Letras (mesmo que tenha mantido o fascínio pelos estudos literários). Já adepto ao marxismo, colaborou nos jornais Il Grido del Popolo e Avanti!, vinculados ao Partido Socialista Italiano. Em 1917, dirigiu o único número da revista La Cittá Futura, que estimulava debates sobre a atualidade nacional e o socialismo, e na qual divulgou textos de Gaetano Salvemini e Benedetto Croce, intelectuais cujas ideias, em sua opinião, deveriam ser mais conhecidas e discutidas. Em 1919, ao lado de Palmiro Togliatti, Umberto Terracini e Angelo Tasca, Gramsci fundou o semanário L’Ordine Nuovo (“Análise semanal da cultura socialista”).
“Dizer a verdade é revolucionário”
Tendo Gramsci como editor chefe, L’Ordine Nuovo circulou de 1º de maio de 1919 até 24 de dezembro de 1920. Em 1º de janeiro de 1921, o jornal passou a ser diário, com o lema “Dizer a verdade é revolucionário”. Vinte dias depois, ele se tornou o porta-voz do recém-fundado Partido Comunista Italiano (PCI). Gramsci foi seu redator chefe e colunista até 1924, quando L’Ordine Nuovo foi substituído pelo L’Unità (“Jornal dos trabalhadores e camponeses”).
Seus artigos, assinados ou com suas iniciais, ou com outras indicações de autoria, aparecem nestas publicações cujo traço convergente era o compromisso com as lutas sociais e a renovação político-partidária e cultural. O espírito que o impulsionava ao jornalismo foi resumido na carta para Tatiana Schucht, de 12 de outubro de 1931: “Nunca fui jornalista de profissão, que vende sua pluma a quem paga melhor e deve continuamente mentir, porque a mentira faz parte de suas qualificações. Fui jornalista absolutamente livre, sempre de uma só opinião, e nunca tive que esconder minhas profundas convicções para agradar aos patrões” (2).
O jornalista Gramsci não fugiu de controvérsias partidárias e teóricas; defendeu posições éticas e políticas; e propôs estratégias, alianças e táticas de ação para a luta de classes. Ele fez do jornalismo o principal meio para o exercício da crítica, associada por ele, em artigo publicado no Il Grido del Popolo em 1916, aos espíritos rebeldes que rejeitam a alienação e o conformismo e que guiavam-se pelo compromisso com a liberdade e a humanização da vida.
Evolução intelectual
Grande parte da produção jornalística de Gramsci reflete sua evolução intelectual e a atuação política em meio a “dramáticos acontecimentos históricos (o primeiro conflito mundial, a revolução e a eclosão da primeira etapa da guerra fria contra a Rússia soviética, o processo de radicalização ideológica e política do movimento trabalhista no Ocidente, o despertar dos povos coloniais e as persistentes ambições imperialistas das grandes potências liberais, a ascensão do fascismo), e radicaliza a crítica ao liberalismo e aprofunda, em todos os níveis, a passagem ao comunismo” (3).
Gramsci trata de questões políticas, assuntos culturais e problemas filosóficos, alguns dos quais abordaria, de maneira mais detalhada, nos Cadernos do Cárcere, ainda que sem dispor de condições adequadas para estudar. A variedade temática superou os limites da política incluindo acontecimentos do cotidiano, personalidades públicas, economia, religião, pedagogia, artes, literatura, estética, imprensa, moral etc.
O estilo combativo de traduzir o mundo em constante ebulição, a partir da janela de contemplação de Turim, transformaria Gramsci, segundo seu melhor biógrafo, Giuseppe Fiori, “na revelação do novo jornalismo socialista e, nos anos de guerra, praticamente em seu protagonista exclusivo”:
“Em todos os escritos de Gramsci, desde os breves ensaios teóricos até as crônicas quase teatrais, percebia-se um estilo novo: Ao longo da ênfase grandiloquente de um Rabezzana e de um Barberis ao gosto pelo movimento; uma linguagem cuidadosa, às vezes de uma pureza neoclássica, tão distante da prosa insípida dos ‘velhos’; a coerência, o fio que ligava todos escritos e tornava as notas, aparentemente distantes entre si em outras tantas ocasiões, sucessivas para o desenvolvimento de uma argumentação nunca interrompida; e a originalidade e a realização de propostas de políticas, iluminadas sempre pelo convencimento de que a teoria que não pode traduzir-se em atos é uma abstração inútil e que as ações que não se fundamentam na teoria são impulsos estéreis” (4).
As ênfases da sua obra jornalística podem ser agrupadas em três etapas (5). Na primeira fase (1916-1918), ele reprovou tendências reformistas e positivistas dentro do Partido Socialista Italiano, enfatizando a participação ativa dos trabalhadores na luta pelo socialismo, a partir de uma formação política que favoreça o compromisso consciente e ajude a classe trabalhadora a superar uma visão econômica-corporativista.
