Portal Vermelho, 3/1/17
Líbia, sepultada no crime e no silêncio
Por Higino Polo, no La Haine
Enquanto Obama se despede da presidência dos EUA, é
indispensável não deixar esquecer nenhuma peça do seu criminoso currículo. O imperialismo, do qual os EUA constituem a mais
agressiva potência, é o pior inimigo de toda a humanidade.
Não sabemos quantas pessoas morreram na Líbia em consequência da brutal intervenção da Otan em 2011. Algumas fontes falam de uns trinta mil mortos; outras aumentam esse número. A Cruz Vermelha, por seu lado, calcula uns cento e vinte mil mortos, mas não há dúvida de que essa guerra que a Otan iniciou destruiu o país e afundou os seus seis milhões de habitantes num pesadelo sinistro.
Em março próximo passam seis anos sobre o início da matança: os EUA, França e Reino Unido lançaram a partir de navios e aviões um diluvio de bombas e de mísseis de cruzeiro. Justificaram a guerra e a carniçaria com a resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, que apenas falava de utilizar as “medidas necessárias” para proteger a população civil que “estivesse ameaçada”, e que autorizou uma zona de exclusão aérea, mas não a invasão do país. Não havia autorização alguma para iniciar uma intervenção militar, nem muito menos um ataque para derrubar o governo. China e Rússia, bem como a Índia e a Alemanha, abstiveram-se naquela votação do Conselho de Segurança e, posteriormente, perante a guerra imposta, tanto Moscou como Pequim denunciaram a abusiva interpretação que Washington, os seus aliados europeus e a Otan tinham feito da resolução do Conselho. A África do Sul, que também tinha votado a favor da resolução, denunciou depois o uso desmesurado do acordo para forçar uma “mudança de regime e a ocupação militar do país”.
Foi tal a hipocrisia de Washington, Londres e Paris, que os seus aviões chegaram a bombardear a população civil em Bengasi e Misrata, entre outras cidades líbias, matando centenas de pessoas, apesar de supostamente intervirem em sua defesa. Previamente, as “forças rebeldes” foram treinadas por instrutores militares norte-americanos e de outros países da Otan, ao mesmo tempo que lhes forneceram armamento sofisticado e informação, e o Departamento de Estado norte-americano trabalhou para criar um Conselho Nacional de Transição para o impor como novo governo após a derrota de Kadafi. De fato, desde antes do início da agressão militar, comandos militares britânicos e norte-americanos (em operações aprovadas por Cameron e Obama, violando a legalidade internacional) infiltraram-se na Líbia e levavam a cabo ações de sabotagem e assassinatos seletivos. Os militares ocidentais chegaram ao extremo de utilizar vestimenta similar aos milicianos do bando rebelde, para camuflar a sua intervenção ante as instituições internacionais: eram militares da Otan, mas nunca reconheceram a sua condição, e treinaram os rebeldes e lutaram junto a eles.
Não sabemos quantas pessoas morreram na Líbia em consequência da brutal intervenção da Otan em 2011. Algumas fontes falam de uns trinta mil mortos; outras aumentam esse número. A Cruz Vermelha, por seu lado, calcula uns cento e vinte mil mortos, mas não há dúvida de que essa guerra que a Otan iniciou destruiu o país e afundou os seus seis milhões de habitantes num pesadelo sinistro.
Em março próximo passam seis anos sobre o início da matança: os EUA, França e Reino Unido lançaram a partir de navios e aviões um diluvio de bombas e de mísseis de cruzeiro. Justificaram a guerra e a carniçaria com a resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, que apenas falava de utilizar as “medidas necessárias” para proteger a população civil que “estivesse ameaçada”, e que autorizou uma zona de exclusão aérea, mas não a invasão do país. Não havia autorização alguma para iniciar uma intervenção militar, nem muito menos um ataque para derrubar o governo. China e Rússia, bem como a Índia e a Alemanha, abstiveram-se naquela votação do Conselho de Segurança e, posteriormente, perante a guerra imposta, tanto Moscou como Pequim denunciaram a abusiva interpretação que Washington, os seus aliados europeus e a Otan tinham feito da resolução do Conselho. A África do Sul, que também tinha votado a favor da resolução, denunciou depois o uso desmesurado do acordo para forçar uma “mudança de regime e a ocupação militar do país”.
