quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Batalha do Rio ( III ): Não ceder ao pânico (Santayana)



Não ceder ao pânico

Jornal do Brasil, 26/11/2010
 
Por Mauro Santayana

O que de pior pode acontecer ao Rio, nestas horas, é a entrega da cidade ao pânico. A resposta aos atos de violência, ainda que enérgica, não pode sair do controle e atingir, como é comum nessas operações, a população, inerme entre os dois fogos. Os delinquentes não escolhem os alvos, mas a polícia é obrigada a selecioná-los. Não é fácil, mas é necessário.

A ação policial só será eficaz se contar com o apoio dos cidadãos. Do contrário, os criminosos passarão a ser vistos como vítimas e heróis, como já ocorreu algumas vezes. Daí a necessidade de agir com firmeza e prudência. Os blindados não podem entrar nas favelas atirando a esmo, usando da mesma tática de terror que utilizam os outros.

O governo do Estado está empregando todos os seus recursos policiais e militares, nessa operação de emergência. Se a situação exigir, não lhe faltará a solidariedade federativa, com a ajuda da Polícia Militar dos estados vizinhos, mas é erro político grave empregar tropas federais, como já está ocorrendo, com a presença de fuzileiros navais nas operações.
As Forças Armadas existem para combater inimigos externos e, no limite, reprimir movimentos que ameacem a integridade nacional. Elas são preparadas para usar de todos os meios bélicos para vencer o inimigo. O objetivo militar é o aniquilamento das forças contrárias, e a ocupação do território – de acordo com as convenções internacionais.

Nas operações policiais, outra deve ser a conduta: o objetivo policial é a proteção dos cidadãos e das comunidades. A morte dos criminosos só é admitida quando inevitável, e decorrer de resistência armada.

As Forças Armadas devem preservar-se dos confrontos civis. A sua eficiência na defesa da pátria depende do afeto respeitoso que lhes dedique a nação inteira. Elas sabem do mal que lhes causaram as operações de natureza policial contra os brasileiros que se alçaram contra a ditadura. Restauradas em sua finalidade constitucional, necessitam ser poupadas de mais uma situação traumática, como a desse passado que rejeitamos.

Há outro problema político sério, nesse confronto: o da confiança internacional na segurança da cidade. Os dois principais e próximos eventos esportivos do mundo – a Copa de Futebol e os Jogos Olímpicos – estão programados para se realizarem no Brasil e, principalmente, no Rio. A repercussão está sendo imediata, com o cancelamento de viagens turísticas deste fim de ano. Se não houver solução duradoura, ou seja, política para a pacificação da cidade, os prejuízos serão incalculáveis.

Uma das leituras para esses fatos, é, sim, aterrorizante: a de que eles justificariam o aumento das verbas destinadas à segurança durante a Copa e os Jogos Olímpicos. Empresas privadas nacionais e internacionais de segurança pretendem firmar contratos milionários com o governo e com as entidades patrocinadoras dos eventos, a fim de garantir – como ocorre nas guerras americanas – a incolumidade das personalidades mais importantes, brasileiras ou estrangeiras durante os jogos. Nesse caso, mesmo que não tenha sido encomendado, o vandalismo dos traficantes está servindo a outro objetivo repulsivo.

As autoridades são chamadas a investigar a fundo todas as causas imediatas da ação coordenada dos executores desses atos de banditismo, mas não podem ignorar os grandes interesses que movem o chamado “crime organizado”. Por detrás de tudo isso há uma inteligência articulada, bem distante dos morros e dos presídios de onde, aparentemente, teriam vindo as instruções operativas. Para o Estado, encontrar essa origem é uma questão de honra. Mais importante, no entanto, é se fazer presente com seus equipamentos sociais, e reconhecer a condição humana dos moradores dos morros. 
 