Na segunda etapa (1919-1920), Gramsci insistiu que não se deveria reduzir o processo revolucionário às dimensões econômicas e políticas, nem às tentações insurrecionais que não correspondiam, em seu modo de ver, a análise da realidade objetiva. Destacou a necessidade de expandir a dimensão cultural da luta de classes através dos meios de difusão e de ações pedagógicas capazes de denunciar as estruturas excludentes da sociedade capitalista, aprofundar a consciência dos trabalhadores e exigir a transformação radical das relações sociais de produção.
Na terceira etapa (1921-1926), como diretor do PCI, Gramsci avaliou os obstáculos decorrentes da ascensão do fascismo. Convencionou-se que as contradições do capitalismo não levaria inexoravelmente ao socialismo, o que obrigava as forças populares e socialistas a esboçar novas estratégias de luta considerando as complexidades dos países desenvolvidos. Destacou o enorme peso do fator cultural em uma sociedade civil mais densa, povoadas por organizações complexas, na qual incidem múltiplas perspectivas intelectuais, sem contar a muito problemática interferência dos meios de comunicação na formação da opinião pública (6).
Subordinação ao poder e controle da informação e a opinião
Nos textos pré-carcerários, Gramsci criticou a subordinação dos principais diários ao poder, assim como as fórmulas verticalizadas do controle da informação e a opinião. Em 26 de abril de 1922, foi contundente: “Os jornais do capitalismo fizeram vibrar todas as cordas dos sentimentos pequeno-burgueses; e são estes jornais que asseguram a existência do capitalismo, o consenso e a força física dos pequeno-burgueses e dos imbecis” (7).
Para o filósofo italiano, os jornalistas burgueses “apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo que favoreçam a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe trabalhadora”. Exemplificou com a cobertura tendenciosa das greves: “Para a imprensa burguesa os trabalhadores estão equivocados. Há uma manifestação? Os manifestantes, simplesmente porque são trabalhadores, são sempre os revoltados, os intransigentes, os delinquentes”.
Assim, o convencimento sobre os irremediáveis conflitos ideológicos entre a classe trabalhadora e a imprensa burguesa justifica a atitude política que Gramsci defendia ser a mais consequente: boicotar os periódicos vinculados às elites. E justificou: “Todo o que se publica [na imprensa burguesa] é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz em um fato: combater a classe trabalhadora. (...) Não trataremos de todos os temas que os jornais burgueses censuram, deturpam ou falsificam para poder enganar, iludir e manter a ignorância ao povo trabalhador” (8).
Pensamento e ação
L’Ordine Nuovo representou para Gramsci a experiência mais nítida de “união entre pensamento e ação”. Entre 1919 e 1920 (o chamado “biênio vermelho” na Itália, marcado por manifestações trabalhistas), o jornal assumiu decididamente a defesa das comissões ou conselhos de fábricas, as células de autogestão proletária concebidas como instituições semelhantes aos soviéticos criados pela Revolução Russa de 1917. Às páginas de L’Ordine Nuovo somaram-se a mobilização em torno das comissões de fábricas, organizadas como núcleos de organização de luta operária, dentro de uma estratégia compatível com as circunstâncias da sociedade italiana. O ponto de partida foi o artigo de Gramsci “Democracia trabalhista”, publicado em junho de 1919, na qual afirmava:
“A fábrica, com suas comissões internas, os círculos socialistas, as comunidades camponesas são os centros de vida proletária nas quais é preciso trabalhar diretamente. As comissões internas [de fábrica] são os órgãos da democracia trabalhista, fundamentais para liberar aos trabalhadores das limitações impostas pelos empresários, e nas quais pode-se infundir e estimular a vida e novas energia. Hoje, as comissões internas limitam o poder do capitalista na fábrica e desempenham funções de arbitragem e disciplina. Desenvolvidas e fortalecidas, deverão ser amanhã os órgãos do poder proletário que substituirá o capitalista em todas as sua funções úteis de direção e de administração”.
O propósito do L’Ordine Nuovo era chegar, principalmente, aos estudantes, intelectuais e trabalhadores, às fábricas, organizações sindicais e mobilizações públicas, com a finalidade de difundir as reivindicações, fortalecer a organização dos trabalhadores e aumentar sua consciência sobre sua própria condição social e as funções que desempenham no processo produtivo e no conjunto da sociedade.
“A partir desse momento, a ideia de uma nova estruturação de poder que partisse da célula da comissão interna da própria fabrica, e que fosse ampliada pelas massas de trabalhadores cada vez mais conscientes de seu próprio papel, passou a ser a meta do L’Ordine Nuovo. (…) A revista passou a atuar, portanto, em um campo muito diferente daquele que era comum as outras revistas que já tivemos ocasião de mencionar. Atuou muito próximo aos trabalhadores, muito mais que Critica Sociale, que era até então a revista do Partido socialista. E os trabalhadores italianos, pela primeira vez na história, encontraram nos socialistas do L’Ordine Nuovo a determinação de concretizar, de por em prática o que há tempos se vinha afirmando teoricamente” (9).
