sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Aguarda-se a intervenção da inteligência

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Paris, maio de 1968: última manifestação de rebeldia com presença de grandes intelectuais

 
Jornal do Brasil, 12/08/2011

O tempo exausto (2)

Por Mauro Santayana

A mesma espécie de sábios que decretou o fim da História, com o triunfo da globalização neoliberal, decretara antes o fim das ideologias. A ordem do raciocínio é a mesma: o capitalismo, premiando os audazes e persistentes, liquidaria as ideologias. Na realidade, eles pensavam em uma só ideologia, o que é correto, do ponto de vista lógico: o fim do pensamento de esquerda, com o domínio absoluto da ordem da direita, contra a “anarquia” libertária, acabaria com os lados ideológicos. Onde predomina o pensamento único – no caso, o neoliberal – as idéias se encontram castradas, mortas.
Mas a ideologia não é uma diversão da inteligência. Ela corresponde a interesses humanos bem claros e definidos. Os homens, mesmo quando submetidos ao sofrimento mais terrível, não deixam de aspirar à felicidade. O que difere é o conceito de felicidade de cada um. Para os lúcidos, a felicidade é altruísta. Assim a sentem, por exemplo, os patriotas, quando seu país cresce em prosperidade, e todos  vivem em paz e têm a mesma oportunidade de realização. Não pode haver segurança pessoal e o conforto que o trabalho permite, enquanto houver crianças famintas e adolescentes perdidos no turbilhão da miséria, das drogas e do crime. Em uma sociedade como a que nos cabe, ainda não podemos ser felizes, se possuirmos  sentimento de  pátria. A pátria não é referência geográfica, é uma reunião de seres humanos que falam a mesma língua e têm projetos comuns. Como resumiu Renan, a nação é o ato cotidiano de solidariedade. Os grandes interesses, que manipulam os meios de informação, para manter os povos submissos, inoculam os vírus da intolerância para com os diferentes, e pervertem as parcelas mais débeis dos povos, transformando-as em hordas de predadores e assassinos. Isso ocorre em todos os países do mundo, porque é inerente ao sistema mundial de domínio.
Submetidas à insânia construída e mantida pelo controle da indústria cultural, muitas pessoas só se sentem felizes no usufruto da desigualdade e da injustiça. São aquelas cuja fortuna só lhes serve para a soberba e a intolerância. Há muitos homens ricos que escapam dessa maldição.  Lembro-me de uma confidência que me fez, quando participávamos da Comissão Arinos, o industrial Antonio Ermírio de Moraes, cuja posição no grupo de estudos era de centro-esquerda: ele se sentia tranqüilo porque não fazia de sua fortuna uma ofensa a ninguém. Guardava os seus domingos para servir aos outros, na direção de um grande hospital, e não os usava para a ostentação e o hedonismo. Ele, como alguns outros empresários brasileiros, como foi José Alencar, são daqueles que se orgulham mais do número de empregos que criam, do que do conforto e do poder de que podem desfrutar. Mas há – e não só entre os ricos, mas também entre os pobres alienados  – aqueles que só se sentem felizes diante da infelicidade alheia. Só são ricos porque vivem em um mundo de pobres. A partir dessa simplificação, podemos concluir que há, sim, e continuará havendo, duas ideologias, direita e esquerda, com suas pequenas variantes no espectro doutrinário.
A extrema-direita só pode impor-se mediante a fraude e o terror. Ela sempre se valeu da combinação dos dois expedientes que, na perfeita síntese da Igreja Católica e da Reforma  dos tempos inquisitoriais, se fazia mediante o pavor do inferno, reproduzido no mundo com as torturas, os massacres mútuos de católicos e protestantes,  e a hipocrisia da caridade, a fim de  garantir a submissão dos oprimidos, com o uso alternado da piedade e da forca,  como resumiu um conservador lúcido, Bronislaw Geremek.

