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18 de agosto de 2014
Marina e o mito da terceira via
Por Paulo Moreira Leite
Enquanto Marina Silva caminha para sua segunda
candidatura presidencial, a ser oficializada pelo PSB nos próximos
dias, seus aliados fazem o possível para apresentá-la como concorrente
da chamada terceira via.
Imaginar que Marina Silva pode ser enfeitada com características que envolvem uma concepção peculiar de luta política, um método de alcançar seus objetivos — e não apenas traços de personalidade — pode até ajudar o esforço de quem procura transformar a ex-ministra do Meio Ambiente em herdeira natural de Eduardo Campos, político conhecido pela capacidade de agregar e somar.
Mas também ajuda a alimentar uma ilusão, apoiada mais em aparência do que em consistência. Para ser uma verdadeira “terceira” opção entre dois pólos, seria preciso imaginar Marina numa posição equidistante entre PT e PSDB. É claro que isso está longe de acontecer. Com ela, o PSB pode até pegar o lugar de Aécio Neves num eventual segundo turno mas estará cada vez mais perto do PSDB. Não temos três vias. Mas 2 vias contra 1.
Falar em terceira via é uma forma de encobrir a política com a qual Marina se identifica. Seu lançamento, como candidata que se encontra no PSB por razões circunstanciais, não pode encobrir uma situação de linha auxiliar tucana — mesmo admitindo que, como mostra pesquisa do DataFolha divulgada hoje, ela possa se transformar em principal.
Marina deixou o governo Luiz Inácio Lula da Silva em maio de 2008. Sua saída foi apresentada na época por Paulo Adário, diretor de Campanhas do Greenpeace, como uma prova do “descaso do governo Lula com a causa ambiental e também com a proteção da Amazonia.” Na realidade, Lula abriu a porta de saída para Marina quando se convenceu que ela passara a utilizar o ministério para pavimentar sua própria candidatura presidencial em vôo individual, à margem de suas articulações, que conduziram ao lançamento da candidatura Dilma Rousseff.
O lance final que levou Marina a deixar o governo foi um ato de desprestígio – Lula entregou para Roberto Mangabeira Unger, ministro sem nenhuma base política maior, a coordenação do Plano Amazonia Sustentável, no qual Marina estivera envolvida profundamente por um longo período. Essa decisão foi o lance final de uma sucessão de conflitos marcados por uma postura que pode ser definida com várias palavras – mas nunca pelos termos empregados para falar do estilo Eduardo Campos ou mesmo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dias antes, os aliados de Marina haviam transformado uma Conferência do Meio Ambiente, em Brasília, num ato de lançamento informal de sua candidatura, improvisando um coro “Marina Presidente” que causou surpresa em muitos dos presentes – e ajudou a entender porque na última hora o próprio Lula cancelou sua aparição no evento.
A primeira grande concessão de Lula a Marina terminou em decepção, na verdade. Envolvia o poder de deliberação no Comissão Nacional Técnico de Biossegurança, criada em 2005, com função de dar a palavra final sobre tudo o que envolve saúde humana, organismos vivos e meio ambiente. Atendendo a um pleito da então ministra do Meio Ambiente, Lula assegurou que seus dois representantes naquele órgão teriam o poder de voto sobre decisões, mesmo que tomadas por maioria. A ideia era criar um clima para forçar a negociação e o acordo. Não funcionou. Os representes do Meio Ambiente preferiam vetar a negociar, provocando uma revisão no estatuto do CNTBio que diminuiu o poder de barganha dos ambientalistas.
Quando o governo foi discutir a construção da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, apareceram dois debates relevantes, embora de natureza diferente. Um deles, envolvia o nível de retenção da represa, que poderia comprometer os reservatórios planejados. O outro, envolvia a sobrevivência de um tipo de bagre, característico do Madeira. Estudos técnicos mostraram que era possível encontrar soluções aceitáveis para os dois problemas – mas Marina atuou no sentido de criar impasses duradouros em vez de abrir o caminho para soluções, postura que lembrava o que ocorria no governo Fernando Henrique, quando causas ambientalistas eram usadas para esvaziar investimentos públicos capazes de comprometer a política de austeridade do ministro da Fazenda Pedro Malan.
Essa postura se radicalizou após a saída de Marina do governo. Ela se distanciou do pensamento econômico desenvolvimentista, que está na origem dos esforço para elevar o progresso humano e distribuir renda, para aproximar-se de economistas que priorizam o mercado, para quem a preservação da natureza serve de argumento para paralisar o crescimento e diminuir o consumo, postura que num país como o Brasil, gera as consequencias ruinosas que todos conhecemos.
Num país marcado pela nefasta tradição do pensamento único, a campanha de 2014 apresenta uma situação incomum de polarização política, marcada por candidaturas que, bem ou mal, com nitidez maior ou menor, expressam o conflito de grandes interesses presentes na sociedade – pobres contra ricos, 99% contra 1%, e assim por diante.
Você não precisa achar que um dos lados só faz o que é certo. Não. Muitas vezes erra, por incompetência, por falta de visão, pelas duas coisas, também. Mas é preciso compreender que, conforme o seu ponto de vista, uma vitória do outro lado trará, necessariamente, resultados ainda piores para os interesses que você julga mais importantes.
Diversos comentaristas costumam deplorar essa divisão do eleitorado com frases sentimentais, cultivando a mitologia do “governo para todos”, acima dos grandes conflitos — como se isso fosse possível na vida real e não somente no palanque. Mas eu não acho que a polarização seja um processo necessariamente ruim, pois lembra que nosso sistema político não pode ser concebido como uma geléia.
