quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Chile: milhares de estudantes voltam a protestar por educação pública


120 mil pessoas dizem não à educação de Pinochet


Christian Palma, desde Santiago de Chile

Mais de 120 mil pessoas participaram da última marcha convocada pelo movimento estudantil – já foram sete desde que começaram as ocupações e greves em colégios e universidades – que exige uma reforma estrutural no modelo educacional vigente no Chile há mais de 30 anos. A bandeira de luta – que se mescla com as dos trabalhadores do setor de mineração do cobre, dos desempregados, dos ecologistas, dos sufocados pelo sistema creditício, entre outros milhares de anônimos cansados dos abusos – é o fim da lógica de mercado no setor, além da volta da gratuidade da educação pública para os setores de menor renda da população. Cerca de 200 mil pessoas saíram tranquilamente às ruas do país para protestar contra um governo de direita que já não os representa.

A nova mobilização demonstrou a ampliação do apoio aos estudantes e o suporte que sustenta um movimento que já dura dois meses e que se fortaleceu com o apoio de 80% da sociedade às reivindicações estudantis, segundo as pesquisas. E os números se concretizaram nas ruas. Na manifestação desta terça-feira, participaram também alunos de colégios privados do setor mais acomodado de Santiago, diversos professores, apoderados, trabalhadores públicos e representantes de sindicatos empresariais que aumentaram sua solidariedade com os estudantes, após a feroz repressão do governo de Sebastian Piñera na semana passada. Foram detidos mais de 600 jovens, devido à estratégia das autoridades de não autorizar a marcha para aumentar a raiva e criminalizar o movimento social.

O dia ensolarado de ontem ajudou a criatividade dos estudantes. Jovens disfarçados como o ex-presidente Salvador Allende, simbolizavam o que era o Chile antes do golpe militar de 1973: uma sociedade menos opulenta no consumo de bens e serviços, mas com um sistema educacional grátis para todos. “E vai cair, a educação de Pinochet”, escutava-se em meio à fila interminável de manifestantes”. Algumas quadras além, um avô mostrava com orgulho um cartaz que dizia: “marcho para que meus netos tenham educação gratuita como eu tive”.

O eixo das reivindicações do movimento estudantil é justamente uma demanda estrutural que foi bloqueada por décadas, desde o governo militar, passando pelos governos da Concertação. Por isso, nos desfiles de cada marcha, encontram-se grandes bonecos que são réplicas dos últimos quatro presidentes desde que, em 1990, o Chile retornou à democracia, representando as reformas cosméticas feitas na educação, aprofundando a participação do setor privado em um bem social.

Esse é também um dos motivos pelos quais a paciência dos cidadãos e estudantes está se esgotando: os bancos são os grandes protagonistas na histórica do lucro na educação, porque com o papel subsidiário do Estado, imposto por Pinochet, o setor financeiro privado pode administrar os recursos fiscais aplicados em uniformes para os jovens, mas com a cobrança adicional de juros mensais superiores inclusive aos cobrados sobre créditos imobiliários. Juan, um jovem formado em Direito, afirmava com outro cartaz: “estudei 5 anos e terei que pagar 20”. Outras jovens universitárias, carregando uma bandeira chilena, reclamavam a mesma coisa: “É a mesma coisa que se eu tivesse comprado uma casa”, dizia uma delas.

Atualmente, mais de 100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência, com uma dívida média de 2.700.000 milhões de pesos chilenos (mais de US$ 5.000). Em um país em que mais de um milhão de pessoas recebe por mês salários mínimos de US$ 377, é perfeitamente possível entender como os mais pobres ficam fora da universidade, enquanto que as classes medidas ficam empobrecidas por décadas. O desenvolvimento das chamadas universidades-empresa é a cereja do bolo, uma vez que funcionam por meio de direções privadas que não asseguram a adequada informação de qualidade e transparência. Nelas, a gestão da educação obedece à lógica do baixo custo em salários de professores e material acadêmico, e altas receitas das mensalidades, usufruindo dos subsídios de educação fornecidos pelo Estado.

Uma estória a parte neste processo de aperta/afrouxa entre a sociedade civil e o governo de direita é a resposta mínima do presidente Piñera às demandas estudantis. Até o momento, foram feitos tíbios anúncios de maiores recursos (US$ 4 bilhões), sem detalhar, porém, como e a forma de financiamento. Mostrando o figurino da ortodoxia neoliberal da atual administração, os ministros do setor econômico descartaram uma eventual reforma tributária para aumentar os impostos das empresas, o que significou jogar gasolina no fogo dos estudantes.

A jornada desta terça foi marcada por outro elemento que fez lembrar os piores momentos perpetrados pela ditadura de Pinochet: os supostos “infiltrados” da polícia chilena nas mobilizações. Segundo as lideranças estudantis, em cada marcha há policiais à paisana nas ruas para incendiar os ânimos e agitar as marchas. Essa suspeita se fortaleceu em Valparaíso, cidade-porto onde se localiza o Congresso Nacional. Durante a marcha, um grupo de manifestantes identificou, denunciou e perseguiu um possível policial infiltrado, que escapou, escondendo-se no Congresso. As autoridades do governo garantiram que investigarão este fato a fundo.

