sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

WikiLeaks (Cablesgate) ( XXIII ): Santo Isidoro de Sevilha

















 
 
Jornal do Brasil, 10/12/2010

 

O mundo, depois de Julian Assange

Por Mauro Santayana

O presidente Lula e o primeiro-ministro Putin tiveram o mesmo discurso, ontem, em defesa de Julian Assange, embora com argumentos diferentes. Lula foi ao ponto: Assange está apenas usando do velho direito da liberdade de imprensa, de informação. Não cabe acusá- lo de causar danos à maior potência da História, uma vez que divulga documentos cuja autenticidade não está sendo contestada. Todos sabem que as acusações de má conduta em relacionamento consentido com duas mulheres de origem cubana, na Suécia, são apenas um pretexto para imobilizá-lo, a fim de que outras acusações venham a ser montadas, e ele possa ser extraditado para os Estados Unidos.
O que cabe analisar são as consequências políticas da divulgação dos segredos da diplomacia ianque, alguns deles risíveis, outros extremamente graves. Ontem, em Bruxelas, o chanceler russo Sergei Lavrov comentava revelações do WikiLeaks sobre as atitudes da Otan com relação ao seu país: enquanto a organização, sob o domínio de Washington, convidava a Rússia a participar da aliança, atualizava seus planos de ação militar contra o Kremlin, na presumida defesa da Polônia e dos países bálticos. Lavrov indagou da Otan qual é a sua posição real, já que o que ela publicamente assume é o contrário do que dizem seus documentos secretos. Moscou foi além, ao propor o nome de Assange como candidato ao próximo Prêmio Nobel da Paz.
O exame da história mostra que todas as vezes que os suportes da palavra escrita mudaram, houve correspondente revolução social e política. Sem Gutenberg não teria havido o Renascimento; sem a multiplicação dos prelos, na França dos Luíses, seria impensável o Iluminismo e sua consequência política imediata, a Revolução Francesa. A constatação do imenso poder dos papéis impressos levou a Assembleia Constituinte aprovar o artigo XI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, logo no início da Revolução, em agosto de 1789. O dispositivo do núcleo pétreo da Constituição determina que todo cidadão tem o direito de falar, escrever e imprimir com toda liberdade. As leis punem os que, mentindo, atingem a honra alheia. A liberdade de imprensa, sendo dos cidadãos, é da sociedade. Das sociedades nacionais e, em nossa época de comunicações eletrônicas e livres, da sociedade planetária dos homens.
É surpreendente que, diante dessa realidade irrefutável, jornalistas de ofício queiram reivindicar a liberdade de imprensa (vocábulo que abarca, do ponto de vista político, todos os meios de comunicação) como monopólio corporativo. A internet confirma a intenção dos legisladores franceses de há 221 anos: a liberdade de expressão é de todos, e todos nós somos jornalistas. Basta ter um endereço eletrônico. As pesadas e, relativamente caras, máquinas gráficas do passado são hoje leves e baratíssimos note-books, e de alcance universal.
É sempre citável a observação de Isidoro de Sevilha, sábio que marcou o sétimo século, a de que “Roma não era tão forte assim”. Bradley Manning e Julian Assange estão mostrando que Washington – cujo medo é transparente em seus papéis diplomáticos – não é tão poderosa assim. É interessante registrar que o nome de Santo Isidoro de Sevilha está sendo sugerido, por blogueiros católicos, como o padroeiro da internet.
Os jornalistas devem acostumar-se à ideia de renunciar a seus presumidos privilégios. Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, e ser cidadão é muito mais do que ser jornalista. São esses cidadãos que, na mesma linha de Putin e Lula, se mobilizam, na ágora virtual, para defender Assange, da mesma forma que se mobilizaram em defesa da mulher condenada à morte por adultério. O mundo mudou, mas nem todos perceberam essa mudança.
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São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Editoriais

