Folha de São Paulo, 10/12/2010
Lisbeth Salander e os "wikihackers"
ELIO GASPARI
OS MAGANOS da Amazon, do Mastercard, da Visa e do PayPal tentaram asfixiar o WikiLeaks e foram surpreendidos por uma revolta que juntou dezenas de milhares de micreiros, atacou seus portais e derrubou alguns deles.
Na Holanda, foi preso um "wikihacker". Tem 16 anos.
À força dos poderosos contrapôs-se a mobilização dos teclados da internet. O mundo do sucesso cibernético produziu figuras legendárias como Steve Jobs e Mark Zuckerberg, mas os "wikihackers" vêm de outro universo, onde há algo de transgressor. Por mais que haja "wikihackers" pensando em virar Jobs ou Zuckerberg, quem eles admiram mesmo é Lisbeth Salander.
Com seis piercings só na cabeça e um dragão tatuado nas costas, ela é a micreira antissocial, introspectiva e malvada dos romances do sueco Stieg Larsson, autor da trilogia "Millenium" (25 milhões de livros vendidos). Salander foi magistralmente interpretada por Noomi Rapace no filme "Os homens que não amavam as mulheres".
Gótica, cerebral e emburrada, come o pão que o diabo amassou, mas seus trocos são dolorosos. Uma das desforras faz do Capitão Nascimento um pacifista. A barreira do seu individualismo só é removida quando liga o computador, com o qual faz o que quer.
Ambígua até na sexualidade, Salander não é uma personagem que estimule a clonagem, mas todo hacker tem um pouco de Lisbeth.
A prosperidade dos anos 50 e a fé no poder da tecnologia ajudaram o escritor Ian Fleming a construir a figura de James Bond. O poder que a gregariedade da internet dá hoje ao individualismo criou os "wikihackers" e Lisbeth Salander.
Bond deixou atrás de si alguns tiques, um modelo de pasta e mais nada. O ataque aos portais da Amazon, do Mastercard, da Visa e do PayPal ensinou a essas empresas onipotentes que atrás de cada monitor não está apenas um freguês.
Na Holanda, foi preso um "wikihacker". Tem 16 anos.
À força dos poderosos contrapôs-se a mobilização dos teclados da internet. O mundo do sucesso cibernético produziu figuras legendárias como Steve Jobs e Mark Zuckerberg, mas os "wikihackers" vêm de outro universo, onde há algo de transgressor. Por mais que haja "wikihackers" pensando em virar Jobs ou Zuckerberg, quem eles admiram mesmo é Lisbeth Salander.
Com seis piercings só na cabeça e um dragão tatuado nas costas, ela é a micreira antissocial, introspectiva e malvada dos romances do sueco Stieg Larsson, autor da trilogia "Millenium" (25 milhões de livros vendidos). Salander foi magistralmente interpretada por Noomi Rapace no filme "Os homens que não amavam as mulheres".
Gótica, cerebral e emburrada, come o pão que o diabo amassou, mas seus trocos são dolorosos. Uma das desforras faz do Capitão Nascimento um pacifista. A barreira do seu individualismo só é removida quando liga o computador, com o qual faz o que quer.
Ambígua até na sexualidade, Salander não é uma personagem que estimule a clonagem, mas todo hacker tem um pouco de Lisbeth.
A prosperidade dos anos 50 e a fé no poder da tecnologia ajudaram o escritor Ian Fleming a construir a figura de James Bond. O poder que a gregariedade da internet dá hoje ao individualismo criou os "wikihackers" e Lisbeth Salander.
Bond deixou atrás de si alguns tiques, um modelo de pasta e mais nada. O ataque aos portais da Amazon, do Mastercard, da Visa e do PayPal ensinou a essas empresas onipotentes que atrás de cada monitor não está apenas um freguês.
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Legislação sueca complica vida de Assange
GUSTAVO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O pedido de prisão contra Julian Assange é baseado em um suposto crime sexual contra duas suecas, mas até agora não se sabe exatamente do que ele é suspeito.
Assange confirma ter feito sexo com elas, mas de forma consensual, embora diga ter se recusado a usar preservativo. Se realmente a questão for apenas a falta da camisinha, o debate pode ser mais complexo do que parece.
