quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Batalha do Rio ( VII): Buscar a verdade



São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2010


Bandeiras de guerra

FERNANDO DE BARROS E SILVA

As imagens das bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro hasteadas no alto do Complexo do Alemão simbolizavam, ontem, a vitória das forças policiais e militares sobre o tráfico naquele território. Sim. Mas eram, também, imagens para consumo da mídia - nacional e sobretudo a internacional.
Estão em jogo, neste momento, a competência do país para sediar a Copa de 2014 e a do Rio para receber a Olimpíada em 2016.
Na sexta, o "Le Monde" dizia: "Violência acirra as dúvidas sobre a capacidade de o Brasil organizar a Copa e os Jogos". O "The Guardian" foi mais direto: "O Brasil está tentando limpar a cidade à beira-mar antes da Copa e dos Jogos Olímpicos". Nada como um jornal britânico para nos dizer as coisas...
Com tudo o mais atrasado, a "limpeza à beira-mar" talvez seja a primeira obra de infraestrutura do país a fim de viabilizá-lo aos interesses bilionários envolvidos nos jogos esportivos globais.
Ninguém seria louco de dizer que se trata, desta vez, de uma limpeza cosmética, para inglês ver. Nunca as forças repressivas do Estado haviam enfrentado os traficantes com tanta determinação e força organizada. Organizada demais para quem foi apanhado de surpresa.
Há coisas ainda muito mal esclarecidas nisso tudo. O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, disse anteontem que não havia nenhum indício de que a ordem para incendiar a cidade havia partido de dentro dos presídios de segurança máxima. Isso, no entanto, vem sendo repetido como fato inconteste.
Outro exemplo é o do suposto bilhetinho deixado como recado num dos ônibus incendiados: "Com UPP não há Olimpíada". Você acredita que um traficante escreveria isso?
Seria muito impatriótico perguntar a quem interessaria o pânico que se instalou no Rio? E estranhar que isso tenha ocorrido logo após as eleições? São dúvidas e desconfianças que fariam bem ao jornalismo que não deve favores a Sérgio Cabral e busca a verdade.
.....



"O Estado criou estes caras''