A revolução socialista como possibilidade concreta
Estimulados pela onda de protestos e rebeldia na Rússia, Alemanha, Hungria e a própria Itália, Gramsci e os escritores do L’Ordine Nuovo estavam convencidos que a revolução socialista era uma possibilidade concreta. Seus textos combatiam os argumentos da direita no caminho até o fascismo (que acusava as comissões de fábrica de levar adiante “um sindicalismo revolucionário, subversivo e fora da lei”) e debatiam com correntes de esquerda que divergiam de suas concepções estratégicas e métodos de ação.
A batalha das ideias na trincheira jornalística infundiu em Gramsci a certeza de que a publicação, de ali em adiante, seria indispensável para a luta revolucionária. Inclusive depois do reflexo dos conselhos de fábrica em 1920, quando o jornal publicou autocríticas sobre erros e ilusões em torno do movimento, como, por exemplo, a crença de que poderia expandir-se, com o ímpeto inicial de Turim e Piemonte, por todo o país, o que finalmente não foi verificado. No balanço da experiência, Gramsci ressaltou a sintonia moral, espiritual e política do L’Ordine Nuovo nas causas populares:
“Os artigos do L’Ordine Nuovo não eram frias arquiteturas intelectuais, mas brotavam de nossa discussão com os melhores trabalhadores, elaboravam sentimentos e paixões reais da classe trabalhadora de Turim, que haviam sido experimentados e provocados por nós. E porque os artigos do L’Ordine Nuovo eram quase como ‘uma tomada de consciência’ de eventos reais, momentos de um processo de libertação e expressão da classe trabalhadora” (10).
L’Unità, jornal da esquerda trabalhadora
Enquanto a L’Unità, o qualificou como “um jornal de esquerda, da esquerda trabalhadora, que permaneceu fiel ao programa e a tática da luta de classe, um jornal que publicará as atas e as discussões do partido, as também, na medida do possível, aquelas manifestações dos anarquistas, dos republicanos, dos sindicalistas”. E acrescentou: “Importa assegurar a nosso partido (...) uma tribuna legal que lhe permita chegar, de modo continuo e sistemático, as amplas massas”.
O mesmo ano em que surgiu L’Unità, Gramsci concebeu uma revista trimestral de estudos marxistas e de cultura política, intitulada Crítica Proletária, e lançou uma revista teórica quinzenal, reeditando o título L’Ordine Nuovo. A proposta era difundir o ideário do PCI e “educar e esclarecer a vanguarda trabalhista”, uma vanguarda que necessitava mostrar-se capaz de construir, na longa luta anticapitalista, o Estado dos conselhos trabalhistas e camponeses, estabelecendo as bases para a emergência e a consolidação da sociedade capitalista.
Inspirando-se nas teses de Karl Marx e Vladimir I. Lênin sobre a imprensa comunista como instrumento de agitação, propaganda, esclarecimento, educação e formação da consciência, Gramsci analisou o vínculo orgânico entre imprensa e ativismo político. Em primeiro lugar, o periódico deveria realçar questões relativas à classe trabalhadora italiana e mundial, o papel histórico do Partido Comunista na condução revolucionária e as relações do partido com os sindicatos.
Em segundo lugar, o jornal cumpria apenas seus propósitos se conseguisse “infundir nas massas trabalhadoras que um jornal comunista é carne e sangue da classe trabalhadora, e não pode viver, lutar e desenvolver-se sem o apoio da vanguarda revolucionário, ou seja, daquela parte da população trabalhadora que não se intimidava frente nenhum fracasso, que não se desmoraliza frente a nenhuma traição, que não perde a confiança em si e nos destinos de sua classe, mesmo que tudo pareça mergulhar no caos mais negro e cruel” (11).
Sendo assim, Gramsci classificava ao jornal partidário como interprete e meio de difusão das reivindicações populares, atribuindo-lhe a tarefa de conscientizar as massas sobre a exigência insuperável de derrotar o capitalismo, que promove a exploração do homem pelo homem.
Ideologia e rentabilidade
Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci retoma as análises sobre a imprensa, acentuando que a função dos periódicos transcende a esfera político-ideológica e inclui as determinações econômicas e financeiras das empresas jornalísticas, que buscam atrair o maior número possível de leitores, ampliando sua rentabilidade e influência. Enfatiza que a imprensa burguesa se move em direção ao que possa agradar ao gosto popular (e não ao gosto culto ou refinado), com o propósito de conquista “uma clientela continuada e permanente” (12).
E acrescenta que, por mais que as diretrizes editoriais tenham sua própria lógica de definição e aplicação, é o fator ideológico que estimula e favorece as identificações entre os leitores e os jornais. Os componentes socioeconômicos e ideológicos estão na base do que o filósofo italiano denomina de “jornalismo integral”, isto é, “o jornalismo que não apenas quer satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, gerar seu público e aumentar progressivamente sua área [de influência]” (13).