A Suécia possui uma das leis mais severas contra crimes sexuais no mundo. Enquanto no Brasil só a violência ou a grave ameaça caracteriza um estupro, lá existem várias gradações de atos que constituem estupro, com penas distintas.
Forçar alguém com violência ou grave ameaça a fazer sexo gera uma pena que varia de dois a seis anos. Se as circunstâncias causam grave dano físico, expõem a vida da vítima a risco iminente, ou o acusado usa de especial brutalidade, o crime passa a ser considerado grave, e a pena sobe para até dez anos.
Se a violência ou a ameaça não é grave, ou o ato é menos grave, ele continua sendo um estupro, mas a pena cai para o máximo de quatro anos.
Mas não é necessariamente isso que aconteceu.
Tanto o mandado da Interpol em nome da promotoria de Gotemburgo quanto o mandado europeu falam apenas de "crimes sexuais", o que não é necessariamente estupro.
O Código Penal sueco possui vários crimes sexuais, inclusive a "coerção sexual", definida como "engajar em uma relação sexual de forma coercitiva que não constitua um estupro", dando margem para uma variedade de interpretações. A pena pode chegar a quatro anos.
E é aí que a coisa se complica, pois Claes Borgstrom, advogado das supostas vítimas, não deixou claro qual a alegação contra Assange. Ele diz apenas, conforme a BBC, que se trata de um crime com pena de até quatro anos, o que, na prática, pode ser tanto um estupro quanto uma coerção sexual.
O mandado foi expedido pela promotoria não porque já haja uma acusação formal contra Assange, mas porque ele não compareceu à audiência preliminar na qual seria ouvido.
O problema para Assange é que o Código de Processo sueco autoriza a justiça a ordenar que ele fique preso até o julgamento, se o caso for levado adiante.
GUSTAVO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O pedido de prisão contra Julian Assange é baseado em um suposto crime sexual contra duas suecas, mas até agora não se sabe exatamente do que ele é suspeito.
Assange confirma ter feito sexo com elas, mas de forma consensual, embora diga ter se recusado a usar preservativo. Se realmente a questão for apenas a falta da camisinha, o debate pode ser mais complexo do que parece.
A Suécia possui uma das leis mais severas contra crimes sexuais no mundo. Enquanto no Brasil só a violência ou a grave ameaça caracteriza um estupro, lá existem várias gradações de atos que constituem estupro, com penas distintas.
Forçar alguém com violência ou grave ameaça a fazer sexo gera uma pena que varia de dois a seis anos. Se as circunstâncias causam grave dano físico, expõem a vida da vítima a risco iminente, ou o acusado usa de especial brutalidade, o crime passa a ser considerado grave, e a pena sobe para até dez anos.
Se a violência ou a ameaça não é grave, ou o ato é menos grave, ele continua sendo um estupro, mas a pena cai para o máximo de quatro anos.
Mas não é necessariamente isso que aconteceu.
Tanto o mandado da Interpol em nome da promotoria de Gotemburgo quanto o mandado europeu falam apenas de "crimes sexuais", o que não é necessariamente estupro.
O Código Penal sueco possui vários crimes sexuais, inclusive a "coerção sexual", definida como "engajar em uma relação sexual de forma coercitiva que não constitua um estupro", dando margem para uma variedade de interpretações. A pena pode chegar a quatro anos.
E é aí que a coisa se complica, pois Claes Borgstrom, advogado das supostas vítimas, não deixou claro qual a alegação contra Assange. Ele diz apenas, conforme a BBC, que se trata de um crime com pena de até quatro anos, o que, na prática, pode ser tanto um estupro quanto uma coerção sexual.
O mandado foi expedido pela promotoria não porque já haja uma acusação formal contra Assange, mas porque ele não compareceu à audiência preliminar na qual seria ouvido.
O problema para Assange é que o Código de Processo sueco autoriza a justiça a ordenar que ele fique preso até o julgamento, se o caso for levado adiante.
GUSTAVO ROMANO é fundador do projeto Para Entender Direito (www.ParaEntenderDireito.org) e fez mestrado em direito em Harvard
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