Foi tal a hipocrisia de Washington, Londres e Paris, que os seus aviões chegaram a bombardear a população civil em Bengasi e Misrata, entre outras cidades líbias, matando centenas de pessoas, apesar de supostamente intervirem em sua defesa. Previamente, as “forças rebeldes” foram treinadas por instrutores militares norte-americanos e de outros países da Otan, ao mesmo tempo que lhes forneceram armamento sofisticado e informação, e o Departamento de Estado norte-americano trabalhou para criar um Conselho Nacional de Transição para o impor como novo governo após a derrota de Kadafi. De fato, desde antes do início da agressão militar, comandos militares britânicos e norte-americanos (em operações aprovadas por Cameron e Obama, violando a legalidade internacional) infiltraram-se na Líbia e levavam a cabo ações de sabotagem e assassinatos seletivos. Os militares ocidentais chegaram ao extremo de utilizar vestimenta similar aos milicianos do bando rebelde, para camuflar a sua intervenção ante as instituições internacionais: eram militares da Otan, mas nunca reconheceram a sua condição, e treinaram os rebeldes e lutaram junto a eles.
Durante o verão de 2011, a Otan lançou milhares de missões de combate, e enviou
comandos de “operações especiais” para reforçar os ataques dos rebeldes,
armados e apoiados pela aliança ocidental. Em
20 de outubro, sem forças para resistir, Kadafi fugiu de Sirte, a coluna em
que se deslocava foi atacada por aviões norte-americanos e franceses e,
finalmente, foi detido por destacamentos rebeldes, ajudados por esses “comandos
de operações especiais” norte-americanos. Depois
assassinaram-no a sangue frio. Cinco dias antes do assassinato de Kadafi o
primeiro-ministro britânico, Cameron, e o presidente francês, Sarkozy,
voaram até à Líbia, para a zona controlada pelos rebeldes, enquanto as equipas
da CIA norte-americana trabalhavam para localizar Kadafi e assassiná-lo. A sua
morte foi celebrada por Obama, Cameron e Sarkozy.
Violando a resolução da ONU, utilizando de novo a guerra como instrumento da sua política externa, os EUA e seus aliados alcançaram os seus propósitos. Os bombardeios da Otan destruíram aeroportos, infra-estruturas e portos do país, instalações oficiais, quartéis, estradas e, segundo estimativas da ONU, centenas de milhares de pessoas foram forçadas a fugir, convertendo-se em refugiados na sua própria terra. As reservas e recursos do país no estrangeiro foram objeto de intervenção pelos governos ocidentais. Hoje, a economia do país é apenas um terço parte do que era antes da intervenção da Otan em 2011. Depois, estalou a luta de bandos entre os diferentes grupos armados (como sucedeu no Afeganistão após o triunfo dos “senhores da guerra”, apoiados também pelos EUA); chegaram ao país o caos, a devastação, os milicianos fanáticos e bandidos armados que se apoderaram de tudo. A Líbia passou a ser um pesadelo, onde os sequestros, os centros clandestinos de tortura, os assassínios, as violações de mulheres tomaram conta da vida cotidiana no inferno; e onde inclusivamente faltam alimentos e remédio, a ponto de em muitas cidades, como em Bengasi, os habitantes se verem obrigados a comer alimentos podres e ratos.
A essa paisagem de inferno une-se a destruição de centros públicos, de praças, parques e lugares onde a população acorria antes da guerra; junta-se o roubo de propriedades, os fuzilamentos e decapitações públicas organizadas pelos grupos jihadistas, que passaram a ser moeda corrente da nova Líbia. Fontes independentes falam de centenas de pessoas, talvez milhares, decapitadas pelos destacamentos armados de fanáticos milicianos religiosos. Grupos salafistas e jihadistas continuam a controlar importantes áreas do território e, embora Washington tenha tentado erguer um cenário democrático, nas eleições de junho de 2014, sobre um censo de três milhões e meio de personas, apenas 18% da população votou. Muitas cidades ficaram convertidas em ruínas, e as minas antipessoal são um perigo mortal para os sobreviventes.
Várias centenas de grupos armados, enfrentados entre si, pugnam pelo controlo do território e da riqueza do país, juntamente com as máfias que traficam pessoas, que condenam emigrantes a trabalhos forçados, que matam com total impunidade, enquanto dois governos e dois “parlamentos”, em Trípoli e em Tobruk, (este, apoiado então pela Otan), tentavam derrotar o adversário e obter o reconhecimento exterior. Para sair do caos, os governos ocidentais impulsionaram o chamado “governo de unidade nacional”, criado em Marrocos em dezembro de 2015, presidido por Fayez al-Sarraj, embora este continue sem estabelecer sua autoridade em todo o país, e seja inclusivamente incapaz de controlar Trípoli, onde existem várias dezenas de milícias armadas cuja agenda se centra em apoderar-se do petróleo para o exportar, em extorsão à população, aos imigrantes, e em traficar pessoas.
