sábado, 7 de janeiro de 2017

A estratégia russa do presidente Trump






Jornal GGN, 07/01/17




A estratégia russa do presidente Trump


Por André Araújo



Constantes declarações e tuitadas de Trump, mais as indicações para seu gabinete e cargos chaves da área de relações exteriores, fazem possível ter uma ideia da estratégia geopolítica do novo presidente americano.

A partir da visão de que o problema maior é a China, por causa de sua dinâmica de expansão econômica mundial e espacial no sudeste asiático, é a China o inimigo da era Trump.

A China moderna é uma criação americana porque foi a política do Presidente Nixon, pensada por Kissinger, na histórica visita de Nixon a Pequim, que abriu a até então lacrada China para o mundo exterior, assim como foram os alemães que tornaram possível a União Soviética porque, sem o apoio do Estado Maior Imperial Alemão em 1917, Lenine não teria saído de Zurich e atravessado toda a Alemanha até à fronteira finlando-russa devidamente abastecido de enormes fundos colocados à sua disposição pelo Governo alemão visando com isso tirar a Rússia Imperial da guerra, o que conseguiram, e com isso por pouco não ganhavam a guerra já que puderam concentrar todas suas forças na frente ocidental.

Mas, assim como a União Soviética, o gênio escapou da lâmpada e tornou-se um perigo:  agora Trump vê a China como um míssel fora de controle. Para enfrentar a China é preciso trazer a Rússia para o lado dos EUA porque Moscou estava se aproximando demasiado da China através de acordos de fornecimento de gás.

Então o Plano Trump é puxar a Rússia para uma aliança tácita com os EUA assim evitando a formação de um bloco eurasiano da Rússia com China. Há o risco da Rússia fingir aceitar o carinho de Trump, mas continuar se acertando com a China por baixo do pano.

E como fica a União Europeia? Trump vai tentar enfraquecer a OTAN porque esta é vista pela Rússia como o inimigo mais próximo através do cerco de redes de radares, escudos anti-mísseis e mísseis muito próximos de suas fronteiras, um erro estratégico da OTAN que aproximou-se demais da fronteira russa,  perigo que espicaça os russos desde Napoleão, o chamado "encirclement que já era o pavor dos czares da era imperial.

Os estrategistas da OTAN tiveram a ousadia de tentar aliciar a Ucrânia e depois os países bálticos, algo visto como intolerável por Moscou. Trump parece que reconheceu esse erro e vai tentar mitigá-lo para agradar os russos, diminuindo a contribuição financeira e política dos EUA à OTAN, como já avisou. A OTAN é uma aliança cujo contraponto é a Rússia, então, se a Rússia vai ser nossa amiga, a OTAN deixa de ser essencial, essa a visão de Trump.

Toda essa arquitetura vai reordenar o mapa geopolítico em prejuízo da União Europeia e colocando sob maior risco o Japão, aliado necessário dos EUA no Mar da China.

Como resultante desse realinhamento estratégico, Trump vai oficializar um papel maior da Rússia no Oriente Médio, área onde os EUA só colheram problemas através das desastradas intervenções de governos republicanos que resultaram em regimes inconfiáveis e no aumento exponencial do terrorismo.

O México será também um alvo menor de uma política agressiva anti-imigração de Trump, política que vai atingir toda a América Latina por tabela do alvo maior, os islâmicos em geral.

O Brasil não será tão afetado porque está muito longe do redesenho geopolítico do Plano Trump, mas já está se beneficiando da atitude anti-China. Os chineses estão cancelando compras de carne de frango nos EUA e só o Brasil pode ocupar esse espaço. As relações comerciais e financeiras da China com os EUA devem se enfraquecer e o Brasil será uma das principais alternativas da China para investimentos.

O grande desenho dessa política é primário, simplista e pode dar errado, mas é a realpolitik de Trump, um calouro em relações internacionais, terreno que não é favorável para amadores porque os atores costumam ser cobras criadas; diplomacia é uma área que não opera bem com amadores. Há boas chances do Plano Trump não dar certo porque lhe falta sutileza, relações internacionais não são preto e branco, são cambiantes e oscilantes e exigem muito mais do que meia dúzia de ideias fixas.

https://www.foreignaffairs.com/reviews/review-essay/will-washington-aban...

A prestigiosa revista FOREING AFFAIRS, nos últimos 70 anos a melhor publicação americana sobre relações internacionais, vê no Plano Trump uma continuidade de grande política da administração Obama, que é a "retirada" do Poder Americano como "gerente" da ordem mundial, processo que já vinha vindo desde o começo do governo Obama com a retirada escalonada de tropas americanas do Iraque e Afeganistão e fechada com o completo abandono da Síria pelos EUA. O Plano Trump, apesar de sua retórica agressiva, segue também numa linha de "retirada" da influência americana de toda a África, Oriente Médio e Europa, mantendo, porém, seu foco no sudoeste asiático como eixo de toda a diplomacia americana.

O Plano Trump, mantendo a linha geral de "retrenchment" da projeção de poder dos EUA, apenas troca a posição de algumas peças no tabuleiro. Enquanto Obama manteve a pressão sobre a Rússia e a suavidade com a China, Trump vai inverter a posição das peças, aliviando a Rússia e pressionando a China. Mas a linha geral de retirada se mantem.

Vai ser interessante ver os EUA perseguir fortemente o Brasil e suas empresas por corrupção enquanto seu Presidente se alia a um regime mafioso e hipercorrupto como é o russo sem nenhum constrangimento. Vamos ver se a Rússia vai celebrar "acordo de cooperação judiciária" para o Departamento de Justiça perseguir empresas e oligarcas russos. Meu palpite é que isso jamais acontecerá, o novo Secretário de Estado Rex Tillerson é veterano de negócios na Rússia e sabe onde está pisando, a bala russa costuma ser envenenada.

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