Ao deter-se sobre a imprensa italiana das primeiras décadas do século XX, Gramsci afirma que é a “parte mais dinâmica” da superestrutura ideológica, caracterizando-a como “a organização material empenhada em manter, defender e desenvolver a ‘frente’ teórica ou ideológica” (1914), ou seja, um suporte ideológico do bloco hegemônico. Na visão gramsciniana, em tantos aparatos privados da hegemonia (organismos relativamente autônomos em relação ao Estado em sentido estrito), a imprensa elabora, divulga e unifica concepções do mundo. Ou seja, cumpre sua função de difundir conteúdos que ofereçam orientações gerais para a compreensão dos fatos sociais, a partir de óticas sintonizadas com determinado agrupamento social mas ou menos homogênea e preponderante.
Nessa perspectiva, Gramsci situou os periódicos como verdadeiros partidos políticos, na medida em que interferem, com ênfases específicas, nos modos de seleção e interpretação dos acontecimentos: “Jornais italianos são melhor editados que os franceses: eles cumprem duas funções, de informação e direção política geral; de influencia cultural, literária, artística, científica (...). Na França, (...) tem uma aparência de imparcialidade (Action Française – Temps – Débats). Na Itália, por falta de partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir dos jornais: são os jornais os que constituem os verdadeiros partidos”. (15)
Antes e durante os injustos, sombrios e extremamente penosos anos do cárcere, Antonio Gramsci demonstrou ter uma noção exata acerca do papel chave da imprensa como aparato privado da hegemonia sob a influência das classes, instituições e elites dominantes. Os meios de comunicação buscam intervir nos planos ideológico-cultural e político com o objetivo de disseminar informações e ideias que contribuem para a formação e consolidação do consenso em torno de determinadas concepções de mundo. A maioria deles atua para fortalecer o que José Paulo Netto definiu como “a ordem social comandada pelo capital” (16).
Nesse sentido, como aponta Gramsci, é fundamental ocupar e criar espaços informativos alternativos e contra-hegemônicos que estimulem a diversidade e o pluralismo, permitindo que outras vozes sociais se expressem de maneira autônoma e permanente.
Notas:
1. Consultar a introdução de Carlos Nelson Coutinho no volume 1 (1910-1920) dos Escritos políticos, de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004 .
2. Antonio Gramsci. Cartas do cárcere (vol. 2: 1931-1937). Org. de Luiz Sérgio Henriques. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 103.
3. Domenico Losurdo, “Os primórdios de Gramsci: entre o Risorgimento e a I Guerra Mundial”, Cadernos Cedes, Campinas, vol. 26, nº 70, septiembre-diciembre de 2006, p. 17.
4. Giuseppe Fiori. Vida de Antonio Gramsci. Buenos Aires: Peón Negro, 2009, p. 132.
5. Thiago Chagas Oliveira e Sandra Cordeiro Felismino. “Formação política e consciência de classe no jovem Gramsci (1916-1920)”. Anais do VI Seminário do Trabalho: Trabalho, Economia e Educação do Século XXI, Unesp, Marília, 2008, p.1-5.
6. Daniel Campione. Para leer a Gramsci. Buenos Aires: Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini, 2007, p. 20.
7. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 2: 1921-1926). Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 116-117.
8. Antonio Gramsci, “Los periódicos y los obreros”. Marxists Internet Archive, disponível em http://marxists.org
9. Maria Teresa Arrigoni, “Gramsci: universidade, jornalismo e política”, Perspectiva, Florianópolis, vol. 5, nº 10, janeiro-junho de 1988, p. 74-75 .
10. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 1: 1910-1920). Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 404.
11. Antonio Gramsci. Escritos políticos, ob. cit., vol. 1, p. 431-432.
12. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, (vol. 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo). Org. de Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, vol. 2, p. 218.
13. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2, p. 197.
14. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol 2, p. 78.
15. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2, p. 218 .
16. José Paulo Netto. O leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p.
Fonte: http://goo.gl/yR9unK
Eis o artigo.
Meu objetivo com este artigo é contribuir para tornar mais conhecida a trajetória e os escritos jornalísticos do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), desde seus anos inicias em Turim até a fundação de 'L’Unità', jornal oficial do Partido Comunista da Itália (PCI), do qual foi redator-chefe. Suas atividades como jornalista se vinculam, na maior parte do tempo, a militância como intelectual, ativista revolucionário e líder comunista.
Elas foram interrompidos apenas em 08 de novembro de 1926, quando foi detido pela ditadura fascista devido às leis de exceção decretadas por Benito Mussolini, após ter revogadas suas imunidades como deputado eleito pelo PCI em 06 de abril de 1924. Mesmo com as terríveis condições do cárcere, Gramsci encontrou ânimo para escrever notas teóricas sobre a imprensa, o jornalismo e os jornalistas. Seus textos oferecem contribuições relevantes para a reflexão crítica sobre a ética profissional e a necessidade da diversidade informativa e a pluralidade de vozes nos noticiários e em espaços de opinião.
