quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Batalha do Rio ( II ): Chuva de bala e fogo

Chuva de Bala

Do Poeta e Músico Carioca Pedro Luis

Amor tá chovendo bala
Abre a janela pra não quebrar (as vidraça)
Recolhe as coisas da sala
Maloca as crianças por trás do sofá (e passa a usar)

Guarda-chuvas de aço
E o peito blindado pro coração não sangrar
Tatuagens no braço
De balas passando rentes qual facas no ar
Há nuvens tão carregadas
Rajadas são trilha sonora do day by day

Ôôô...

Guarda-chuvas de aço
E o peito blindado pro coração não sangrar
Tatuagens no braço
De balas passando rentes qual facas no ar

Chove, chove, chove, chove, chove
Chove bala
Chove, chove, chove
Chove sem parar

Se quiserem ouvir:



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A batalha do Rio

Jornal do Brasil, 25/11/2010
Por Mauro Santayana

É um engano identificar a batalha do Rio – e de outras grandes cidades – como mero confronto entre a polícia e delinquentes, traficantes, ou não. Embora a conclusão possa chocar os bons sentimentos burgueses, e excitar a ira conservadora, é melhor entender os arrastões, a queima de veículos, os ataques a tiros contra alvos policiais, como atos de insurreição social. Durante a rebelião de São Paulo, o governador em exercício, Cláudio Lembo, considerado um político conservador, mais do que tocar na ferida, cravou-lhe o dedo, ao recomendar à elite branca que abrisse a bolsa e se desfizesse dos anéis.

O Brasil é dos países mais desiguais do mundo. Estamos cansados do diagnóstico estatístico, das análises acadêmicas e dos discursos demagógicos. Grande parcela das camadas dirigentes da sociedade não parece interessada em resolver o problema, ou seja, em trocar o egoísmo e o preconceito contra os pobres, pela prosperidade nacional, pela paz, em casa e nas ruas. Não conseguimos, até hoje (embora, do ponto de vista da lei, tenhamos avançado um pouco, nos últimos decênios) reconhecer a dignidade de todos os brasileiros, e promover a integração social dos marginalizados.

Os atuais estudiosos da Escola de Frankfurt propõem outra motivação para a revolução: o reconhecimento social. Enfim, trata-se da aceitação do direito de todos participarem da sociedade econômica e cultural de nosso tempo. O livro de Axel Honneth, atual dirigente daquele grupo (A luta pelo reconhecimento. Para uma gramática moral do conflito social) tem o mérito de se concentrar sobre o maior problema ético da sociedade contemporânea, o do reconhecimento de qualquer ser humano como cidadão.

A tese não é nova, mas atualíssima. Santo Tomás de Aquino foi radical, ao afirmar que, sem o mínimo de bens materiais, os homens estão dispensados do exercício da virtude. Quem já passou fome sabe que o mais terrível dessa situação é o sentimento de raiva, de impotência, da indignidade de não conseguir prover com seus braços o alimento do próprio corpo. Quem não come, não faz parte da comunidade da vida. E ainda “há outras fomes, e outros alimentos”, como dizia Drummond.

É o que ocorre com grande parte da população brasileira, sobretudo no Rio, em São Paulo, no Recife, em Salvador – enfim em todas as grandes metrópoles. Mesmo que comam, não se sentem integrados na sociedade nacional, falta-lhes “outro alimento”. Os ricos e os integrantes da alta classe média, que os humilham, a bordo de seus automóveis e mansões, são vistos como estrangeiros, senhores de um território ocupado. Quando bandos cometem os crimes que conhecemos (e são realmente crimes contra todos), dizem com as labaredas que tremulam como flâmulas: “Ouçam e vejam, nós existimos”.

As autoridades policiais atuam como forças de repressão, e não sabem atuar de outra forma, apesar do emplastro das UPPs.

Na Europa, conforme os analistas, cresce a sensação de que quem controla o Estado e a sociedade não são os políticos nem os partidos, escolhidos pelo voto, mas, sim, o mercado. Em nosso tempo, quem diz “mercado”, diz bancos, diz banqueiros, que dominam tudo, das universidades à grande parte da mídia, das indústrias aos bailes funk. E quando fraudam seus balanços e “quebram”, o povo paga: na Irlanda, além das demissões em massa, haverá a redução de 10% nas pensões e no salário mínimo – entre outras medidas – para salvar o sistema.

A diferença entre o que ocorre no Rio e em Paris e Londres é que, lá, o comando das manifestações é compartido entre os trabalhadores e setores da classe média, bem informados e instruídos. Aqui, os incêndios de automóveis e os ataques à polícia são realizados pelos marginalizados de tudo, até mesmo do respeito à vida. À própria vida e à vida dos outros.

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