Quatro dias após a morte de 56 detentos em dois presídios de Manaus (AM), outros 33 presos foram assassinados na madrugada desta sexta (6). Desta vez, a chacina ocorreu em Roraima, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.
Quem diz que no Brasil não há pena de morte não compreende que aqui a pena capital é mascarada de duas formas;
1) Pelos protocolos assassinos das nossas Polícias Militares que executam milhares de jovens pobres e pretos anualmente;
2) Pelos presos assassinados em presídios, literalmente "deixados para morrer" pelo poder público burguês.
No Brasil, há e sempre houve, sim, pena capital!
E
mal estava digerindo o noticiário sobre este segundo massacre em
Roraima quando tomei conhecimento de estatística divulgada pela AOAV
(sigla em inglês para Ação sobre
a Violência Armada). No Brasil, há e sempre houve, sim, pena capital!
Relatava, com alarme, que o número de pessoas mortas em 2016 pela polícia de dois dos países do Reino Unido (Inglaterra e Gales) havia alcançado um recorde na comparação com os dez anos anteriores.
Li e reli três vezes o texto para ver se havia entendido direito. Sim, o recorde de mortos pela polícia em nove meses de 2016 foi de cinco pessoas.
Repito: a polícia da Inglaterra e Gales matou cinco pessoas em 2016, superando o recorde de 2006 (seis pessoas).
No Brasil, para comparação: em 2015, a polícia matou nove pessoas por dia. Repito: nove pessoas por dia versus cinco por ano.
O número de policiais mortos no mesmo ano (393) foi de pouco mais de um por dia. São números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Trata-se de um abismo civilizatório.
Folha.com, 5/1/17
A indiferença é a origem do
massacre
Por
Janio de Freitas
Aquelas quotas de responsabilidade e o massacre em Manaus provêm da mesma origem: a indiferença que faz com que reações como o horror sejam o reflexo do incômodo, pessoal e grupal, que dado acontecimento provoque, e não a revolta ativa contra o acontecimento e sua viabilidade. Desviadas as atenções para outra atração, o horror desaparece devorado pela indiferença. É a índole brasileira em atividade.
A grande maioria das sentenças a encarceramento não leva ao que o juiz determina –privação da liberdade por tempo determinado.
O mais importante da condenação não aparece na sentença: é o tratamento que o encarcerado receberá. A tortura da promiscuidade nojenta nos cárceres superlotados, comida e dejetos humanos unidos no odor e no ambiente, medo e alucinação. É tortura sob formas a que as instituições brasileiras são secularmente indiferentes.
Aquelas mesmas que, originadas na escravidão aqui mantida até o último limite, transpuseram-se para as relações econômicas, sociais e culturais da classe escravagista e seus novos subjugados – os ex-escravos abandonados no tempo e no espaço, acrescidos da miséria cabocla. Qualquer cidade é um atestado vivo de que o Brasil não teve mudança essencial com o fim formal da escravidão.
Dos 622 mil encarcerados, mais de 40%, ou cerca de assombrosos 250 mil, estão sob prisão "provisória" há meses, há anos, que deveriam durar 30 dias, se tanto. Ou nem isso, porque esses "provisórios", se e quando afinal chegam ao julgamento, na maioria são absolvidos.
Logo, nem sequer precisariam ou deveriam passar por prisão provisória. No Amazonas, dos 4.400 encarcerados, 2.880, ou 66%, são presos "provisórios". Não menos expressivo da secular e perversa indiferença brasileira: cerca de metade dos sentenciados à cadeia não cometeu crime violento. Ao menos parte, portanto, e o provável é que grande parte, conforme o Direito Penal menos obsoleto, deveria cumprir penas alternativas, sem chegar ao cárcere.
A maioria dos "especialistas", além da superficialidade que sobrevive a todos os massacres e incidentes penitenciários, continua a reclamar por mais cárceres, considerando uma carência de 240 mil a 250 mil vagas. Melhor seria passar por um crivo os 250 mil presos "provisórios" e os passíveis de penas alternativas. O resultado provável é que o número de cárceres não é o problema nem a solução propalados.
A oferta de incentivo, ensino e trabalho talvez lhes pareça, afinal, a melhor maneira de inverter o avanço permanente da disponibilidade de crianças e jovens para a marginalidade, vestibular do crime.
O oposto à política econômica e social do governo Temer.
Tragédia
anunciada em Manaus
Por
Guilherme Boulos
O primeiro foi incapaz de dar sequer uma declaração de solidariedade aos familiares das vítimas. O governador, por seu lado, não se contentou com o silêncio e abriu a boca para dizer que entre os mortos "não havia nenhum santo". Santo é ele, que está sob o risco de perder o mandato no TSE por acusação de compra de votos com dinheiro público na última eleição e de usar a Polícia Militar para intimidar eleitores em seu favor.