Antonio Gramsci trabalhou como jornalista em fases importantes em sua curta, mas intensa jornada. Desde 1910, quando publicou o primeiro texto em L’Unione Sarda, até ser detido pelo fascismo em 1926, escreveu 1.700 artigos. Equivalem a mais do dobro das páginas reunidas em os Cadernos do Cárcere, redigidos entre 1929 e1935. “Em dez anos de jornalismo, escrevi linhas suficientes para preencher quinze ou vinte volumes de quatrocentas páginas”, ressaltou em uma carta a sua cunhada Tatiana Schucht, redigida na Penitenciaria de Turi, em 07 de setembro de 1931 (1).
Foi a partir de 1915, em Turim, que Gramsci dedicou-se ao jornalismo, após ter desistido do curso de Letras (mesmo que tenha mantido o fascínio pelos estudos literários). Já adepto ao marxismo, colaborou nos jornais Il Grido del Popolo e Avanti!, vinculados ao Partido Socialista Italiano. Em 1917, dirigiu o único número da revista La Cittá Futura, que estimulava debates sobre a atualidade nacional e o socialismo, e na qual divulgou textos de Gaetano Salvemini e Benedetto Croce, intelectuais cujas ideias, em sua opinião, deveriam ser mais conhecidas e discutidas. Em 1919, ao lado de Palmiro Togliatti, Umberto Terracini e Angelo Tasca, Gramsci fundou o semanário L’Ordine Nuovo (“Análise semanal da cultura socialista”).
“Dizer a verdade é revolucionário”
Tendo Gramsci como editor chefe, L’Ordine Nuovo circulou de 1º de maio de 1919 até 24 de dezembro de 1920. Em 1º de janeiro de 1921, o jornal passou a ser diário, com o lema “Dizer a verdade é revolucionário”. Vinte dias depois, ele se tornou o porta-voz do recém-fundado Partido Comunista Italiano (PCI). Gramsci foi seu redator chefe e colunista até 1924, quando L’Ordine Nuovo foi substituído pelo L’Unità (“Jornal dos trabalhadores e camponeses”).
Seus artigos, assinados ou com suas iniciais, ou com outras indicações de autoria, aparecem nestas publicações cujo traço convergente era o compromisso com as lutas sociais e a renovação político-partidária e cultural. O espírito que o impulsionava ao jornalismo foi resumido na carta para Tatiana Schucht, de 12 de outubro de 1931: “Nunca fui jornalista de profissão, que vende sua pluma a quem paga melhor e deve continuamente mentir, porque a mentira faz parte de suas qualificações. Fui jornalista absolutamente livre, sempre de uma só opinião, e nunca tive que esconder minhas profundas convicções para agradar aos patrões” (2).
O jornalista Gramsci não fugiu de controvérsias partidárias e teóricas; defendeu posições éticas e políticas; e propôs estratégias, alianças e táticas de ação para a luta de classes. Ele fez do jornalismo o principal meio para o exercício da crítica, associada por ele, em artigo publicado no Il Grido del Popolo em 1916, aos espíritos rebeldes que rejeitam a alienação e o conformismo e que guiavam-se pelo compromisso com a liberdade e a humanização da vida.
Evolução intelectual
Grande parte da produção jornalística de Gramsci reflete sua evolução intelectual e a atuação política em meio a “dramáticos acontecimentos históricos (o primeiro conflito mundial, a revolução e a eclosão da primeira etapa da guerra fria contra a Rússia soviética, o processo de radicalização ideológica e política do movimento trabalhista no Ocidente, o despertar dos povos coloniais e as persistentes ambições imperialistas das grandes potências liberais, a ascensão do fascismo), e radicaliza a crítica ao liberalismo e aprofunda, em todos os níveis, a passagem ao comunismo” (3).
Gramsci trata de questões políticas, assuntos culturais e problemas filosóficos, alguns dos quais abordaria, de maneira mais detalhada, nos Cadernos do Cárcere, ainda que sem dispor de condições adequadas para estudar. A variedade temática superou os limites da política incluindo acontecimentos do cotidiano, personalidades públicas, economia, religião, pedagogia, artes, literatura, estética, imprensa, moral etc.
O estilo combativo de traduzir o mundo em constante ebulição, a partir da janela de contemplação de Turim, transformaria Gramsci, segundo seu melhor biógrafo, Giuseppe Fiori, “na revelação do novo jornalismo socialista e, nos anos de guerra, praticamente em seu protagonista exclusivo”:
“Em todos os escritos de Gramsci, desde os breves ensaios teóricos até as crônicas quase teatrais, percebia-se um estilo novo: Ao longo da ênfase grandiloquente de um Rabezzana e de um Barberis ao gosto pelo movimento; uma linguagem cuidadosa, às vezes de uma pureza neoclássica, tão distante da prosa insípida dos ‘velhos’; a coerência, o fio que ligava todos escritos e tornava as notas, aparentemente distantes entre si em outras tantas ocasiões, sucessivas para o desenvolvimento de uma argumentação nunca interrompida; e a originalidade e a realização de propostas de políticas, iluminadas sempre pelo convencimento de que a teoria que não pode traduzir-se em atos é uma abstração inútil e que as ações que não se fundamentam na teoria são impulsos estéreis” (4).
