domingo, 14 de agosto de 2011

Nada foi aprendido

Space Plan

São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2011

Como tirar proveito da longa crise
 
JOSEPH STIGLITZ

A única coisa boa na saraivada de más notícias que continuamos a receber é que as coisas poderiam estar ainda piores: as três agências de classificação de crédito poderiam ter rebaixado os títulos norte-americanos, os mercados de ações poderiam ter caído ainda mais e os EUA poderiam ter dado o calote.
A opinião geral é que na nova rodada da Grande Recessão há grande risco de as coisas piorarem, e os governos não têm instrumentos efetivos para intervir. O primeiro ponto é correto; o segundo, nem tanto.
Ao longo da crise - e antes dela -, os economistas keynesianos ofereceram interpretação coerente do evento. Antes da crise, a economia dos EUA e, em larga medida, a mundial vinham sendo sustentadas por uma bolha. O estouro deixou como legado dívidas excessivas e imóveis demais. O consumo, portanto, continuará fraco, e as medidas de austeridade adotadas garantem, agora, que o Estado não ocupará o vazio. Não surpreende que as empresas não queiram investir.
É claro que as pessoas preocupadas com a falta de instrumentos políticos estão parcialmente certas. Erros de política monetária nos colocaram nessa confusão, mas a política monetária sozinha não nos tirará dela. Mesmo que a linha dura quanto à inflação seja colocada sob controle no Fed, uma terceira rodada de relaxamento quantitativo será ainda menos efetiva que a precedente - a qual provavelmente mais contribuiu para a formação de bolhas nos mercados emergentes.
O anúncio do Fed de que manterá a taxa de juros perto de zero pelos próximos dois anos ilustra o senso de desespero. Mas, mesmo que isso baste para deter, nem que temporariamente, a queda nos preços das ações, não será base para uma recuperação, já que não são taxas de juros elevadas que vêm mantendo a economia em estado letárgico.
Os bancos não emprestam para pequenas e médias empresas, que representam a fonte de criação de empregos. O Fed e o Tesouro fracassaram em estimular a retomada dos empréstimos, o que ajudaria muito mais que estender os juros baixos.
Mas a resposta, ao menos para países como os EUA, que continuam capazes de captar a juros baixos, é simples: usar o dinheiro para fazer investimentos de alto retorno. Isso tanto promoverá o crescimento como gerará maior receita tributária, reduzindo a relação entre a dívida e o PIB, em médio prazo, e tornando a dívida mais sustentável.
Ainda que a situação orçamentária não mude, reestruturar gastos e impostos para elevar o crescimento - cortando impostos sobre salários, elevando os dos ricos, reduzindo os das empresas que investem e elevando os das que não o fazem - ajudaria a tornar a dívida mais sustentável. Mas a situação política aponta para outra direção.
Os mercados sabem que o fetiche por baixos impostos e dívidas que varre o Atlântico norte significa que as autoridades estão desprovidas de instrumentos: a política monetária não tem efeito, a política fiscal opera sob fortes restrições, o crescimento vai se desacelerar e a melhora na situação do deficit propiciada pelas medidas de austeridade será decepcionante.
Mas mercados também têm agenda política, como o rebaixamento pela S&P deixa claro. Nenhum economista consideraria só o passivo em um balanço, mas é nisso que a S&P se concentra. Os EUA pagam dívidas em dólares, as autoridades controlam a criação de moeda. Nunca houve chance de calote.
Os mercados estão frequentemente errados, mas o histórico das agências de classificação de crédito não inspira confiança - não em nível suficiente para justificar a substituição da opinião combinada de milhões de observadores pelo juízo de poucos "técnicos" que trabalham para uma empresa cuja governança e incentivos são problemáticos.
Muitas palavras sábias sobre as lições aprendidas com a Grande Depressão e a longa crise japonesa foram ditas. Agora sabemos que nada foi aprendido. Nossos estímulos foram muito fracos. Os bancos não foram forçados a retomar os empréstimos. Nossos líderes tentaram ocultar as fraquezas da economia.
Agora que a escala do problema se tornou aparente, emergiu uma nova confiança: a de que as coisas vão piorar, não importa o que façamos. Hoje, uma longa crise parece ter se tornado um cenário otimista.

JOSEPH STIGLITZ, Nobel de Economia em 2001, é professor da Universidade Columbia.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2011

ANÁLISE

China assume "dupla personalidade" em relação aos problemas dos EUA

MINXIN PEI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A disputa travada em Washington em torno do teto da dívida, o rebaixamento da nota AAA dos Estados Unidos e a queda livre dos preços das ações ordinárias nos EUA podem soar como a dádiva de Deus à China, única potência mundial a desafiar a supremacia americana. Infelizmente, porém, as coisas não são tão simples. Para Pequim, a turbulência econômica nos EUA é uma faca de dois gumes.
É claro que deficits fiscais insustentáveis e um impasse político vão enfraquecer os EUA, permitindo que a China amplie sua influência.
O fato de os EUA estarem passando por uma "década perdida" vai reforçar a percepção de que são a superpotência em declínio, enquanto a China é a do futuro.
Em termos políticos, a disputa partidária ferrenha em Washington mostrou a democracia sob uma ótica negativa, algo que os governantes autocráticos da China saúdam com gosto.
Mas, pelo fato de a economia chinesa estar tão estreitamente ligada aos Estados Unidos, a crise da América vai prejudicar a prosperidade da própria China.
Como os EUA importam bilhões de dólares em produtos da China a cada ano, uma economia americana estagnada reduz a demanda por produtos chineses. Não é o que Pequim deseja.
Pior ainda: embora Pequim possa estar repreendendo Washington por suas falhas de responsabilidade fiscal, ela está preocupadíssima. Em primeiro lugar, aproximadamente 60% dos US$ 3,2 trilhões da reserva de divisas da China consistem em dívida em dólares. Isso significa que a China possui pelo menos US$ 1,8 trilhão em obrigações de dívida americanas.
Embora, no pânico financeiro atual, o preço dos títulos do Tesouro tenha subido, no futuro o mercado vai fazer o custo dos empréstimos feitos pelos EUA subir e reduzirá o valor de sua dívida e moeda, levando a China a perder potencialmente centenas de bilhões de dólares.
Em segundo lugar, em vista dos imensos superavits de conta corrente da China, Pequim precisa aplicar seu dinheiro em títulos de baixo risco. Se os papéis do Tesouro deixarem de ser seguros, a China terá poucas alternativas. Diversificar para o euro ou para o iene não é uma estratégia prudente.
Por essas razões, a China manifesta personalidade dupla quando contempla os problemas dos EUA. Politicamente, os líderes chineses estão exultando. Economicamente, porém, eles estão rezando em segredo para que a América recupere a estabilidade e o crescimento.

MINXIN PEI é professor de governança no Claremont McKenna College, nos EUA.

Agência que rebaixou o país será investigada

O órgão regulador da Bolsa dos EUA investigará a S&P pelo rebaixamento da nota dos títulos americanos. O Tesouro apontou erro de US$ 2 trilhões nos cálculos

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