A chacina de Manaus, lamentavelmente, não é um ponto fora da curva. Nada teve de imprevisível e é muito provável que tenhamos episódios semelhantes no próximo período. A guerra entre facções é na verdade um subproduto cruel do atual sistema penitenciário, regido pela lógica de encarceramento em massa.
Segundo dados do próprio Ministério da Justiça, o Brasil possui a quarta população carcerária do mundo, com mais de seiscentos mil presos. O crescimento tem sido avassalador: em 1990, havia 90 mil presos; em 2014 o número subiu para 607 mil e a previsão é que chegue a 1 milhão em 2022. O perfil dos encarcerados é o mesmo dos acometidos pelo extermínio policial: a juventude negra e pobre. Dois de cada três detentos é negro e mais da metade possui de 18 a 29 anos.
Ninguém razoável imagina que ter mais presos diminua a violência na sociedade. Jogar pessoas indiscriminadamente em cárceres superlotados e com condições indignas só aprofunda o ciclo da violência, como mostram os elevados índices de reincidência criminal. Mesmo assim, temos um Poder Judiciário cada vez mais punitivo. O próprio STF, que se mostrou consternado com o massacre, decidiu recentemente a favor de prisão após julgamento na segunda instância, o que agravará ainda mais o problema.
Cerca de 40% da população carcerária, 240 mil pessoas, são presos provisórios, ou seja, permanecem presos sem sequer ter tido julgamento em primeira instância. As vozes cada vez mais relevantes que corretamente apontam a ameaça ao Estado de Direito com a recente escalada de punitivismo judicial e o abuso das prisões provisórias não podem, no entanto, esquecerem-se de que para esta massa carcerária o Estado de Direito sempre foi uma ficção. 240 mil pessoas presas sem julgamento e, em geral, por crimes leves é uma excrescência que envergonharia qualquer ditadura.
Os mesmos que defendem o Estado Mínimo com a PEC 55 e a retirada de direitos sociais não têm pudor algum de exigi-lo máximo, quando se trata de enjaular os desvalidos. A política de encarceramento em massa é de fato uma política de contenção social com forte viés de classe.
Não custa lembrar ainda, aos que venham propor como solução a privatização das cadeias, que o presídio do massacre em Manaus é gerido pela iniciativa privada. Aliás, peritos de órgão ligado ao próprio Ministério da Justiça afirmaram que a gestão privada facilitou as condições para o massacre.
É preciso colocar em debate o punitivismo judicial e a naturalização do regime fechado. Crimes leves devem ter penas leves. Cerca de um terço dos presos responde por pequenos furtos ou roubos. É preciso colocar em debate a insana "guerra às drogas", motivada muito mais por disputa de mercado do que por preocupação com a saúde pública. 27% dos presos brasileiros respondem por tráfico.
O juiz amazonense Luís Carlos Valois, que acompanhou a chacina do Anísio Jobim, foi um dos poucos que tiveram a coragem de por o dedo nesta ferida. O resultado foi um inquérito que tenta associá-lo covardemente ao tráfico de drogas. Agora, após uma reportagem irresponsável do jornal "O Estado de S. Paulo" nesta mesma direção, passou a ser ameaçado de morte. Isso apenas revela que questões como o punitivismo e a guerra às drogas são tratadas como intocáveis tabus em nossa sociedade.
Mantê-las assim continuará custando vidas.
Folha.com, 5/1/17
A
barbárie que dá lucro
Por
Bernardo Mello Franco
Ao repetir o discurso brucutu que prolifera nas redes sociais, Melo tenta se eximir de responsabilidade pela matança. Antes que alguém pergunte se existem santos no governo amazonense, é preciso questionar o que as autoridades locais fizeram para evitar o banho de sangue. Ao que tudo indica, não fizeram nada.
O presídio estava superlotado, com quase três detentos por vaga. Armas e drogas circulavam livremente, e os presos usavam celulares para comandar o crime de trás das grades.
Em outubro, o CNJ classificou a unidade como "péssima". A inspeção constatou que os detentos não recebiam assistência jurídica, educacional, social ou de saúde. Tratados como animais, reagiram à altura, como sugerem as imagens de corpos decapitados na rebelião.
Além de evidenciar a falência do sistema carcerário, a barbárie de Manaus lembra que a privatização não é uma solução mágica para todos os problemas brasileiros. O palco da chacina foi terceirizado em 2014, quando Melo assumiu o Estado.