editoriais@uol.com.br  
Caça ao WikiLeaks

Está em curso uma cruzada de governos e empresas internacionais contra o WikiLeaks . O site, que existe desde 2007, ganhou fama em meados deste ano ao divulgar um vídeo que mostrava militares norte-americanos fuzilando iraquianos de um helicóptero.
No dia 28 de novembro, um domingo, sua página na internet iniciou a publicação de 251.288 despachos relativos a 274 representações diplomáticas dos EUA. Os "cables" revelam a opinião da diplomacia norte-americana sobre líderes mundiais e trazem à tona informações inéditas sobre a política internacional.
Entre outras revelações, soube-se que a secretária de Estado Hillary Clinton determinou a espionagem de membros da cúpula das Nações Unidas e que os Estados Unidos lançaram mísseis contra o que seriam alvos da Al Qaeda no Iêmen, provocando a morte de 200 civis e 40 terroristas.
Os vazamentos causaram fortes reações de governantes e deflagraram uma caçada ao australiano Julian Assange. Procurado pela Interpol, sob acusação de supostos crimes sexuais praticados na Suécia, o fundador do site entregou-se à Justiça britânica na terça.
A perseguição parece relacionada ao intuito de silenciar um novo meio de divulgar informações que ganhou uma inesperada projeção internacional e tornou-se um incômodo para governos de diversos países.
Espécie de caixa postal criada na rede mundial de computadores para receber e divulgar documentos secretos, o site WikiLeaks não é um órgão propriamente jornalístico, embora conte com profissionais da mídia para avaliar o material que recebe e mantenha acordos com veículos impressos - entre os quais o britânico "Guardian", o norte-americano "The New York Times" e esta Folha, que tem divulgado os "cables" relativos ao Brasil.
O caráter ambíguo do WikiLeaks, aliado à sua inexistente tradição -não há histórico consolidado de seus valores e comportamentos-, gera desconfiança sobre a possibilidade de o site vir a colocar em risco a segurança internacional e a vida de pessoas.
Essas incertezas possivelmente contribuem para as hesitações que se observam em setores que deveriam defender com vigor a liberdade de expressão e o direito da mídia, tradicional ou não, de divulgar informações reservadas.
Quanto a isso, há jurisprudência nos EUA, onde a Suprema Corte, em 1971, decidiu a favor do jornal "The New York Times" contra o governo de Richard Nixon, que determinara censura prévia para impedir a publicação dos chamados Papéis do Pentágono. O tribunal estabeleceu que o governo não pode obstar a publicação de notícias que considere lesivas à segurança ou aos objetivos nacionais.
Num mundo em que governos democráticos inventam mentiras para invadir países, vazamentos como os do WikiLeaks prestam um serviço ao esclarecimento e à verdade. Se a diplomacia exige sigilo, que seus responsáveis o mantenham com eficiência.
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São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

ONU sai em defesa de dono do WikiLeaks

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

A ONU elevou ontem o tom da polêmica sobre o cerco ao WikiLeaks, com a alta comissária para direitos humanos classificando a pressão contra empresas ligadas ao site como tentativa de censura.
Para a comissária, Navi Pillay, o conjunto de ações para cortar laços do WikiLeaks com prestadoras de serviços -entre outros, Amazon, Visa, MasterCard e PayPal- pode ser interpretado como tentativa de impedir o site de publicar, o que viola o direito à liberdade de expressão.
Pillay não nomeou supostos responsáveis pela pressão, mas acredita-se que ela venha do governo dos EUA.
O WikiLeaks divulga gradualmente desde o dia 28 mais de 250 mil despachos sigilosos de diplomatas americanos. A ação enfureceu os EUA, que investigam criminalmente o site e estudam processar o seu criador com base em leis de espionagem.
Julian Assange está atualmente preso em Londres e pode ser extraditado para a Suécia devido a processo por crimes sexuais. Ontem, Assange foi transferido a uma seção especial da prisão, de acesso ainda mais restrito.
Segundo fontes diplomáticas, Washington já conversa informalmente com autoridades suecas sobre a possibilidade de transferir Assange para custódia americana.
A ideia é julgá-lo nos EUA por crimes ligados a espionagem, mas há muita incerteza sobre como o processo seria feito -nenhuma lei americana atual se aplica ao caso.
Enquanto isso não ocorre, críticos resolveram tentar calar o site de outras maneiras.
A Amazon parou de hospedar o site, e Visa e MasterCard impediram transferências a ele com seus cartões.
Pillay se disse muito preocupada. "Se o WikiLeaks cometeu algum ato reconhecidamente ilegal, então isso deve ser abordado pelo sistema legal, não por pressão e intimidação a terceiros."
Para a comissária da ONU, a crise expôs a necessidade de países protegerem o direito ao compartilhamento livre de informações, como exigido por leis internacionais.

