Jornal GGN, 5/1/17
Contra corrupção, quebra-se a Odebrecht, mas se protegem as estrangeiras
Por
Patricia Faermann
A cooperação aceita pelos procuradores da República da
força-tarefa da Lava Jato no Brasil com a Justiça norte-americana, desde o fim
de 2014, teve um de seus desfechos no final do último ano. O resultado foi a entrega das autoridades brasileiras da tutela para o Departamento
de Justiça dos Estados Unidos investigar e fiscalizar as empresas nacionais.
Desde o início da cooperação internacional, os
procuradores anunciavam que o intercâmbio era positivo ao país. Um dos gestos
mais simbólicos da extensão dessa aliança na Operação foi a visita do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, em fevereiro de 2015, aos Estados Unidos, para fechar um acordo
de "entendimento" com o Banco Mundial contra a corrupção.
Aquele
era o início da abertura dos investigadores brasileiros à fiscalização e
controle dos EUA, ainda que infringindo medidas de proteção do Estado contra a
soberania nacional.
No dia 21 de dezembro de 2016, o Departamento de
Justiça norte-americano concluía uma das principais etapas desta colaboração.
Anunciava um acordo assinado pela Odebrecht, por intermédio dos procuradores da
República brasileiros, para pagar multas aos EUA e Suíça, além do Brasil, pelas
práticas ilícitas e de corrupção [leia aqui].
Mas a investigação dos Estados Unidos não se limitou a
apontar atos de suborno e repasses de propinas da Odebrecht no país da América
do Norte. A apuração comandada pelo procurador de Justiça, Robert L. Capers, e pelo chefe da
Seção de Frade da Divisão Criminal, Andrew Weissmann, elencou os doze países que a
empreiteira brasileira teria cometido ilegalidades, incluindo o Brasil [leia aqui].
Os cálculos dos investigadores norte-americanos foram
de mais de US$ 780 milhões de pagamentos corruptos, envolvendo políticos e
intermediários, em mais de 100 projetos em doze países.
A contexto de interesses dos Estados Unidos sobre a
fiscalização da empresa brasileira, a
Odebrecht ocupa o 13º lugar das empresas que mais conseguiram contratos
públicos bilionários no ano de 2015, segundo os dados mais recentes da
Engineering News-Record (ENR). Em comparação com os próprios EUA, só ficam à
frente da brasileira duas construtoras norte-americanas, a Bechtel e Fluor
Corp.
Já do ponto de vista de sobrevivência da empreiteira, a Odebrecht possui mais de 70% de sua
carteira de lucros com contratos fora do Brasil. E é diante disso que a
empresa é fortemente ameaçada pelos bloqueios recentes e sucessivos dos países
estrangeiros com que mantém contratos hoje.
Como naturalmente esperado, foi a partir do anúncio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos,
com os números de corrupção, que os países mencionados ativaram alertas de suas
Justiças e iniciaram a paralisação de novas contratações da empreiteira pelo
mundo.
Até o momento, já foram três dos onze países a
anunciar o bloqueio: Panamá, Peru e Equador [leia aqui]. Como se não bastasse
para a ameaça da empreiteira, jornais
brasileiros começaram a pressionar o país a repetir a postura dos demais mundo
afora.
Reportagem publicada nesta quinta-feira (05) pela Folha
de S. Paulo cobra: "enquanto outros países vêm proibindo
contratos com a Odebrecht, diante da revelação pelo Departamento de Justiça
americano de irregularidades, as empresas do grupo continuam autorizadas a ser
contratadas pelo poder público no Brasil."
O tom rebaixador da publicação vai além: como se o Brasil não fizesse o que
supostamente deveria, relata que a empresa assinou um acordo de leniência, que
em troca de cooperar com as investigações e implantar mecanismos de controle e
fiscalização internos, garante a autorização para seguir obtendo contratos com
a União.
Mas destacou que, ainda que protegida pela leniência,
a Odebrecht "pode ser barrada de licitações no Brasil por determinação do
Ministério da Transparência (antiga CGU) e do Tribunal de Contas da União
[TCU]". E deu o alerta de que o TCU hoje analisa a inidoneidade das
empresas investigadas pela Lava Jato.
Por outro lado, se do exterior para o Brasil a
cobrança dos países está sendo dura e colocando em risco a sobrevida da
empreiteira nacional, daqui para o exterior a rigidez não é a mesma.