Nesta quarta (4), o Ministério Público de Contas pediu a rescisão do contrato por indícios de superfaturamento. Uma das empresas sob suspeita doou R$ 300 mil à campanha do governador à reeleição. Ao que parece, a desordem nas cadeias amazonenses era um negócio lucrativo.
Jornal GGN, 5/1/17
Desencarcerar é a solução para caos penitenciário, não privatizar
Por
Cintia Alves
Alguns gestores públicos acreditam que sim e por isso lançaram mão de projetos pilotos, como a penitenciária de Ribeirão das Neves (MG), a primeira construída por meio de uma parceria público-privada. A ideia inspirou outros estados e, inclusive, motivou a discussão de um projeto de lei no Senado para regulamentar esse novo sistema, que foi anexado à Agenda Brasil lançada pelo PMDB às vésperas do impeachment.
Uma vez no poder, a equipe de Michel Temer já sinalizou que pretende privatizar presídios, sob a lógica neoliberal de que "conteúdo nacional exacerbado" e que traz prejuízo deve ser entregue à iniciativa privada por meio de concessão, para que o Estado mantenha apenas "aquilo em que formos competitivos".
Em entrevista ao GGN, Bernardo Faeda, coordenador assistente do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, avaliou que privatizar não é a solução. Sequer é uma alternativa juridicamente válida e em conformidade com a Constituição.
Faeda apontou que a solução é "desencarcerar", descriminalizar algumas condutas e mudar a mentalidade da sociedade que acha que bandido bom é bandido morto.
"Grande parte da população, insuflada por programas televisivos sensacionalistas, acredita que punição cruel é algo que a pessoa fez por merecer. A verdade é que essa pessoa vai voltar para a sociedade um dia, e ela deveria voltar ressocializada, não pior do que entrou."
Abaixo, a entrevista completa:
GGN: Qual é o panorama do sistema penitenciário hoje?
Bernardo Faeda: O panorama é catastrófico. Hoje em dia o sistema penitenciário brasileiro é uma forma de tortura institucionalizada mesmo. São mais de 600 mil presos, a quarta maior população carcerária do mundo. Cerca de um terço desses presos encontra-se no estado de São Paulo.
Na verdade, as penitenciárias brasileiras, como um todo, são locais de superlotação. O número de vagas é muito inferior ao número de presos atuais e a superlotação no encarceramento é uma das principais razões de violação de direitos humanos.
GGN: É possível traçar um paralelo entre uma solução via terceirização e a ideia de um presídio privatizado com parceria público-privada (PPP)?
Faeda: A diferença é que na privatização, toda a gestão do presídio é desenvolvida por um particular. No caso da terceirização, apenas alguns desses serviços públicos prestados no interior do presídio são terceirizados.
Há algumas penitenciárias no País que estruturam-se no modelo de PPPs [parcerias público-privadas]. Existe até um projeto federal que estabelece alteração na Lei de Execução Penal para autorizar expressamente a possibilidade de serviços penitenciários serem executados via PPP.
O Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo entende que o serviço público penitenciário, dada sua especificidade e inerência ao serviço público, não pode ser, de forma alguma, transferido para o particular sob pena de violação de princípios e normas constitucionais. Ao nossa ver, é inconstitucional a transferência da execução penal, em qualquer de suas facetas, para o particular. Sobretudo em decorrência da função precípua da pena, que é a ressocialização, em detrimento de princípios que regem a iniciativa privada, como a busca e o interesse pelo lucro.
GGN: Essa inconstitucionalidade também atinge a terceirização, não apenas a PPP?
Faeda: A gente sabe que é uma realidade a terceirização da empresa que fornece os alimentos. Não posso dizer que, por si só, isso é inconstitucional ou violaria os princípios que regem os serviços públicos no Brasil. É absolutamente secundário.
Mas a assistência material, jurídica, de saúde, educacional, social, religiosa, de segurança, ou seja, serviços públicos que integram a essência da execução penal, a meu ver, não podem ser objetos de concessão. São serviços de natureza intransferível.
GGN: Em São Paulo, como está o cenário? Há muitos presídios privados ou terceirizados?
Faeda: Temos 176 unidades prisionais e elas não são terceirizadas. Não saberia te informar sobre projeto específico de implantação aqui, mas são 176 unidades prisionais, desde Centros de Detenção Provisória, a Centros de Progressão Penitenciárias, e penitenciária mesmo, para quem já foi sentenciado, e essas unidades são todas geridas pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado.
GGN: Se é inconstitucional delegar tarefas essencialmente ligadas à execução penal a empresas privadas, por que alguns estados já fazem isso e discutem ampliar as terceirizações e PPPs?