Em outras importantes cidades líbias, como Sirte, Misrata, Tobruk, sucede o mesmo. Por seu lado, o general Jalifa Haftar controla agora Tobruk, com ajuda militar e financeira do Egito e Emiratos Árabes Unidos. Haftar é um militar líbio que, após romper com Kadafi, foi transferido pela CIA para os EUA nos anos 1990, para, posteriormente, encabeçar a milícia armada que a agência norte-americana financiou. A estes há que acrescentar as forças controladas pelo Daesh, o autodenominado Estado Islâmico, que conta com importantes conivências nas monarquias do golfo Pérsico.
Nesse caos infernal, Washington continua enviando “grupos de operações especiais” (como o que chegou em Dezembro de 2015 à base militar de Al-Watiya, no distrito de An Nuqat al Khams, junto à fronteira tunisina, comando que foi bloqueado por grupos armados e obrigado depois a sair do país), e utiliza a sua aviação para bombardear milícias que não são do seu agrado, enquanto apoia o governo de Fayez al-Sarraj, embora continue a contar com o trunfo de Haftar, velho empregado da CIA. Na prática, as diferentes milícias bloqueiam-se entre si, e o caos é tal que não existe um bando capaz de se impor aos demais. Os EUA tentam estabilizar a situação através do governo de Fayez al-Sarraj, embora não desdenhassem apoiar um governo de Haftar se este conseguisse impor-se na maior parte do país: querem contar com um governo cliente que assegure os seus interesses, e o Departamento de Estado é capaz de tornar apresentável qualquer governo de bandidos.
Os EUA e seus aliados europeus (Reino Unido, França) responsáveis pela tragédia do país, estão interessados em questões diferentes: Bruxelas tenta conter a chegada de emigrantes vindos da Líbia, que algumas fontes calculam em 150.000 anuais, assunto que preocupa especialmente a Alemanha; Washington pretende controlar o Daesh (com quem contemporiza na Síria onde, de fato, é visto como um aliado na guerra para derrubar o governo de Damasco), desativar as centenas de milícias, e recuperar a produção de petróleo. Por seu lado, o enviado especial da ONU para a Líbia, Martin Kobler, tenta, sem sucesso, mediar no meio do caos.
Entretanto, as televisões e a grande imprensa internacional há tempo que deixaram de mostrar interesse pela Líbia, seguindo um guião utilizado com êxito muitas vezes. A Líbia, convertida num estado arrasado, com presença do Daesh (que acaba de perder Sirte), onde todos os grupos e milícias cometem crimes de guerra ante a indiferença ocidental, é hoje um país pelo qual nenhuma potência da Otan assume responsabilidade, embora uma terça parte da população necessite de ajuda alimentar urgente, embora os líbios tenham que comer ratos e beber águas pestilentas, embora se vejam obrigados a contemplar constantes assassínios e decapitações, embora ali a vida não valha nada, e os governos dessas potências sejam conscientes de que os líbios foram condenados a viver num inferno.
Violando a resolução da ONU, utilizando de novo a guerra como instrumento da sua política externa, os EUA e seus aliados alcançaram os seus propósitos. Os bombardeios da Otan destruíram aeroportos, infra-estruturas e portos do país, instalações oficiais, quartéis, estradas e, segundo estimativas da ONU, centenas de milhares de pessoas foram forçadas a fugir, convertendo-se em refugiados na sua própria terra. As reservas e recursos do país no estrangeiro foram objeto de intervenção pelos governos ocidentais. Hoje, a economia do país é apenas um terço parte do que era antes da intervenção da Otan em 2011. Depois, estalou a luta de bandos entre os diferentes grupos armados (como sucedeu no Afeganistão após o triunfo dos “senhores da guerra”, apoiados também pelos EUA); chegaram ao país o caos, a devastação, os milicianos fanáticos e bandidos armados que se apoderaram de tudo. A Líbia passou a ser um pesadelo, onde os sequestros, os centros clandestinos de tortura, os assassínios, as violações de mulheres tomaram conta da vida cotidiana no inferno; e onde inclusivamente faltam alimentos e remédio, a ponto de em muitas cidades, como em Bengasi, os habitantes se verem obrigados a comer alimentos podres e ratos.