As ênfases da sua obra jornalística podem ser agrupadas em três etapas (5). Na primeira fase (1916-1918), ele reprovou tendências reformistas e positivistas dentro do Partido Socialista Italiano, enfatizando a participação ativa dos trabalhadores na luta pelo socialismo, a partir de uma formação política que favoreça o compromisso consciente e ajude a classe trabalhadora a superar uma visão econômica-corporativista.
Na segunda etapa (1919-1920), Gramsci insistiu que não se deveria reduzir o processo revolucionário às dimensões econômicas e políticas, nem às tentações insurrecionais que não correspondiam, em seu modo de ver, a análise da realidade objetiva. Destacou a necessidade de expandir a dimensão cultural da luta de classes através dos meios de difusão e de ações pedagógicas capazes de denunciar as estruturas excludentes da sociedade capitalista, aprofundar a consciência dos trabalhadores e exigir a transformação radical das relações sociais de produção.
Na terceira etapa (1921-1926), como diretor do PCI, Gramsci avaliou os obstáculos decorrentes da ascensão do fascismo. Convencionou-se que as contradições do capitalismo não levaria inexoravelmente ao socialismo, o que obrigava as forças populares e socialistas a esboçar novas estratégias de luta considerando as complexidades dos países desenvolvidos. Destacou o enorme peso do fator cultural em uma sociedade civil mais densa, povoadas por organizações complexas, na qual incidem múltiplas perspectivas intelectuais, sem contar a muito problemática interferência dos meios de comunicação na formação da opinião pública (6).
Subordinação ao poder e controle da informação e a opinião
Nos textos pré-carcerários, Gramsci criticou a subordinação dos principais diários ao poder, assim como as fórmulas verticalizadas do controle da informação e a opinião. Em 26 de abril de 1922, foi contundente: “Os jornais do capitalismo fizeram vibrar todas as cordas dos sentimentos pequeno-burgueses; e são estes jornais que asseguram a existência do capitalismo, o consenso e a força física dos pequeno-burgueses e dos imbecis” (7).
Para o filósofo italiano, os jornalistas burgueses “apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo que favoreçam a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe trabalhadora”. Exemplificou com a cobertura tendenciosa das greves: “Para a imprensa burguesa os trabalhadores estão equivocados. Há uma manifestação? Os manifestantes, simplesmente porque são trabalhadores, são sempre os revoltados, os intransigentes, os delinquentes”.
Assim, o convencimento sobre os irremediáveis conflitos ideológicos entre a classe trabalhadora e a imprensa burguesa justifica a atitude política que Gramsci defendia ser a mais consequente: boicotar os periódicos vinculados às elites. E justificou: “Todo o que se publica [na imprensa burguesa] é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz em um fato: combater a classe trabalhadora. (...) Não trataremos de todos os temas que os jornais burgueses censuram, deturpam ou falsificam para poder enganar, iludir e manter a ignorância ao povo trabalhador” (8).
Pensamento e ação
L’Ordine Nuovo representou para Gramsci a experiência mais nítida de “união entre pensamento e ação”. Entre 1919 e 1920 (o chamado “biênio vermelho” na Itália, marcado por manifestações trabalhistas), o jornal assumiu decididamente a defesa das comissões ou conselhos de fábricas, as células de autogestão proletária concebidas como instituições semelhantes aos soviéticos criados pela Revolução Russa de 1917. Às páginas de L’Ordine Nuovo somaram-se a mobilização em torno das comissões de fábricas, organizadas como núcleos de organização de luta operária, dentro de uma estratégia compatível com as circunstâncias da sociedade italiana. O ponto de partida foi o artigo de Gramsci “Democracia trabalhista”, publicado em junho de 1919, na qual afirmava:
“A fábrica, com suas comissões internas, os círculos socialistas, as comunidades camponesas são os centros de vida proletária nas quais é preciso trabalhar diretamente. As comissões internas [de fábrica] são os órgãos da democracia trabalhista, fundamentais para liberar aos trabalhadores das limitações impostas pelos empresários, e nas quais pode-se infundir e estimular a vida e novas energia. Hoje, as comissões internas limitam o poder do capitalista na fábrica e desempenham funções de arbitragem e disciplina. Desenvolvidas e fortalecidas, deverão ser amanhã os órgãos do poder proletário que substituirá o capitalista em todas as sua funções úteis de direção e de administração”.
