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Brasil Debate, 30/08/2014
As mil faces de Marina Silva
Por Guilherme Santos Mello
Em
política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da imagem
política é um processo lento, que exige a repetição contínua de alguns
mantras e a obstinação de seus seguidores.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população (excluíndo-se aí parcelas tipicamente anti-petistas), um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase 12 anos de governo petista à frente da Presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar alguém a assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no País.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança à Presidência da República, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com projetos pessoais de poder, independentemente de partidos e base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais ex-integrandes do DEM, demonstra a fragilidade do discurso marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um político tradicional.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC? Talvez isso explique o recente abondono do ex-presidente ao candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem, será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população (excluíndo-se aí parcelas tipicamente anti-petistas), um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase 12 anos de governo petista à frente da Presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar alguém a assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no País.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança à Presidência da República, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com projetos pessoais de poder, independentemente de partidos e base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais ex-integrandes do DEM, demonstra a fragilidade do discurso marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um político tradicional.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC? Talvez isso explique o recente abondono do ex-presidente ao candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem, será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
Carta Maior, 30/08/2014
Marina e as Elites
PorRafael Cesar Ilha Pinto (*)
Muitas pessoas ficaram surpresas com a
declaração de Marina Silva no primeiro debate entre os presidenciáveis
na Rede Bandeirantes sobre as elites: a comparação entre Maria Alice
Setúbal (a Neca) e Guilherme Leal com Chico Mendes, dizendo que este
último também seria da elite e, com a afirmação de que o Brasil
precisaria de mais elites. Um debate mais profundo até foi travado entre
cientistas políticos sobre o enunciado, a terminologia e a corrente
epistemológica a que faz referência nesta área acadêmica.
O debate dizia respeito à vinculação da fala da candidata à Teoria das Elites, corrente teórica e escola de investigação muito relevante na Ciência Política (em muitos ambientes hegemônica) e nas Ciências Sociais de maneira geral. Essa corrente teórica preconiza, em linhas gerais, que a vida pública é comandada por elites políticas representativas de determinados grupos sociais. Segundo essa tradição teórica (que vem desde Mosca, Pareto e Mischels), essas elites cumprem, ao mesmo tempo, o papel de exercer a liderança em seu grupo de origem e ser seu representante no âmbito mais geral da sociedade.
Nesse sentido, Marina Silva estaria então comparando e dizendo que Chico Mendes como líder sindical e Guilherme Leal (dono da Natura, grande empresário e seu vice em 2010), assim como, Maria Alice Setúbal (herdeira e acionista do Banco Itaú), seriam elites, diferentes elites, mas elites que influenciariam a vida política nacional como representantes de seus grupos sociais de origem. Não discordo da análise, não há problema nessa explicação teórica e, em minha opinião, procede à percepção daqueles que enxergam em Marina Silva essa linha de raciocínio.
Gostaria apenas de fazer duas considerações sobre esse debate, uma de caráter analítica sobre a teoria e outra de caráter prático/normativo sobre a postura de Marina.
Em primeiro lugar, entendo que a Teoria das Elites, como campo analítico de estudo da Ciência Política para a democracia liberal (constituída esta pela representação legal e indireta) uma excelente ferramenta de investigação, descrição e interpretação da realidade objetiva na maior parte dos casos. Contudo, tenho cá minhas discordâncias quanto a este modelo teórico. Minha inconformidade parte de algumas singelas e, talvez, ‘ultrapassadas’ indagações:
1º será que as digamos, ‘elites econômicas’ e as digamos, ‘elites populares’, exercem influências iguais em escala e natureza na vida pública?;
2º/1 será que a democracia liberal, como se conhece nos países ocidentais, em especial nos países Europeus, tem a mesma lógica de justiça (analisada por liberais como Hawls e Habermas, por exemplo) no contexto latinoamericano e brasileiro em particular?;
2º/2 será que esta lógica relacional de alteridade social e política é/está bem adaptada à nossa realidade?;
2º/3 será que queremos incorporar integralmente e somente esta ‘receita de bolo’, formulada no contexto europeu de disputa entre liberais X conservadores, à nossa vida pública?;
3º será que em um país com desigualdades sociais e econômicas anacrônicas e estruturais (ver índice de GINI do Banco Mundial) é possível 'equalizar' elites em sua capacidade de intervenção na vida pública?
Em segundo lugar, seguindo o raciocínio acima, o que Marina Silva então parece estar querendo dizer com ‘o Brasil precisa de mais elites’ é exatamente o pressuposto da Teoria das Elites e, o reforço da ideia liberal de que ‘os melhores’ exercem a liderança e devem governar a vida pública. Assim, partindo da prescrição ‘marineira’ de que precisamos de mais elites, questiono: será que é possível, ou mesmo desejável, ter somente e reforçar apenas o modelo de democracia representativa baseado em elites políticas? Em um país como o Brasil, tão desigual como dito mais acima, quais das elites governarão ou continuarão a governar? Essas elites, que deterão o monopólio da representação política, serão permeáveis ou refratárias a, pelo menos, uma maior inclusão social e cidadã?
