16/01/17
As evidências da tese do ressentimento da classe média
Por Luís Felipe Miguel, via facebook
Na Folha de hoje, Celso Rocha de Barros
critica a ideia de que um dos combustíveis para a mobilização contra
Dilma foi o ressentimento da classe média - ressentimento ao ver os
pobres chegando aos lugares que eram exclusividade sua, como os
aeroportos ou o ensino superior. Ele ilustra com o livro de Jessé Souza sobre
o golpe do ano passado, embora assinalando que a "tese do ressentimento
da classe média" frequenta várias análises de intelectuais e ativistas
progressistas. Mas, na "falta de evidência empírica sistemática", a tese
seria apenas "autocondescendência da parte da esquerda".
Parece que, para Barros, a única
evidência empírica sistemática aceitável seria algum tipo de survey. Sem
repisar aqui os limites dessa metodologia, cabe indicar que há, sim,
evidência empírica suficiente para afirmar que aquilo que ele rotula
como "ressentimento" - e eu prefiro chamar de inconformidade da classe
média com a redução da distância que a separava dos mais pobres - teve
papel relevante na mobilização a favor do golpe. Como ocorreu, aliás, em
momentos anteriores de nossa história.
As grandes manifestações pela
destituição da presidente tiveram, como um de seus eixos discursivos
principais, a repulsa aos programas de inclusão social, na forma da
defesa da "meritocracia", da denúncia dos "vagabundos" e do saudosismo
manifestado em frases como "eu quero meu país de volta". Desde o início,
foi algo central no discurso das lideranças das mobilizações, tanto
entre os movimentos de proveta (MBL, Vem Pra Rua etc.) quanto entre os
jornalistas da televisão - e também em alguns parlamentares, como
Ronaldo Caiado. Quem foi às ruas se sentiu sensibilizado por esse
discurso ou, no mínimo, não ficou incomodado com ele. Isso indica, com
clareza, o desconforto com a possibilidade de maior igualdade social.
Bem melhor, aliás, do que um survey que perguntasse aos manifestantes a
favor do golpe se "você está ressentido/a com o progresso material dos
pobres"...
A redução da distância social implica
prejuízos simbólicos e materiais. Significa que começa a escassear a mão
de obra que estava disponível a preço vil, beneficiando esta classe
média nos serviços domésticos e pessoais (cabeleireira, jardineiro
etc.). Significa que as vantagens comparativas que ela imaginava legar
para seus filhos, em particular com o ensino superior, deixam de ser tão
marcantes. Há mais, portanto, do que o mero aborrecimento com filas e
aglomerações, à la Ortega y Gasset.
Não por acaso, a possibilidade de
mobilização política deste desconforto ou ressentimento dependeu de um
trabalho prévio de demolição da noção de solidariedade social que
fundamentava o consenso - ao menos da boca pra fora - sobre a
necessidade de construir um Brasil mais justo. Este foi o grande
trabalho ideológico da direita nos últimos tempos.
Uma das apostas do PT foi que, se o
preço a pagar fosse bem baixinho, as elites gostariam de ter um país um
pouco mais civilizado. Mesmo que fosse só para não passar vergonha no
exterior. Mas não é nada disso. A "modernidade" da elite brasileira deu
um balão no iluminismo e se afirma como um híbrido de senhor de escravos
e nouveau riche. Está à vontade em meio às chacinas, à fome, ao
desespero. Seu sonho é ter um Romero Britto na parede e uma senzala no
quintal. E a classe média olha para ela como se fosse seu farol.
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