O propósito do L’Ordine Nuovo era chegar, principalmente, aos estudantes, intelectuais e trabalhadores, às fábricas, organizações sindicais e mobilizações públicas, com a finalidade de difundir as reivindicações, fortalecer a organização dos trabalhadores e aumentar sua consciência sobre sua própria condição social e as funções que desempenham no processo produtivo e no conjunto da sociedade.
“A partir desse momento, a ideia de uma nova estruturação de poder que partisse da célula da comissão interna da própria fabrica, e que fosse ampliada pelas massas de trabalhadores cada vez mais conscientes de seu próprio papel, passou a ser a meta do L’Ordine Nuovo. (…) A revista passou a atuar, portanto, em um campo muito diferente daquele que era comum as outras revistas que já tivemos ocasião de mencionar. Atuou muito próximo aos trabalhadores, muito mais que Critica Sociale, que era até então a revista do Partido socialista. E os trabalhadores italianos, pela primeira vez na história, encontraram nos socialistas do L’Ordine Nuovo a determinação de concretizar, de por em prática o que há tempos se vinha afirmando teoricamente” (9).
A revolução socialista como possibilidade concreta
Estimulados pela onda de protestos e rebeldia na Rússia, Alemanha, Hungria e a própria Itália, Gramsci e os escritores do L’Ordine Nuovo estavam convencidos que a revolução socialista era uma possibilidade concreta. Seus textos combatiam os argumentos da direita no caminho até o fascismo (que acusava as comissões de fábrica de levar adiante “um sindicalismo revolucionário, subversivo e fora da lei”) e debatiam com correntes de esquerda que divergiam de suas concepções estratégicas e métodos de ação.
A batalha das ideias na trincheira jornalística infundiu em Gramsci a certeza de que a publicação, de ali em adiante, seria indispensável para a luta revolucionária. Inclusive depois do reflexo dos conselhos de fábrica em 1920, quando o jornal publicou autocríticas sobre erros e ilusões em torno do movimento, como, por exemplo, a crença de que poderia expandir-se, com o ímpeto inicial de Turim e Piemonte, por todo o país, o que finalmente não foi verificado. No balanço da experiência, Gramsci ressaltou a sintonia moral, espiritual e política do L’Ordine Nuovo nas causas populares:
“Os artigos do L’Ordine Nuovo não eram frias arquiteturas intelectuais, mas brotavam de nossa discussão com os melhores trabalhadores, elaboravam sentimentos e paixões reais da classe trabalhadora de Turim, que haviam sido experimentados e provocados por nós. E porque os artigos do L’Ordine Nuovo eram quase como ‘uma tomada de consciência’ de eventos reais, momentos de um processo de libertação e expressão da classe trabalhadora” (10).
L’Unità, jornal da esquerda trabalhadora
Enquanto a L’Unità, o qualificou como “um jornal de esquerda, da esquerda trabalhadora, que permaneceu fiel ao programa e a tática da luta de classe, um jornal que publicará as atas e as discussões do partido, as também, na medida do possível, aquelas manifestações dos anarquistas, dos republicanos, dos sindicalistas”. E acrescentou: “Importa assegurar a nosso partido (...) uma tribuna legal que lhe permita chegar, de modo continuo e sistemático, as amplas massas”.
O mesmo ano em que surgiu L’Unità, Gramsci concebeu uma revista trimestral de estudos marxistas e de cultura política, intitulada Crítica Proletária, e lançou uma revista teórica quinzenal, reeditando o título L’Ordine Nuovo. A proposta era difundir o ideário do PCI e “educar e esclarecer a vanguarda trabalhista”, uma vanguarda que necessitava mostrar-se capaz de construir, na longa luta anticapitalista, o Estado dos conselhos trabalhistas e camponeses, estabelecendo as bases para a emergência e a consolidação da sociedade capitalista.
Inspirando-se nas teses de Karl Marx e Vladimir I. Lênin sobre a imprensa comunista como instrumento de agitação, propaganda, esclarecimento, educação e formação da consciência, Gramsci analisou o vínculo orgânico entre imprensa e ativismo político. Em primeiro lugar, o periódico deveria realçar questões relativas à classe trabalhadora italiana e mundial, o papel histórico do Partido Comunista na condução revolucionária e as relações do partido com os sindicatos.
Em segundo lugar, o jornal cumpria apenas seus propósitos se conseguisse “infundir nas massas trabalhadoras que um jornal comunista é carne e sangue da classe trabalhadora, e não pode viver, lutar e desenvolver-se sem o apoio da vanguarda revolucionário, ou seja, daquela parte da população trabalhadora que não se intimidava frente nenhum fracasso, que não se desmoraliza frente a nenhuma traição, que não perde a confiança em si e nos destinos de sua classe, mesmo que tudo pareça mergulhar no caos mais negro e cruel” (11).
Sendo assim, Gramsci classificava ao jornal partidário como interprete e meio de difusão das reivindicações populares, atribuindo-lhe a tarefa de conscientizar as massas sobre a exigência insuperável de derrotar o capitalismo, que promove a exploração do homem pelo homem.
