segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A hora de desafiar o impensável

  São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

O impensável

VINICIUS MOTA

SÃO PAULO - O ano que vem marcará o 50º aniversário do episódio mais tenso da Guerra Fria. Em outubro de 1962, soviéticos e americanos flertaram com o embate direto, a partir da resposta dos EUA à instalação, em Cuba, de bases de mísseis de ataque da URSS.
A ameaça de escaramuça desafiou a sociedade a especular sobre o que restaria em caso de colapso daquela ordem bipolar. A abstenção do combate frontal entre americanos e soviéticos, afinal, era um requisito que conferia estabilidade e previsibilidade às relações e aos conflitos internacionais. A guerra aberta inauguraria um período de prolongada incerteza.
E o que ocorreria hoje se o dólar e os títulos do Tesouro dos Estados Unidos deixassem de ser o esteio das finanças globais? Como no caso dos mísseis, a ameaça de calote americano questiona fundamentos da organização do mundo como ele é -ou parece ser.
A resposta é impensável nos termos atuais. Não há moeda para a qual fugir; não há governo com poder econômico e credibilidade comparáveis; não há arquitetura financeira para absorver o colosso de riqueza denominada em dólares.
E entretanto faz 30 anos que os Estados Unidos estão afundando no vermelho. Para sustentar o consumo, o governo faz dívida com seus cidadãos, as famílias penduram sua renda futura em bancos e cartões de crédito, e o país inteiro toma emprestado do exterior.
Com a produção estagnada no nível de 2007 -e a probabilidade de resultados ruins até 2012-, os EUA rolam a conta na base da maquininha de imprimir dólares e papéis do Tesouro. Apesar dos resmungos, o mundo todo aceita o jogo, pois treme de pensar na desordem profunda que o fim dessa ilusão monetária acarretaria.
Ainda assim, tal como ruiu a ordem bipolar, que parecia inabalável, a supremacia do dólar não vai durar para sempre. Chegou a hora de desafiar o impensável.

São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

Obama anuncia um acordo bipartidário que evita o calote
Jewel Samad/France Presse

O presidente dos EUA, Barack Obama, discursa na Casa Branca sobre o fechamento do acordo


LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Na antevéspera do prazo fatal para evitar um calote, o presidente Barack Obama anunciou ontem um acordo bipartidário para enxugar US$ 1 trilhão do Orçamento dos EUA nos próximos dez anos e elevar o teto do endividamento público do país.
O pacote, que precisa ser votado até amanhã pelo Congresso, fica aquém de expectativas iniciais de redução de US$ 3 trihões -valor que ainda poderá ser atingido numa segunda fase de cortes.
Mas põe fim a quase um mês de impasse que enervou população e mercados.
"Ainda faltam votos importantes, mas os líderes republicano e democrata, na Câmara e no Senado, chegaram a um acordo para evitar um calote", anunciou Obama às 20h40 de domingo (21h40 em Brasília).
O presidente deu poucos detalhes do pacote e não dirimiu diversas dúvidas. Ele garantiu a elevação do teto da dívida, hoje em US$ 14,3 tri, sem dizer em quanto.
Em versões anteriores do plano, esse aumento era de US$ 2,4 trilhões, mais que o PIB do Brasil, o que asseguraria autorização para o governo tomar dinheiro emprestado até o final de 2012.
Obama também anunciou a criação de uma comissão bipartidária que vai propor novos cortes de gastos até novembro.
Nessa etapa futura, afirmou o presidente, "todas as alternativas estarão na mesa" -inclusive a reforma de programas sociais do governo, como exige a oposição, e o fim dos cortes de impostos para as classes mais altas iniciados por George W. Bush, como insiste Obama.
"Com esse acordo, chegaremos ao menor nível de gastos domésticos desde a Presidência de [Dwight] Eisenhower [1953-61]", afirmou.
O presidente admitiu que não era o acordo ideal. "Tomamos cuidado para que os cortes não sejam abruptos, para não afetar a recuperação econômica."
Parecendo cansado, Obama agradeceu aos líderes dos partidos e ao eleitorado, que respondeu durante a semana a seu chamado para pressionar o Congresso. "Foram a voz, os e-mails, os tuítes de vocês que permitiram isso."
Legisladores de ambos os lados ainda trabalham em detalhes do novo pacote, e não estava claro quais os programas serão afetados.
Uma preocupação dos republicanos é limitar os cortes na Defesa. O Pentágono consome US$ 1 em cada US$ 5 gastos pelo país, e responde por mais de 40% dos gastos militares mundiais.
Amanhã, expira a autoridade do governo dos EUA para tomar empréstimos, e o Tesouro advertira que não teria caixa para pagar todas as suas contas no mês se o Congresso não votasse a ampliação do teto da dívida.