Acredito, em medida complementar, que é preciso pensar o processo democrático para além do mero procedimento bianual de escolha de líderes já estabelecido, é preciso refletir para além da democracia ‘realmente existente’ e institucionalizada pela Constituição Federal de 1988. Já é hora de refletirmos sistematicamente sobre os ‘vazios’ democráticos que esse modelo de representação nos relega e interrogar como superar esses vácuos e a tão propalada ‘crise de representação’.
Conjecturando, de maneira a acrescer, a possibilidade de uma democracia de maior intensidade e substância, maior participação e envolvimento social e que confira, por consequência, maior legitimidade a todo sistema representativo.
Sem essa perspectiva, a ‘nova política’ é só uma miragem sem conteúdo (na verdade conservadora do status quo político), um palavrório moralizante sem efeito, uma cantilena já ouvida e requentada nesta eleição, mais uma vez.
O debate dizia respeito à vinculação da fala da candidata à Teoria das Elites, corrente teórica e escola de investigação muito relevante na Ciência Política (em muitos ambientes hegemônica) e nas Ciências Sociais de maneira geral. Essa corrente teórica preconiza, em linhas gerais, que a vida pública é comandada por elites políticas representativas de determinados grupos sociais. Segundo essa tradição teórica (que vem desde Mosca, Pareto e Mischels), essas elites cumprem, ao mesmo tempo, o papel de exercer a liderança em seu grupo de origem e ser seu representante no âmbito mais geral da sociedade.
Nesse sentido, Marina Silva estaria então comparando e dizendo que Chico Mendes como líder sindical e Guilherme Leal (dono da Natura, grande empresário e seu vice em 2010), assim como, Maria Alice Setúbal (herdeira e acionista do Banco Itaú), seriam elites, diferentes elites, mas elites que influenciariam a vida política nacional como representantes de seus grupos sociais de origem. Não discordo da análise, não há problema nessa explicação teórica e, em minha opinião, procede à percepção daqueles que enxergam em Marina Silva essa linha de raciocínio.
Gostaria apenas de fazer duas considerações sobre esse debate, uma de caráter analítica sobre a teoria e outra de caráter prático/normativo sobre a postura de Marina.
Em primeiro lugar, entendo que a Teoria das Elites, como campo analítico de estudo da Ciência Política para a democracia liberal (constituída esta pela representação legal e indireta) uma excelente ferramenta de investigação, descrição e interpretação da realidade objetiva na maior parte dos casos. Contudo, tenho cá minhas discordâncias quanto a este modelo teórico. Minha inconformidade parte de algumas singelas e, talvez, ‘ultrapassadas’ indagações:
1º será que as digamos, ‘elites econômicas’ e as digamos, ‘elites populares’, exercem influências iguais em escala e natureza na vida pública?;
2º/1 será que a democracia liberal, como se conhece nos países ocidentais, em especial nos países Europeus, tem a mesma lógica de justiça (analisada por liberais como Hawls e Habermas, por exemplo) no contexto latinoamericano e brasileiro em particular?;
2º/2 será que esta lógica relacional de alteridade social e política é/está bem adaptada à nossa realidade?;
2º/3 será que queremos incorporar integralmente e somente esta ‘receita de bolo’, formulada no contexto europeu de disputa entre liberais X conservadores, à nossa vida pública?;
3º será que em um país com desigualdades sociais e econômicas anacrônicas e estruturais (ver índice de GINI do Banco Mundial) é possível 'equalizar' elites em sua capacidade de intervenção na vida pública?
Em segundo lugar, seguindo o raciocínio acima, o que Marina Silva então parece estar querendo dizer com ‘o Brasil precisa de mais elites’ é exatamente o pressuposto da Teoria das Elites e, o reforço da ideia liberal de que ‘os melhores’ exercem a liderança e devem governar a vida pública. Assim, partindo da prescrição ‘marineira’ de que precisamos de mais elites, questiono: será que é possível, ou mesmo desejável, ter somente e reforçar apenas o modelo de democracia representativa baseado em elites políticas? Em um país como o Brasil, tão desigual como dito mais acima, quais das elites governarão ou continuarão a governar? Essas elites, que deterão o monopólio da representação política, serão permeáveis ou refratárias a, pelo menos, uma maior inclusão social e cidadã?
Acredito, em medida complementar, que é preciso pensar o processo democrático para além do mero procedimento bianual de escolha de líderes já estabelecido, é preciso refletir para além da democracia ‘realmente existente’ e institucionalizada pela Constituição Federal de 1988. Já é hora de refletirmos sistematicamente sobre os ‘vazios’ democráticos que esse modelo de representação nos relega e interrogar como superar esses vácuos e a tão propalada ‘crise de representação’.
Conjecturando, de maneira a acrescer, a possibilidade de uma democracia de maior intensidade e substância, maior participação e envolvimento social e que confira, por consequência, maior legitimidade a todo sistema representativo.
Sem essa perspectiva, a ‘nova política’ é só uma miragem sem conteúdo (na verdade conservadora do status quo político), um palavrório moralizante sem efeito, uma cantilena já ouvida e requentada nesta eleição, mais uma vez.
(*) Doutorando em Ciência Política/PPGPOL - UFRGS
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