Ideologia e rentabilidade
Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci retoma as análises sobre a imprensa, acentuando que a função dos periódicos transcende a esfera político-ideológica e inclui as determinações econômicas e financeiras das empresas jornalísticas, que buscam atrair o maior número possível de leitores, ampliando sua rentabilidade e influência. Enfatiza que a imprensa burguesa se move em direção ao que possa agradar ao gosto popular (e não ao gosto culto ou refinado), com o propósito de conquista “uma clientela continuada e permanente” (12).
E acrescenta que, por mais que as diretrizes editoriais tenham sua própria lógica de definição e aplicação, é o fator ideológico que estimula e favorece as identificações entre os leitores e os jornais. Os componentes socioeconômicos e ideológicos estão na base do que o filósofo italiano denomina de “jornalismo integral”, isto é, “o jornalismo que não apenas quer satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, gerar seu público e aumentar progressivamente sua área [de influência]” (13).
Ao deter-se sobre a imprensa italiana das primeiras décadas do século XX, Gramsci afirma que é a “parte mais dinâmica” da superestrutura ideológica, caracterizando-a como “a organização material empenhada em manter, defender e desenvolver a ‘frente’ teórica ou ideológica” (1914), ou seja, um suporte ideológico do bloco hegemônico. Na visão gramsciniana, em tantos aparatos privados da hegemonia (organismos relativamente autônomos em relação ao Estado em sentido estrito), a imprensa elabora, divulga e unifica concepções do mundo. Ou seja, cumpre sua função de difundir conteúdos que ofereçam orientações gerais para a compreensão dos fatos sociais, a partir de óticas sintonizadas com determinado agrupamento social mas ou menos homogênea e preponderante.
Nessa perspectiva, Gramsci situou os periódicos como verdadeiros partidos políticos, na medida em que interferem, com ênfases específicas, nos modos de seleção e interpretação dos acontecimentos: “Jornais italianos são melhor editados que os franceses: eles cumprem duas funções, de informação e direção política geral; de influencia cultural, literária, artística, científica (...). Na França, (...) tem uma aparência de imparcialidade (Action Française – Temps – Débats). Na Itália, por falta de partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir dos jornais: são os jornais os que constituem os verdadeiros partidos”. (15)
Antes e durante os injustos, sombrios e extremamente penosos anos do cárcere, Antonio Gramsci demonstrou ter uma noção exata acerca do papel chave da imprensa como aparato privado da hegemonia sob a influência das classes, instituições e elites dominantes. Os meios de comunicação buscam intervir nos planos ideológico-cultural e político com o objetivo de disseminar informações e ideias que contribuem para a formação e consolidação do consenso em torno de determinadas concepções de mundo. A maioria deles atua para fortalecer o que José Paulo Netto definiu como “a ordem social comandada pelo capital” (16).
Nesse sentido, como aponta Gramsci, é fundamental ocupar e criar espaços informativos alternativos e contra-hegemônicos que estimulem a diversidade e o pluralismo, permitindo que outras vozes sociais se expressem de maneira autônoma e permanente.
Notas:
1. Consultar a introdução de Carlos Nelson Coutinho no volume 1 (1910-1920) dos Escritos políticos, de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004 .
2. Antonio Gramsci. Cartas do cárcere (vol. 2: 1931-1937). Org. de Luiz Sérgio Henriques. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 103.
3. Domenico Losurdo, “Os primórdios de Gramsci: entre o Risorgimento e a I Guerra Mundial”, Cadernos Cedes, Campinas, vol. 26, nº 70, septiembre-diciembre de 2006, p. 17.
4. Giuseppe Fiori. Vida de Antonio Gramsci. Buenos Aires: Peón Negro, 2009, p. 132.
5. Thiago Chagas Oliveira e Sandra Cordeiro Felismino. “Formação política e consciência de classe no jovem Gramsci (1916-1920)”. Anais do VI Seminário do Trabalho: Trabalho, Economia e Educação do Século XXI, Unesp, Marília, 2008, p.1-5.
6. Daniel Campione. Para leer a Gramsci. Buenos Aires: Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini, 2007, p. 20.
7. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 2: 1921-1926). Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 116-117.
8. Antonio Gramsci, “Los periódicos y los obreros”. Marxists Internet Archive, disponível em http://marxists.org
9. Maria Teresa Arrigoni, “Gramsci: universidade, jornalismo e política”, Perspectiva, Florianópolis, vol. 5, nº 10, janeiro-junho de 1988, p. 74-75 .
10. Antonio Gramsci. Escritos políticos (vol. 1: 1910-1920). Org. de Carlos Nelson Coutinho. Río de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 404.
11. Antonio Gramsci. Escritos políticos, ob. cit., vol. 1, p. 431-432.
12. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, (vol. 2: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo). Org. de Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, vol. 2, p. 218.
13. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2, p. 197.
14. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol 2, p. 78.
15. Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, ob. cit., vol. 2, p. 218 .
16. José Paulo Netto. O leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p.
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