Como em todas as grandes mudanças históricas, aguarda-se a intervenção da inteligência, a fim de conduzir a revolução que as ruas anunciam, nos paises árabes, nas praças espanholas e nos bairros de Londres – não só os  “sujos” de imigrantes negros e morenos, como Tottenham, mas também em áreas centrais, como a de Oxford City.
A última manifestação de rebeldia que contou com a presença de grandes intelectuais foi a eclosão da juventude, em 1968. Os homens que deram o suporte de suas idéias ao movimento, como Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Jean Paul Sartre, já não existem. Os pensadores de hoje parecem acomodados. Não aparentam dispor da chama interior próxima dos jovens que queriam  amar e expressar seu inconformismo com o mal-estar de um mundo unidimensional e injusto, como os que se rebelaram em Paris, em maio de 1968 – e, em seguida, no resto do Ocidente.
O tempo está exausto, mas é provável que se canse da própria exaustão, a fim de, tal como  em outras épocas, provocar  o fulgor da inteligência e dar a alguns homens não só  idéias fortes, mas também o poder de, com elas, convocar a consciência solidária e essencial dos homens, contra os novos bárbaros.
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No UOL em 11/08/2011 - "Sobre os distúrbios em Londres, José Simão tem várias soluções:
Ou vocês param, ou a Dilma vai praí e demite todo mundo!"



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Distúrbios em Londres: os limites da linha dura


Marcelo Justo - Correspondente da Carta Maior em Londres

Na Câmara dos Comuns o discurso da linha dura refletia a visão da maioria dos britânicos, horrorizados pelos distúrbios e saques dos últimos dias. Com seu pedido de condenações exemplares e expeditivas, o primeiro ministro David Cameron e o líder trabalhista Ed Milliband interpretavam um clamor generalizado. Na democracia, nada pior que os atos reflexos pavlovianos dos políticos.

Uma análise da realidade carcerária mostra que estas explosões não serão solucionadas com uma varinha mágica. Na Inglaterra e no País de Gales, a população carcerária supera já um recorde histórico com seus mais de 85 mil reclusos. Em 80 das 132 prisões na Inglaterra e no País de Gales há presos amontoados. A ideia de que a prisão recupera não condiz com os fatos. Cerca de 59% dos sentenciados com mais de 12 meses voltam a cometer delitos. Entre os que cumpriram mais de dez anos, a porcentagem de reincidência se eleva para 77%. A possibilidade de reabilitação quando a maioria dos detentos passa entre 16 e 22 horas encerrados em celas com até três pessoas não costuma ser muito grande. Faz sentido fazer essa população aumentar com as entre 1.500 e 3 mil pessoas detidas pelos recentes distúrbios?

Entre os que buscam uma reforma do sistema penal, há muitos que pensam que seria muito mais benéfico a aplicação de uma justiça reparadora. Segundo essa escola de pensamento, os saqueadores de lojas e casas deveriam encontrar-se frente a frente com suas vítimas para compreender o impacto de suas ações. Centenas de horas de trabalho comunitário poderiam ajudar a uma reabilitação de jovens e adolescentes que colocaram as suas vidas e as de outras pessoas no fio da navalha em momentos de vertigem e exuberância coletiva. Mas, no momento, a opinião pública mais visível exige castigos.

Um exemplo desta tendência foi a primeira petição que alcançou esta semana as 100 mil assinaturas exigidas pela lei para que a Câmara se veja obrigada a debater um tema. A petição exigia que se retirassem todos os benefícios sociais dos participantes dos distúrbios. Por sua parte, o governo e os municípios começaram a falar de tirar as moradas estatais subsidiadas de quem cometeu delitos similares. O castigo seria coletivo. Não importa que se trate de um adolescente que escapou da vigilância dos pais: a família inteira pode perder a casa.

Esta opinião pública não quer ouvir falar de problemas socioeconômicos ou culturais. Ed Milliband e o trabalhismo mencionaram este último aspecto, mas em último lugar como quem pede desculpas, temendo ser acusado de simpatizar com os distúrbios. O líder trabalhista começou recordando que o próprio primeiro ministro, quando estava na oposição, considerava que compreender um fenômeno era uma boa ideia, não para condená-lo, mas sim para lidar melhor com ele. “Este é um fenômeno muito complexo. Aqui temos um tema de responsabilidade de toda a nossa sociedade, de cima a baixo, incluindo os pais. E há um tema de esperança e aspiração. Temos que oferecer oportunidades que sirvam para evitar a ilegalidade”, disse Milliband.

Com muito menos limitação política, um comentarista do matutino The Guardian, Seumas Milne, criticou a criminalização do problema. “Se o que ocorreu esta semana é pura criminalidade e não tem nada a ver com a repressão policial, o desemprego juvenil, a desigualdade social ou a crise econômica, por que está ocorrendo agora e não há uma década? Por que ocorre nos bairros pobres?”, assinala Milne.