Ajuda o eleitor a participar de uma eleição que não é um concurso de personalidades nem torneio de retóricas belas e vazias — mas uma disputa em torno de prioridades e interesses profundos. A questão é saber quais interesses podem falar pelo conjunto da sociedade e trazer benefícios para a maioria. Este é o ponto.
Imaginar que Marina Silva pode ser enfeitada com características que envolvem uma concepção peculiar de luta política, um método de alcançar seus objetivos — e não apenas traços de personalidade — pode até ajudar o esforço de quem procura transformar a ex-ministra do Meio Ambiente em herdeira natural de Eduardo Campos, político conhecido pela capacidade de agregar e somar.
Mas também ajuda a alimentar uma ilusão, apoiada mais em aparência do que em consistência. Para ser uma verdadeira “terceira” opção entre dois pólos, seria preciso imaginar Marina numa posição equidistante entre PT e PSDB. É claro que isso está longe de acontecer. Com ela, o PSB pode até pegar o lugar de Aécio Neves num eventual segundo turno mas estará cada vez mais perto do PSDB. Não temos três vias. Mas 2 vias contra 1.
Falar em terceira via é uma forma de encobrir a política com a qual Marina se identifica. Seu lançamento, como candidata que se encontra no PSB por razões circunstanciais, não pode encobrir uma situação de linha auxiliar tucana — mesmo admitindo que, como mostra pesquisa do DataFolha divulgada hoje, ela possa se transformar em principal.
Marina deixou o governo Luiz Inácio Lula da Silva em maio de 2008. Sua saída foi apresentada na época por Paulo Adário, diretor de Campanhas do Greenpeace, como uma prova do “descaso do governo Lula com a causa ambiental e também com a proteção da Amazonia.” Na realidade, Lula abriu a porta de saída para Marina quando se convenceu que ela passara a utilizar o ministério para pavimentar sua própria candidatura presidencial em vôo individual, à margem de suas articulações, que conduziram ao lançamento da candidatura Dilma Rousseff.
O lance final que levou Marina a deixar o governo foi um ato de desprestígio – Lula entregou para Roberto Mangabeira Unger, ministro sem nenhuma base política maior, a coordenação do Plano Amazonia Sustentável, no qual Marina estivera envolvida profundamente por um longo período. Essa decisão foi o lance final de uma sucessão de conflitos marcados por uma postura que pode ser definida com várias palavras – mas nunca pelos termos empregados para falar do estilo Eduardo Campos ou mesmo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dias antes, os aliados de Marina haviam transformado uma Conferência do Meio Ambiente, em Brasília, num ato de lançamento informal de sua candidatura, improvisando um coro “Marina Presidente” que causou surpresa em muitos dos presentes – e ajudou a entender porque na última hora o próprio Lula cancelou sua aparição no evento.
A primeira grande concessão de Lula a Marina terminou em decepção, na verdade. Envolvia o poder de deliberação no Comissão Nacional Técnico de Biossegurança, criada em 2005, com função de dar a palavra final sobre tudo o que envolve saúde humana, organismos vivos e meio ambiente. Atendendo a um pleito da então ministra do Meio Ambiente, Lula assegurou que seus dois representantes naquele órgão teriam o poder de voto sobre decisões, mesmo que tomadas por maioria. A ideia era criar um clima para forçar a negociação e o acordo. Não funcionou. Os representes do Meio Ambiente preferiam vetar a negociar, provocando uma revisão no estatuto do CNTBio que diminuiu o poder de barganha dos ambientalistas.
Quando o governo foi discutir a construção da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, apareceram dois debates relevantes, embora de natureza diferente. Um deles, envolvia o nível de retenção da represa, que poderia comprometer os reservatórios planejados. O outro, envolvia a sobrevivência de um tipo de bagre, característico do Madeira. Estudos técnicos mostraram que era possível encontrar soluções aceitáveis para os dois problemas – mas Marina atuou no sentido de criar impasses duradouros em vez de abrir o caminho para soluções, postura que lembrava o que ocorria no governo Fernando Henrique, quando causas ambientalistas eram usadas para esvaziar investimentos públicos capazes de comprometer a política de austeridade do ministro da Fazenda Pedro Malan.
Essa postura se radicalizou após a saída de Marina do governo. Ela se distanciou do pensamento econômico desenvolvimentista, que está na origem dos esforço para elevar o progresso humano e distribuir renda, para aproximar-se de economistas que priorizam o mercado, para quem a preservação da natureza serve de argumento para paralisar o crescimento e diminuir o consumo, postura que num país como o Brasil, gera as consequencias ruinosas que todos conhecemos.
Num país marcado pela nefasta tradição do pensamento único, a campanha de 2014 apresenta uma situação incomum de polarização política, marcada por candidaturas que, bem ou mal, com nitidez maior ou menor, expressam o conflito de grandes interesses presentes na sociedade – pobres contra ricos, 99% contra 1%, e assim por diante.
Você não precisa achar que um dos lados só faz o que é certo. Não. Muitas vezes erra, por incompetência, por falta de visão, pelas duas coisas, também. Mas é preciso compreender que, conforme o seu ponto de vista, uma vitória do outro lado trará, necessariamente, resultados ainda piores para os interesses que você julga mais importantes.
Diversos comentaristas costumam deplorar essa divisão do eleitorado com frases sentimentais, cultivando a mitologia do “governo para todos”, acima dos grandes conflitos — como se isso fosse possível na vida real e não somente no palanque. Mas eu não acho que a polarização seja um processo necessariamente ruim, pois lembra que nosso sistema político não pode ser concebido como uma geléia.
Ajuda o eleitor a participar de uma eleição que não é um concurso de personalidades nem torneio de retóricas belas e vazias — mas uma disputa em torno de prioridades e interesses profundos. A questão é saber quais interesses podem falar pelo conjunto da sociedade e trazer benefícios para a maioria. Este é o ponto.
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