Entrevista com Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do Rio


Hélio Luz, radicado em Porto Alegre, sua cidade natal e onde residem familiares, o ex-chefe de polícia do Rio de Janeiro (de 1995 a 1997, durante o governo de Marcello Alencar) Hélio Luz acompanha com interesse a situação do Rio. Delegado aposentado, Luz dirigia a Polícia Civil do Rio quando agentes prenderam o traficante Marcio Nepomucemo, o Marcinho VP, apontado como um dos líderes do tráfico no Complexo do Alemão – para onde fugiram bandidos armados expulsos da Vila Cruzeiro, na última quinta-feira.
A reportagem e a entrevista é de Carlos Etchichury e publicada pelo jornal Zero Hora, 28-11-2010.
A imagem de jovens esfarrapados, armados com fuzis, escopetas, metralhadoras e pistolas, não surpreende Hélio Luz.
O Estado nunca teve uma política de segurança de médio ou longo prazo. O Estado sempre atuou com uma política de segurança imediata – diz.
Eis a entrevista.
Como funciona o comando do tráfico no Complexo do Alemão?
Ele é diferente das demais favelas. É preciso voltar no tempo. Um dos fundadores do Comando Vermelho (CV), Rogério Lemgruber, o Bagulhão, foi preso na Ilha Grande, na época da ditadura, e conviveu com presos políticos.
Qual a influência da convivência com os presos políticos?
Quando ele saiu da Ilha Grande, começou a se organizar e se juntou com outros líderes. Um deles era o Orlando Jogador, que era do Complexo do Alemão. O Comando Vermelho começou a tomar o espaço de outras favelas, mudando a relação com a comunidade. O pessoal que assumia não tinha respeito com a população, porque era de outra área. O Orlando Jogador cresceu naquela área até ser morto, em 1994. Em seu lugar, assumiu o Marcinho Nepomucemo, o Marcinho VP (Vila da Penha), que era o braço direito do Orlando. Ele era da comunidade, e isso fez toda diferença (mesmo preso, Marcinho VP continua dominando o Complexo do Alemão).
As imagens da Rede Globo o surpreendem?
É uma situação antiga. Esta formação não foi feita em dois anos, cinco anos. Ela foi feita ao longo de 30 anos. Eles conseguem se sustentar no Complexo do Alemão, diferentemente de outras áreas, porque são de lá. Eles conhecem bem o terreno e a comunidade. Mas eles não constituem exército, milícia, coisa nenhuma. É um bando de garotos que não têm nada na cabeça. O fato de eles fugirem juntos supõe algum nível de organização de enfrentamento. Mas não têm.
Qual foi o momento em que o Estado perdeu o controle da situação?
O Estado nunca teve uma política de segurança de longo prazo. Nem de médio prazo. O Estado sempre operou com política de segurança de resultados.duas causas para o que nós estamos vendo. Uma, mais remota, e mais grave, que é a questão social. Outra, mais próxima, é restrita à área de segurança.
A impressão é de que se trata de um grupo organizado.
Quando ocorre esta ação espetacular, você pensa que o Estado venceu e que nós estamos derrotando um inimigo. Mas eles não são inimigos do Estado, eles são integrantes do Estado, mas foram marginalizados. O Estado criou estes caras. É produto direto do que nós fizemos. Num nível mais direto da segurança é resultado da corrupção das polícias do Rio.
A polícia do Rio é corrupta como mostrou os filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite II?
É muito mais. Se fosse como o filme, seria ótimo. O grande problema é quantas vezes estes garotos foram presos e soltos? Foram para delegacia e liberados? Nem fichados são. Por quê? Porque tem acerto. Eles existem pela permissividade da polícia. Além disso, há questões de fundo. Eles prendem estes 200 que nós vimos fugindo, mas vão colocar aonde? E os outros, sei lá, 20 mil que têm no complexo com a idade deles? Tem política para eles? Vai ser proporcionada uma vida decente para eles? Como será feita a manutenção da área ocupada?
Qual a opinião do senhor sobre as UPPs?
É interessante. Eu não entendo por que colocam recrutas para montar UPPs. Eles dizem que, na média, são uns 200 recrutas com um oficial. Nas 14 UPPs dá algo em torno de 2,8 mil recrutas, 3 mil recrutas. Então, 3 mil recrutas estão resolvendo a situação da criminalidade no Rio? Tem um contingente de 40 mil policiais, mais 10 mil na Polícia Civil, que não resolveram o problema da criminalidade. É isso que estão dizendo? Se é isso, estão confirmando que o problema é corrupção.
Qual a solução para o Rio?
Luz – É desconcentração de renda. Quem tem de dar palpite sobre a segurança no Rio é aquele professor de Pernambuco, o Mozart Neves (ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, integrante do movimento Educação para Todos). O negócio é educação. Não tem saída.
O senhor já participou de grandes operações no Complexo do Alemão?
Já participei de operações, mas não de grandes operações. Não precisa. Claro que agora, com essa situação, são necessárias mobilizações. Mas os principais vagabundos do Rio foram presos sem dar um tiro. Tu prende o cara no asfalto.
Esta é a situação mais crítica do Rio?
Em 1994, havia 140 pessoas sequestradas no Rio. O problema era muito sério. Os empresários, na época, queriam sair do Rio. Eles faziam seguro com empresas americanas para ter segurança na cidade. Foi um período de caos. Acabou o sequestro no Rio. Por que acabou? Porque a polícia antissequestro parou de sequestrar.
.....


São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010


Não haverá vencedores  

MARCELO FREIXO

Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.

Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.
As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.
O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.
Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.
Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.
Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?
É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.
Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna "guerra" entre o bem e o mal.
Como o "inimigo" mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da "guerra", enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.
É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.
O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.
Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de "guerra"- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.
Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário...

MARCELO FREIXO, professor de história, deputado estadual (PSOL-RJ), é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
.....
São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

CONFRONTO NO RIO

Tráfico "emprega" 16 mil no Rio, diz estudo  

PLÍNIO FRAGA
JANAINA LAGE
DO RIO
 
O tráfico emprega na cidade do Rio 16 mil pessoas, vende mais de cem toneladas de droga e arrecada R$ 633 milhões por ano, aponta estudo que dimensionou essa economia subterrânea.
Ou seja, gera tantos empregos quanto a Petrobras na capital fluminense, arrecada o mesmo que o setor têxtil no Estado e vende o equivalente a cinco vezes mais do que o total de apreensão anual de cocaína pela Polícia Federal em todo o país.
O economista e professor do Ibmec-RJ Sérgio Ferreira Guimarães, subsecretário da Adolescência e Infância da Secretaria de Estado de Ação Social, usou pesquisas de consumo de entorpecentes, custos médios da venda de droga no varejo e no atacado calculados pela ONU e projeções de ocupação de mão de obra em favelas para fazer uma contabilidade simulada do tráfico: faturamento de R$ 317 milhões (versão mais conservadora ) a R$ 633 milhões por ano (teto imaginado a partir dos números de que dispõe).
Esse dinheiro vem da venda de nove toneladas de cocaína, 90 toneladas de maconha e quatro toneladas de crack, num total de 103 toneladas de drogas por ano, segundo cálculos de consumo declarado em pesquisas.
O tráfico emprega na cidade um exército de 16 mil pessoas. O pesquisador chegou a esse número a partir de um estudo da ONG Observatório de Favelas sobre a participação no tráfico de jovens residentes em comunidades e projeções da polícia.
Desde domingo passado, o Rio vive uma onda de arrastões e incêndios criminosos que levaram as polícias Civil, Militar e Federal e as Forças Armadas a ocupar parte do Complexo da Penha e a cercar o Complexo do Alemão, considerados a principal base logística e de venda de drogas da facção criminosa Comando Vermelho.
O Complexo do Alemão representa a principal fonte de renda do mercado de droga hoje no Rio, com faturamento anual estimado em R$ 8 milhões pela polícia.
O Estado do Rio gasta com segurança pública cinco vezes mais do que o tráfico de drogas fatura na capital. O governo estadual despendeu com segurança no ano passado R$ 4,096 bilhões. Calcula precisar de R$ 4 bilhões a mais para estender o projeto de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) das 13 atuais para 40 nos próximos anos.
Em sua análise, Guimarães aponta que, descontando custos como "folha salarial" do tráfico e perdas de drogas e armas apreendidas, chega-se a um lucro presumível entre R$ 26 milhões, em um cenário conservador, e R$ 236 milhões, em um cenário mais agressivo.
"A oferta de serviços "piratas" por traficantes (gás, transporte clandestino, etc.) sugere que a lucratividade do tráfico não seja tão grande.
Ajuda a explicar a ênfase dos traficantes em manter o controle territorial de certas áreas, onde o crime passa a controlar serviços que vão da eletricidade à TV a cabo
", afirma o economista.
O estudo sugere que tornar a operação do tráfico mais cara é o caminho para a repressão policial.
"A apreensão de armas afeta a demanda pela droga, por aumentar seu preço em razão do custo adicional que cria pela necessidade de reposição do arsenal do tráfico. A ação tende a facilitar a identificação de fornecedores, restringindo a oferta", escreve ele. "O aumento do custo da operação do negócio também reduz o excedente operacional do comércio e portanto a remuneração dos que dele participam, diminuindo o estímulo da "carreira" do tráfico."

Nenhum comentário:

Postar um comentário