Faeda: Acho que essa discussão polêmica sobre PPPs e privatização de presídios existe por uma constatação óbvia: o sistema penitenciário brasileiro está completamente falido. Não há como ressocializar ninguém com a estrutura atual. A função precípua da pena, como já disse, é a ressocialização, e isso é inviável. O sistema virou responsável não só pela privação de liberdade, mas de privação de dignidade. O próprio sistema penitenciário é inconstitucional. Daí essa tentativa de solução, que seria a privatização, mas essa não é uma possibilidade juridicamente plausível.
É um serviço público que tem que ser prestado intransferivelmente pelo Estado. A solução é que o Estado preste esse serviço com a máxima eficiência possível, de forma humanizada e respeitando todos os parâmetros constitucionais.
GGN: O senhor chegou a conhecer as experiências de PPPs em Minas Gerais ou outros estados? Do ponto de vista de ressocialização e garantia do direito à dignidade humana, esse sistema privado não teria demonstrado um pouco mais de sucesso em relação aos presídios públicos?
Faeda: Não conheço pessoalmente esses locais. Não tenho como afirmar. Acredito que há uma discrepância de ordem principiológica, que é a diferença entre a essência desse serviço público e o que busca uma empresa.
GGN: Há, em sua opinião, algum aspecto positivo em construir presídios por meio de PPPs?
Faeda: Não, acredito que não há aspectos positivos porque isso fere normas fundamentais basilares. Ainda que, de fato, o sistema prisional público esteja falido, a alternativa não poderia ser incompatível com os princípios que regem o direito brasileiro.
Há até uma questão de ética, porque o incremento do núcleo empresarial muitas vezes demandaria o incremento do próprio encarceramento.
O encarceramento, ao contrário de outros serviços, não importa do ponto de vista de desenvolvimento da sociedade, mas sim do fator de involução e de depredação do ser humano que está sujeito a um estado de vulnerabilidades. Por isso não poderíamos legitimar o enriquecimento de uma sociedade empresária, que busca incrementar lucro ano após ano, com base no encarceramento, algo nefasto na sociedade.
Sei que a questão posta é que do jeito que está, não dá para ficar. Mas temos que criar alternativas juridicamente válidas e constitucionalmente aceitáveis, e não é o caso da privatização.
GGN: Quais seriam as alternativas, na sua visão?
Faeda: Acho que podemos pensar de duas formas. A primeira forma é desencarcerar. Temos de reduzir a população prisional e isso demandaria um esforço grande, inclusive do Legislativo, de fazer com que o rol de delitos que ensejem a privação de liberdade seja reduzido. Penitenciária deveria ser local destinado exclusivamente para crimes gravíssimos, praticados mediante violência física, não todo e qualquer delito. A solução é a busca por uma justiça penal transacional, negocial, com uma realidade mais ligada à ideia de ressarcimento da vítima do que ao punitivismo, encarceramento, infligir sofrimento de natureza pessoal.
Por outro lado, é indispensável a mudança de mentalidade de todos: operadores do direito, juízes, promotores, defensores, advogados e da população que tem a visão de que bandido bom é bandido morto. Grande parte da população, insuflada por programas televisivos sensacionalistas, acredita que punição cruel é algo que a pessoa fez por merecer. A verdade é que essa pessoa vai voltar para a sociedade um dia, e ela deveria voltar ressocializada, não pior do que entrou.
GGN: Essa iniciativa seria retroativa, ou seja, seria aplicada em favor de quem já está preso ou seria um desencarceramento para valer no futuro?
Faeda: Toda lei penal que a gente chama de benéfica ao réu retroage. Então se vier, hoje, uma norma que estabeleça uma pena para o crime de furto que não seja o encarceramento, isso retroagirá para outros casos. Só uma norma penal maléfica ao réu não iria retroagir.
GGN: Como avalia a decisão do Supremo Tribunal Federal de desvincular o trânsito em julgado da execução penal já a partir de decisões em segunda instância?
Faeda: A decisão do Supremo, para além dos efeitos práticos nefastos que possui - evidentemente vai aumentar o número de presos - viola expressa e dramaticamente a Constituição. Não poderia ter sido exarada dessa forma, mas não há recurso contra essa decisão. É uma interpretação que o Supremo adotou ao arrepio de uma norma da Constituição que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado, derivado do princípio da presunção de inocência.
GGN: Há outras decisões recentes do Supremo que, como esta, contribuem para agravar o caos do sistema penitenciário?