Tottenham, ponto de partida dos distúrbios no sábado passado, é a zona com o maior nível de desemprego de Londres e uma das dez mais pobres do Reino Unido. Com 75% de cortes no orçamento do bairro, desapareceram os clubes juvenis, essenciais durante o verão e as férias escolares. Com tanto tempo livre nas mãos, com uma desigualdade onde as receitas dos mais ricos cresceram 273 vezes mais que as dos mais pobres, em uma sociedade na qual o dinheiro se converteu em valor supremo, surpreende realmente que estes fatos ocorram?

O poder midiático
A maioria das pessoas não só se surpreende, mas se escandaliza. Os tabloides marcam o ritmo. O Daily Mirror, do poderoso grupo Trinity Mirror, qualificou os saqueadores como “bandos de descerebrados”. O Daily Mail os chamou de “anarquistas” e o The Sun, do grupo Murdoch, foi ampliando sua gama de adjetivos, passando de “oligofrênicos” e “gangsters” a “idiotas”. É de estranhar que entre a própria população tenham aparecido cartazes com a inscrição “Looters are Scum” (“Os saqueadores são lixo”)?

Tradução: Katarina Peixoto
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São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Detidos em Londres incluem criança e classe A

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Com mais de 1.500 presos e ao menos 500 indiciados ou sentenciados, começa a surgir o perfil dos envolvidos nas quatro noites de saques e vandalismos que atingiram Londres e cidades no centro do Inglaterra desde sábado.
A polícia diz que muitos dos tumultos foram organizados por líderes de gangues juvenis, mas entre os presos estão pessoas de 11 a 46 anos e até uma universitária de 19 anos que estudou numa boa escola e pertence a uma família de classe alta.

PRODUTOS SAQUEADOS
A polícia diz ter encontrado no carro de Laura Johnson produtos saqueados de um shopping no sul de Londres avaliados em 5.000 libras (cerca de R$ 13 mil).
Laura estudou na escola pública que ficou entre as quatro mais bem avaliadas do país, teve ótimas notas e agora frequenta cursos de inglês e italiano na Universidade de Exeter.

Ela nega o crime, foi liberada sob fiança, terá de usar localizador e está proibida de sair de casa das 19h às 6h ao menos até 21 de setembro, quando voltará a depor.
Em Nottingham, uma menina de 11 anos também foi ouvida por um juiz. Ela foi detida junto a um grupo de 40 menores atacando lojas e atirando pedras em policiais. Questionada, disse saber que o que tinha feito era errado, mas que foi incitada pelos demais a participar. O pai dela, presente na audiência, pediu que se desculpasse. Ela apenas sorriu. Os pais estão sendo responsabilizados pelo governo e também pela oposição por não controlarem os filhos e permitirem que participem de gangues e atos violentos.
Em Londres, uma jovem de 20 anos foi denunciada aos policiais pela própria mãe, que viu a imagem da filha na TV participando de um saque. Outra, de 14, foi levada à delegacia pelo tio.
Uma mulher de 24 anos resolveu se entregar após se arrepender de roubar uma TV. Disse que estava num McDonald's quando viu as pessoas invadindo uma loja e decidiu tirar proveito.
A polícia começou ontem a fazer buscas em casas, à procura de itens saqueados. Algumas pessoas foram presas em apartamentos no centro de Londres com roupas de lojas caras como Hugo Boss e Lacoste. As ações policiais, acompanhadas pela TV, e o trabalho da Justiça, que mantém expediente por 24 horas, pretendem passar a impressão de que não haverá impunidade e, com isso, evitar novas ondas de violência.
O primeiro-ministro David Cameron, que passou três horas respondendo a perguntas em uma sessão extraordinária do Parlamento, afirmou que o superpoliciamento em Londres irá continuar ao menos até domingo.
Há nas ruas 16 mil agentes, quando o normal são 3.000. Ele voltou a dizer que os "criminosos serão caçados e punidos". A oposição pediu revisão no corte de 20% no orçamento da polícia nos próximos quatro anos.
O governo recusa. Diz que é possível fazer os cortes e aumentar o total de policiais nas ruas com a redução da burocracia.

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