"CIBERGUERRA"
Na rede mundial, hackers deram sequência às ações contra empresas que aderiram ao cerco ao WikiLeaks, travando disputas que para alguns configura uma "ciberguerra" ou "guerra virtual".
Os ativistas ganharam milhares de novos adeptos e estabeleceram como os novos alvos a Amazon, que na semana passada parou de hospedar o WikiLeaks, o site de pagamentos on-line PayPal e o site do governo da Suécia.
Segundo a BBC, foram registrados apenas ontem 31 mil downloads do programa que utilizado para "voluntariar" um computador a fazer parte da onda de ataques.
A ação conhecida como "negação de serviço" (DDoS, na sigla em inglês) consiste na inundação de um site com milhares de pedidos de acessos simultâneos, tornando-a instável ou tirando-a do ar.
Ontem, no entanto, os ataques não surtiram o efeito da véspera, quando as páginas das empresas Mastercard e Visa, que cancelaram os pagamentos ao WikiLeaks, caíram em meio a sobrecarga.
No final do dia, hackers do grupo Anonymous -que tem coordenado as ações- admitiram ainda não ter condição de derrubar a Amazon e prometeram priorizar o PayPal.
Segundo a agência France Presse, a empresa reativou ontem a conta do WikiLeaks, desbloqueando os seus fundos, mantendo, no entanto, restrições a novas doações.
O site do governo da Suécia, país que emitiu pedido de prisão contra Assange por crimes sexuais, chegou a ficar fora do ar por algumas horas, mas depois voltou.
Já a rede social Facebook justificou a decisão de suspender o perfil da "Operação Payback" -como os ataques são chamados-, alegando que a página estava sendo utilizada para divulgar o programa usado para ações.
Na Holanda, um adolescente de 16 anos foi preso, suspeito de envolvimento com os ataques virtuais. A Promotoria holandesa não identificou o detido.

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Caça a site e fundador provoca críticas ao "país das liberdades"

DO "NEW YORK TIMES"

O cerco ao WikiLeaks liderado pelos EUA, autoproclamados bastiões da liberdade e da democracia, já motivou duras críticas quanto a uma suposta hipocrisia e arrogância imperial, até entre alguns países aliados na Europa.
Embora o governo americano ainda não tenha feito acusações formais contra o fundador do WikiLeaks -o que deverá fazer-, as críticas a Julian Assange e ao site vão de "terrorismo" a "ataque à comunidade internacional".
Para John Naughton, que escreve no "Guardian" -um dos veículos a receber vazamentos que constrangeram a Casa Branca-, "é uma deliciosa ironia que as assim chamadas democracias liberais estejam clamando pelo fechamento do WikiLeaks".
Há cerca de um ano, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, fez apaixonado discurso em defesa da liberdade na internet em resposta à ações do governo da China contra o Google.
"Mesmo em países autoritários, redes de informação têm ajudado pessoas a descobrir novos fatos e feito governos mais transparentes", afirmou Hillary, no que para Naughton parece aos olhos de hoje mais uma "sátira".
A pressão dos EUA, que para muitos motivou ações de empresas contra o WikiLeaks, foi ainda criticada por jornais na Alemanha e França e pelo governo russo.
"É como dizem: vaca dos outros pode mugir, já as nossas devem ficar quietas", disse o premiê Vladimir Putin.

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