A essa paisagem de inferno une-se a destruição de centros públicos, de praças, parques e lugares onde a população acorria antes da guerra; junta-se o roubo de propriedades, os fuzilamentos e decapitações públicas organizadas pelos grupos jihadistas, que passaram a ser moeda corrente da nova Líbia. Fontes independentes falam de centenas de pessoas, talvez milhares, decapitadas pelos destacamentos armados de fanáticos milicianos religiosos. Grupos salafistas e jihadistas continuam a controlar importantes áreas do território e, embora Washington tenha tentado erguer um cenário democrático, nas eleições de junho de 2014, sobre um censo de três milhões e meio de personas, apenas 18% da população votou. Muitas cidades ficaram convertidas em ruínas, e as minas antipessoal são um perigo mortal para os sobreviventes.
Várias centenas de grupos armados, enfrentados entre si, pugnam pelo controlo do território e da riqueza do país, juntamente com as máfias que traficam pessoas, que condenam emigrantes a trabalhos forçados, que matam com total impunidade, enquanto dois governos e dois “parlamentos”, em Trípoli e em Tobruk, (este, apoiado então pela Otan), tentavam derrotar o adversário e obter o reconhecimento exterior. Para sair do caos, os governos ocidentais impulsionaram o chamado “governo de unidade nacional”, criado em Marrocos em dezembro de 2015, presidido por Fayez al-Sarraj, embora este continue sem estabelecer sua autoridade em todo o país, e seja inclusivamente incapaz de controlar Trípoli, onde existem várias dezenas de milícias armadas cuja agenda se centra em apoderar-se do petróleo para o exportar, em extorsão à população, aos imigrantes, e em traficar pessoas.
Em outras importantes cidades líbias, como Sirte, Misrata, Tobruk, sucede o mesmo. Por seu lado, o general Jalifa Haftar controla agora Tobruk, com ajuda militar e financeira do Egito e Emiratos Árabes Unidos. Haftar é um militar líbio que, após romper com Kadafi, foi transferido pela CIA para os EUA nos anos 1990, para, posteriormente, encabeçar a milícia armada que a agência norte-americana financiou. A estes há que acrescentar as forças controladas pelo Daesh, o autodenominado Estado Islâmico, que conta com importantes conivências nas monarquias do golfo Pérsico.
Nesse caos infernal, Washington continua enviando “grupos de operações especiais” (como o que chegou em Dezembro de 2015 à base militar de Al-Watiya, no distrito de An Nuqat al Khams, junto à fronteira tunisina, comando que foi bloqueado por grupos armados e obrigado depois a sair do país), e utiliza a sua aviação para bombardear milícias que não são do seu agrado, enquanto apoia o governo de Fayez al-Sarraj, embora continue a contar com o trunfo de Haftar, velho empregado da CIA. Na prática, as diferentes milícias bloqueiam-se entre si, e o caos é tal que não existe um bando capaz de se impor aos demais. Os EUA tentam estabilizar a situação através do governo de Fayez al-Sarraj, embora não desdenhassem apoiar um governo de Haftar se este conseguisse impor-se na maior parte do país: querem contar com um governo cliente que assegure os seus interesses, e o Departamento de Estado é capaz de tornar apresentável qualquer governo de bandidos.
Os EUA e seus aliados europeus (Reino Unido, França) responsáveis pela tragédia do país, estão interessados em questões diferentes: Bruxelas tenta conter a chegada de emigrantes vindos da Líbia, que algumas fontes calculam em 150.000 anuais, assunto que preocupa especialmente a Alemanha; Washington pretende controlar o Daesh (com quem contemporiza na Síria onde, de fato, é visto como um aliado na guerra para derrubar o governo de Damasco), desativar as centenas de milícias, e recuperar a produção de petróleo. Por seu lado, o enviado especial da ONU para a Líbia, Martin Kobler, tenta, sem sucesso, mediar no meio do caos.
Entretanto, as televisões e a grande imprensa internacional há tempo que deixaram de mostrar interesse pela Líbia, seguindo um guião utilizado com êxito muitas vezes. A Líbia, convertida num estado arrasado, com presença do Daesh (que acaba de perder Sirte), onde todos os grupos e milícias cometem crimes de guerra ante a indiferença ocidental, é hoje um país pelo qual nenhuma potência da Otan assume responsabilidade, embora uma terça parte da população necessite de ajuda alimentar urgente, embora os líbios tenham que comer ratos e beber águas pestilentas, embora se vejam obrigados a contemplar constantes assassínios e decapitações, embora ali a vida não valha nada, e os governos dessas potências sejam conscientes de que os líbios foram condenados a viver num inferno.
Fonte: Diário.Info, do original no La Haine - http://www.lahaine.org/libia-
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