Faeda: Eu gostaria de acreditar que existem decisões recentes do Supremo que, na verdade, podem melhorar essas condições. É que elas são de difícil aplicação. Por exemplo, a Súmula Vinculante 56, se for efetivamente aplicada, poderá gerar algum desencarceramento porque garante que o preso deverá cumprir a pena no regime compatível, e se não houver vaga no regime incompatível, alternativa não haveria senão a de colocação em liberdade condicional. É uma decisão complicada de ser colocada em prática.
Também estamos esperando decisões do Supremo sobre descriminalização de condutas, como no caso do aborto - há decisão nesse sentido do ministro Barroso - e da descriminalização do porte de drogas para uso, que está com o ministro Teori Zavascki, que fez um pedido de vistas. O voto de Gilmar Mendes é no sentido de descriminalizar a droga para uso.
O que quero dizer é que, em que pese a lastimável decisão do Supremo acerca do trânsito em julgado, há decisões boas que já foram tomadas ou que ainda não foram formalizadas porque os ministros pediram vistas. O problema, depois, será a distinção entre a teoria e a prática.
GGN: No caso da Súmula Vinculante 56, qual é a dificuldade de pôr em prática?
Faeda: A Súmula diz que preso que estava em regime fechado e progrediu para o semiaberto tem que ser transferido. Se não tiver vaga no semiaberto, tem que ir para o regime domiciliar. O que temos visto, na prática, e na realidade específica de São Paulo, é que diversos presos são transferidos para centros de progressão penitenciária, ou seja, para estabelecimentos de regime semiaberto, mas que estão superlotados. Ou seja, tudo passa pela mudança de mentalidade, porque lotar esses lugares não é solução de nada. Pelo contrário, temos hoje a quarta maior população carcerária do mundo e não resolvemos os nossos problemas de segurança.
Tijolaço, 5/1/16
O patético Temer e suas emendas piores do que os maus sonetos
Por Fernando Brito
É patético porque cala quando tinha de falar.
É patético pelo que fala, quando fala.
E é patético quando vai emendar seus maus sonetos.
O senhor foi infeliz ao chamar a chacina de Manaus de “acidente pavoroso”, porque de acidental não teve nada e os jornais do dia já traziam a informação de que o massacre era pensado e planejado há mais de ano. E a Polícia Federal o sabia.
Isso, sim, deveria ter sido objeto de sua fala, mandando apurar porque nada foi feito, se sabiam.
Mas o que o preocupou? Ir às redes sociais para explicar o “acidente”, porque isso feriu sua vaidade de beletrista.
E aí provou que é um nada, mesmo.
Listou “sinônimos” de acidente no Twitter: “tragédia, perda, desastre, desgraça e fatalidade”.
O senhor devia se lembrar que existem sinônimos perfeitos e imperfeitos, e mesmo os perfeitos podem ser usados algumas vezes com o mesmo sentido, mas não querem sempre dizer o mesmo.
Por exemplo: língua e idioma.
Português é uma língua e um idioma, mas ninguém morde o idioma ou põe o idioma para fora para caçoar de alguém, não é?
Da mesma forma, não se pode usar sempre acidente do lugar de tragédia e vice-versa, senão escreveríamos “O acidente de Édipo Rei” ou “Hamlet, um acidente”. Tanto quanto desastre ou desgraça: o time do Flamengo hoje foi um acidente e perdeu de 3 a 1. A atuação do goleiro foi um acidente”. Não, foram um acidente e uma tragédia.
De fatalidade, “seu Temer”, nem se fala: é um acontecimento que não se podia evitar e o morticínio de Manaus, os fatos provam, se podia e se devia evitar, porque conhecida a ameaça de acontecer.
Se o senhor não tiver aí na biblioteca do Palácio o Dicionário de Sinônimos do Rocha Pombo, o mais clássico do Brasil, vá na internet, tem lá no site da ABL.
Aí o senhor verá que, por tudo o que se sabe, a chacina não poderia ser chamada de acidente pois ” acidente (do latim accidere, “suceder”) diz-se de qualquer desgraça que sobrevém inesperadamente,sem que nada a fizesse prever, e considerando-a até certo ponto como contrária às leis ordinárias… ”
E aquela desgraça foi tudo, menos, como se sabe agora, inesperada, porque tudo a fazia prever.
O senhor, Michel Temer, não é patético por ignorância, o que lhe seria desculpável. É patético por afetado, pedante e vaidoso.
É presunçoso, achando que a sua empáfia e o seu palavreado oco como um sino são o suficiente para impressionar os tolos.
Se não fosse, saberia que a língua quem faz é o povo e o povo chama aquilo que aconteceu no Amazonas de massacre, chacina, crime.
Não de acidente.
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