CartaCapital, 9/1/17
O caráter racista da PEC 55
Por
Djamila Ribeiro
Simone
de Beauvoir nos ensinou que a
conquista de direitos não é algo permanente. Ao contrário, deve-se sempre manter vigilância e lutar para mantê-los.
Essa afirmação nunca fez tanto sentido quanto agora, num momento de atentado
aos direitos fundamentais. A aprovação
da PEC 55, que limita de forma drástica o investimento em saúde e educação por
20 anos, é um aviltamento, sobretudo para a população
negra e periférica.
Importante frisar que a não implementação de
políticas públicas na área da saúde atinge diretamente mulheres negras, as que mais sofrem com mortalidade materna e violência obstétrica. Importante nomear o
quanto essas medidas são racistas.
Segundo dados
da campanha ‘SUS Sem Racismo’, mulheres negras
costumam receber, em média, menos tempo de atendimento médico que as brancas e
compõem 60% das vítimas da mortalidade materna no Brasil. Além
disso, somente 27% das negras tiveram
acompanhamento durante o parto na pesquisa, ao contrário dos 46,2% das mulheres
brancas.
E 62,5%
receberam orientações sobre a importância do aleitamento materno, preteridas em
favor dos 77% das mulheres brancas. De acordo com dados de 2013, divulgados
da Organização Internacional do Trabalho, mais
de 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalhos domésticos
no Brasil são meninas negras.
Segundo dados do relatório ‘Criança Fora da Escola
2012’, do Unicef, cerca de 1 milhão de jovens estavam fora da escola. O não investimento em políticas públicas
configura a manutenção da estrutura racista e machista, a legitimação da ordem.
É necessário
frisar a importância do debate racial como nexo prioritário das lutas contra os
retrocessos que virão e em todas as políticas de modo transversal.
Nos últimos 13 anos existiram avanços
significativos em relação à promoção da igualdade racial, sobretudo na área da
educação, com a ampliação das universidades federais e a Lei de Cotas. Em vez
da ampliação dessas conquistas, assistimos a saídas regressivas que se
intensificam após o impedimento da presidenta Dilma Rousseff.
Angela Davis, em Mulheres, Raça e Classe, diz: “De acordo com a ideologia dominante, a população negra era supostamente incapaz de progressos intelectuais. Essas pessoas haviam sido propriedade, naturalmente inferiores, quando comparadas ao epítome branco da humanidade. Mas, se fossem realmente inferiores em termos biológicos, as pessoas negras nunca teriam manifestado desejo nem capacidade de adquirir conhecimento. Portanto, não teria sido necessário proibi-las de aprender” (pág. 109).
Medidas como
a da PEC 55 proíbem a população pobre, sobretudo a negra, de aprender e sair
dos lugares estruturados pelo racismo. É necessário frisar o caráter racista desse
retrocesso e, a partir daí, pensar saídas emancipatórias que
fundamentalmente valorizem essas interseções.
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