Todos esses temas de fundo cruzam cada marcha dos estudantes chilenos, temperadas agora pelos chamados “panelaços” em apoio às mudanças estruturais na educação realizados por milhões de chilenos há uma semana em todas as cidades do país, tal como se fazia nos protestos contra a ditadura de Pinochet nos anos 80. As únicas pessoas que não ouviram essas demandas trabalham no Palácio de La Moneda, onde o presidente Piñera ainda não se pronunciou.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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Jornal do Brasil, 9/08 às 22h17 - Atualizada em 09/08 às 22h18

 

Chile: milhares de estudantes voltam a protestar por educação pública

Agência AFP
Dezenas de milhares de pessoas protestaram pela quinta vez em menos de dois meses em Santiago para exigir uma melhor educação pública, em uma manifestação que desta vez foi autorizada pelo governo e que voltou a derivar em incidentes que deixaram 273 detidos. O protesto multitudinário - 60.000 pessoas segundo a polícia, 150.000 segundo os organizadores -, reuniu em Santiago estudantes, professores, pais e trabalhadores de outros setores, como da indústria do cobre, e funcionários públicos. Outras cidades como Valparaíso e Concepción se uniram ao protesto.
Vestidos com seus uniformes, portando cartazes nos quais afirmavam que "a educação está morrendo de fome", fantasiados e outros dançando, os manifestantes caminharam vários quilômetros pela avenida central Alameda e por ruas próximas para desembocar na Praça Almagro. "Protesto porque tenho dois filhos e não dá, eles vão terminar endividados por muitos anos e eu não quero isso para eles. Peço ao presidente que coloque a mão no coração e entenda as pessoas que já não podem pagar pelos créditos", disse à AFP Graciela Hernández, uma das manifestantes.
O protesto foi iniciado nos arredores da Universidade de Santiago (no oeste da cidade) e avançou por várias quadras da avenida Alameda, a principal artéria do centro de Santiago, mas se desviou para o sul antes de passar na frente da casa de governo. Vizinhos de casas próximas à passeata acompanharam os estudantes com panelaços e jogando água para refrescá-los, em um dia de "primavera" em Santiago.
O tom pacífico mudou quase no final, quando encapuzados entraram em confronto com pedras e paus com policiais sobre o Paseo Bulnes, a alguns metros da casa de governo. Anteriormente, encapuzados destruíram semáforos e sinais de trânsito. Segundo o vice-ministro do Interior, Rodrigo Ubilla, "o total de detidos é de 273, sendo 72 em Santiago e os demais nas províncias". Ubilla acrescentou que 23 policiais ficaram feridos na capital chilena.
O governo pediu que os estudantes "refletissem" e acabassem com os protestos. "Os resultados de hoje devem chamar à reflexão no país inteiro, e especialmente os líderes estudantis e o colégio de professores (sobre) até que ponto as passeatas estão sendo daninhas para nossa convivência social", disse o ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter. "Quando alguém convoca uma marcha, tem que se comprometer que ela será pacífica", completou o ministro.
Agentes de forças especiais dispersaram os manifestantes com jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo. Em meio às revoltas, foi registrado o incêndio de um automóvel e o apedrejamento de edifícios, constatou a AFP. Os incidentes se ampliaram por vários minutos e contrastaram com o caráter pacífico da maior parte da manifestação. A polícia não informou o número de detidos ou feridos nos confrontos.
Mais cedo, vários pontos de Santiago foram bloqueados por meio de barricadas montadas com pneus incendiados. A manifestação desta terça-feira foi autorizada pelo governo e seu traçado foi fechado com os estudantes, diferentemente da quinta-feira passada, quando a polícia impediu que os manifestantes protestassem e prendeu mais de 800 pessoas. Com esse gesto, estudantes mostraram flexibilidade, enquanto o governo demonstrou abertura para retomar o diálogo, após inconstantes encontros com os jovens.
As convocações estudantis foram as maiores desde o retorno à democracia no Chile em 1990, depois dos 17 anos de ditadura de Augusto Pinochet, cujo regime reduziu a menos da metade o aporte público à educação e promoveu sua privatização.
Em resposta, o governo propôs primeiro um Grande Acordo Nacional de Educação (Gane) e depois um programa de 21 pontos, qualificados ambos de "insuficientes" pelos estudantes, que exigem educação universitária gratuita para quem não puder pagá-la, que o Estado se responsabilize da qualidade e que as universidades privadas não tenham lucros.
Pela noite, a previsão é que um novo "panelaço" em apoio às demandas estudantis ocorra, um protesto típico da época da ditadura de Pinochet que se reedita duas décadas depois do fim de seu regime



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Camila Vallejo

São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2011


Chile revive virulência entre direita e esquerda

LUCAS FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

A onda de protestos no Chile trouxe de volta ao debate político uma velha rixa entre direita e esquerda, que deixou marcas profundas na história do país por causa da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
O primeiro sinal é a volta de um vocabulário que há muito não se via, com o uso de expressões como "subversivos" e "cachorros" para definir opositores políticos.
A virulência transbordou para as ameaças de morte a uma das líderes do movimento estudantil, Camila Vallejo, 23. Uma diretora do Ministério da Cultura do Chile escreveu no Twitter, referindo-se a ela: "Se mata la perra, se acaba la leva" -algo como "mata-se a cachorra e se acaba com a prole". A frase foi usada por Pinochet para referir-se à esquerda nos anos 70.
"Lamentavelmente, o governo incentiva esses atos de violência contra minha pessoa", comentou Vallejo.
O senador Carlos Larraín, presidente do Renovação Nacional, partido do presidente Sebastián Piñera, disse que os estudantes são um "bando de subversivos inúteis".
Do outro lado, um líder estudantil acusou o ministro do Interior do Chile, Rodrigo Hinzpeter, que é judeu, de importar para o país a "violência típica de Israel".
Diante dos ânimos acirrados, os estudantes convocaram para esta manhã uma greve geral, que vai contar com a adesão de outros setores insatisfeitos (como sindicatos e ecologistas). O governo não autorizou a marcha, mas os estudantes afirmam que ela está mantida.

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