Intitulada "Dois
pesos?", coluna de Sonia Racy do Estadão já mostrava as diferenças
há um ano e meio. "A dinamarquesa Maersk e mais outras 21 empresas
internacionais com sedes na Itália, Holanda, EUA, Grécia e Cingapura foram
citadas nas delações premiadas da Lava Jato como envolvidas no esquema de
corrupção da Petrobrás", publicava a jornalista.
Seguindo: "Entretanto, elas não foram alvo de bloqueio cautelar da
estatal – medida que impediria
temporariamente assinatura de novos contratos com ela. Para as companhias nacionais, o bloqueio está
valendo".
Ainda naquela época, em junho de 2015, a Odebrecht apontava mais de vinte empresas
internacionais envolvidas em corrupção junto à Petrobras. O bloqueio e avanço da investigação, contudo, ameaçou
somente a própria estatal brasileira.
São elas: Maersk,
Jurong, Kawasaki, Keppel Fels, Mitsubishi, Rolls-Royce, Samsung, SBM, Sembcorp Marine,
Skanska, Techint, Toyo, Mitsui, Toshiba, Sargent Marine, Astra Oil, GB Marine,
Trafigura, Glencore, Ocean Rig, Pirelli e Sevan.
Para se ter uma ideia, um ano após as denúncias
contra a dinamarquesa Maersk Line, a maior operadora mundial de transporte
de contêineres por navios só se viu ameaçada financeiramente pelo contexto
global de baixa nas cotações dos fretes.
Mas, nem por isso, deixou
de atuar e expandir seu mercado. Em fevereiro de 2016, anunciava a
unificação de suas operações no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, e uma
nova atuação no mercado de cargas congeladas, principalmente carnes. E ainda
que projetando um ano "fraco", contabilizava crescimento de 1% a 3%
no último ano.
O representante da empresa dinamarquesa na América
Latina é o panamenho
Antonio Dominguez, que assume a diretoria da operação da Maersk Line
na costa leste da América do Sul. Curiosamente ou não, o Panamá foi o primeiro país a anunciar o bloqueio contra a Odebrecht
[leia aqui].
No dia 27 de dezembro, o ministro da Presidência do
Panamá, Álvaro
Alemán, proibiu que a empreiteira "obtenha qualquer contrato em
futuros processos de licitação pública", até que a Odebrecht demonstre
"uma colaboração efetiva e eficaz nas investigações do Ministério Público
e se garantam os valores que o grupo deve restituir ao Estado".
Não apenas impediu futuras contratações, como também
paralisou obras em andamento já garantidas para a carteira da empresa
brasileira. O governo panamenho anunciou que cancelará "sem custo para o
Estado" um contrato com a Odebrecht para a construção de um
hidrelétrica.
***
Estadão, 3/1/17
Dois
pesos?
Por
Sônia Racy
Empreiteiras brasileiras acreditam que há algo de podre – e não só no reino da Dinamarca. A dinamarquesa Maersk e mais outras 21 empresas internacionais com sedes na Itália, Holanda, EUA, Grécia e Cingapura foram citadas nas delações premiadas da Lava Jato como envolvidas no esquema de corrupção da Petrobrás.
Entretanto, elas não foram alvo de bloqueio cautelar da estatal – medida que impediria temporariamente assinatura de novos contratos com ela. Para as companhias nacionais, o bloqueio está valendo.
A lista
As empresas citadas no processo são, além da Maersk, Jurong, Kawasaki, Keppel Fels, Mitsubishi, Rolls-Royce, Samsung, SBM, Sembcorp Marine, Skanska, Techint, Toyo, Mitsui, Toshiba, Sargent Marine, Astra Oil, GB Marine, Trafigura, Glencore, Ocean Rig, Pirelli e Sevan.
A resposta
Procurada, a Petrobrás diz que adotou o bloqueio cautelar nos casos em que havia provas concretas. E que duas empresas, Techint e Skanska, foram e continuam bloqueadas.
A estatal também afirma que a Toyo Setal foi bloqueada, mas por conta de ofício do MPF, informando sobre acordo de leniência, desbloqueou a empresa. Esclarece ainda que a SBM também não está sendo convidada a participar de futuras licitações até que terminem as investigações.
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