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São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2010


Editoriais

Tropa de elite


Os complexos de favelas da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, são apontados por especialistas e autoridades como as principais cidadelas do narcotráfico na cidade. Ocupá-las de maneira permanente, restituindo à sociedade o território controlado pelas quadrilhas de narcotraficantes, é uma etapa crucial -e provavelmente a mais desafiadora- da atual política de segurança do governo fluminense.
Ao que tudo indica, a recente onda de vandalismo, com arrastões, assaltos e automóveis incendiados em diversos pontos da cidade, precipitou uma batalha que, em condições normais, as autoridades teriam preferido deixar para uma etapa posterior.
O sucesso inicial da implantação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em áreas antes tomadas por grupos armados determina, também, as condições da atual operação de cerco a marginais naquelas comunidades. Não é mais aceitável a antiga prática policial de invadir bairros pobres, matar criminosos e inocentes e bater em retirada.
Uma fração do complexo da Penha, a Vila Cruzeiro, foi ocupada nesta semana. É preciso que a representação do Estado, por meio de forças policiais e serviços, uma vez expulsos os bandidos, lá se estruturem e permaneçam -sob pena de perder-se o apoio angariado com a operação.
Faltam, no entanto, homens e equipamentos em quantidade suficiente para conciliar a expansão da polícia comunitária em favelas com novas incursões de perseguição a traficantes.
É o que tornou indispensável o apoio das Forças Armadas, requisitado pelo governo do Rio. Além de blindados cedidos pela Marinha, cerca de 800 soldados do Exército foram ontem deslocados para as imediações do complexo do Alemão. Sua tarefa é controlar os acessos às favelas e restringir a movimentação dos traficantes.
Atuações desse tipo estão previstas na legislação brasileira. O recurso às Forças Armadas no combate ao crime dentro do país pode ser feito "em atribuições subsidiárias" e em intervenções "episódicas", por tempo limitado.
O apelo emergencial ao Exército nesta semana no Rio de Janeiro é mais do que compreensível. Mas há fortes motivos para evitar que as Forças Armadas se envolvam em operações típicas de polícia no combate ao tráfico.
São graves os riscos provocados pelo contato diuturno com o crime organizado. Não se pode excluir a possibilidade de que as quadrilhas, que lograram corromper parte da polícia, exerçam efeito semelhante sobre a hierarquia militar. As consequências de uma eventual contaminação desse tipo podem ser desastrosas.
Diante de tal ameaça, é urgente transformar a Força Nacional de Segurança Pública em corpo permanente. Essa espécie de PM federativa é integrada sobretudo por policiais cedidos por governos estaduais, mobilizados em emergências. Apesar de já contar com um contingente fixo, ainda falta muito para transformá-la em uma tropa de elite atuante.
É preciso fazê-lo.

Seria o recurso apropriado para apoiar a atual estratégia de segurança no Rio - e intervir em situações análogas, sempre que necessário, em território nacional.

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Jornal do Brasil, 27/11/2010

Conflito no Rio: a paciência deve preceder o ataque final

Editorial

O temido e  emblemático complexo de favelas do Alemão está cercado pela polícia, com o fundamental apoio de militares das três forças armadas e da Polícia Federal. Lá dentro, centenas de bandidos com armas de guerra aguardam o conflito final, que vai varrer dali o domínio de quadrilhas que já dura décadas. As imagens dos bandidos da vizinha Vila Cruzeiro fugindo em desabalada carreira ante a chegada dos blindados da PM e da Marinha deve ter deixado os comparsas do Alemão ainda mais atemorizados.
Ao lado de vários generais, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e do secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, o governador do Rio, Sérgio Cabral, disse ontem que não há mais volta. A ousadia dos bandidos de levar pânico à população do Rio, queimando veículos nas ruas da cidade, vai antecipar o fim de suas carreiras errantes no crime. Ao protestarem contra as Unidades de Polícia Pacificadora, as duas principais facções do banditismo fluminense ensaiaram um pacto de não agressão. Porém, como dizem os apresentadores de programas policiais popularescos, “vão morrer abraçados”.
Não há como bandidos do varejo das drogas e dos assaltos resistirem ao poder constituído. Podem, no máximo, provocar algumas baixas nas forças legalistas, e cabe aos comandantes destas programarem suas ações a ponto de reduzir ao nível mínimo as perdas humanas.
O cerco ao Alemão está armado. Manda o bom-senso estratégico que a invasão não seja feita às pressas. Melhor deixar os bandidos gastarem munição em tiros inócuos, como fizeram ontem o dia inteiro, e elevar o estresse deles ao limiar do insuportável. No momento certo, haverá a invasão. Tudo estaria caminhando muito bem se não houvesse na linha de tiro cerca de 400 mil pessoas, 95% delas honestas, homens, mulheres e crianças que vivem naquele covil do crime por absoluta falta de opção.
Preservar também a vida do maior número de inocentes possível deve ser outra preocupação prioritária dos comandantes. Já que bandidos não se importam, os legalistas devem fazê-lo.
 

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