ANÁLISE

Presidente evita o pior, mas põe em risco a reeleição no ano que vem
 
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Com o acordo de ontem, tudo indica que o presidente Barack Obama irá evitar o "Armageddon" de um calote. Mas isso pode lhe custar a reeleição em 2012.
Com as concessões que fez, Obama se arrisca a hostilizar a esquerda, parcela essencial do eleitorado. A percepção é de que ele se rendeu a todas as exigências.
O acordo não prevê aumento de impostos ou fim de isenções fiscais para contribuintes ricos, reivindicações dos democratas.
Além disso, ficou claro que parte dos cortes de gastos virá de programas como o Medicare, de assistência médica a idosos, anátema para os democratas mais à esquerda.
Os grupos progressistas de esquerda passaram o domingo protestando na mídia e nas redes sociais.
"É muito preocupante, parece que os democratas estão dispostos a ceder às exigências republicanas e tornar esse plano desastroso ainda pior", disse Justin Ruben, diretor do grupo MoveOn.org.
"Exigimos que a Casa Branca continue buscando um acordo que proteja Medicare, Previdência e obrigue milionários a pagar sua parte."
O deputado democrata Emanuel Cleaver comparou o acordo a "um sanduíche do Satã coberto de açúcar".
Pelas linhas do acordo, um comite bipartidário deve decidir até o fim de novembro, de onde virão US$ 2 trilhões em cortes adicionais.
Caso não chegue a um consenso, um mecanismo de gatilho promoveria cortes automáticos em Defesa e no Medicare. Esses potenciais cortes no Orçamento militar, na realidade, são a única concessão dos republicanos.
O líder da Câmara, o republicano John Boehner, apresentou o plano como vitória. "É tudo corte de gastos, bloqueamos a tentativa da Casa Branca de elevar impostos".
Já a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, avisou que não sabe se vai conseguir apoio de sua bancada.
A ala mais à esquerda do eleitorado é essencial para energizar os eleitores democratas. Mas com a economia em marcha lenta e o desemprego acima de 9%, está cada vez mais decepcionada.
Como o voto não é obrigatório, esses eleitores podem resolver simplesmente não sair de casa no dia da eleição.



Segunda-Feira, 01 de Agosto de 2011

RENDIÇÃO DE OBAMA AO ARROCHO FISCAL INAUGURA NOVA ERA DA INCERTEZA E SINALIZA MAIS RECESSÃO: BOLSAS DESPENCAM EM TODO O MUNDO

Os mercados fazem gato e sapato de Obama. Depois do acordo fiscal leonino imposto ao democrata, que penaliza os pobres e poupa os ricos, precificam a instabilidade política e o agravamento recessivo que isso acarretará derrubando as bolsas de todo o mundo nesta 2º feira, horas antes da votação do pacote orçamentário. O capitalismo americano não iria acabar, fosse qual fosse o resultado do impasse fiscal no Congresso. Mas o desfecho esboçado nesta noite de domingo é quase uma rendição de Obama ao Tea Party, tendo merecido a repulsa da esquerda do partido Democrata. Formada por cerca de 70 parlamentares ela vocaliza os setores da sociedade que mais se engajaram na eleição de Obama. A proposta a ser votada nas próximas horas rompe as bases desse engajamento, põe em risco a reeleição democrata e fixa uma nova referencia de crise política dentro da crise financeira mundial. Obama, ao contrário de Roosevelt, em pleno colapso econômico, abraça um plano de arrocho fiscal que imobiliza o Estado e torna ainda mais incerta a recuperação americana e mundial.

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