Quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Roberto Almeida,
de Londres
do Opera Mundi
Manifestantes realizam protesto em Londres Foto: Divulgação/Greenwash Gold |
Na contramão dos furores patrióticos por medalhas, manifestantes britânicos realizaram protestos contra a Olimpíada de Londres. Sem o mesmo holofote de Usain Bolt, Michael Phelps e Andy Murray, cinco ações anti-Jogos questionaram seus polêmicos patrocinadores, colocando em xeque a lógica dos “benefícios” do megaevento e a controversa reformulação da região leste da capital britânica para construção do Parque Olímpico.
Poucas linhas de jornal contaram sobre as prisões em uma bicicletada pacífica e outras detenções em um protesto bem-humorado com creme de baunilha na Trafalgar Square, centro de Londres.
Um grupo de ativistas conseguiu autorização do comitê olímpico local – a única para o dia da abertura – e realizou um die-in (tipo de protesto pelos mortos de uma tragédia realizado por simulações) homenageando as vítimas da catástrofe de Bhopal, na Índia. Enquanto isso, na cidade de Bhopal, crianças deficientes realizaram uma “Olimpíada paralela”.
As manifestações, mesmo que à sombra do megaevento, mostraram que o modelo de negócios da Olimpíada de Londres está longe de ser unanimidade. Ele é, acima de tudo, controverso, e deixa diversas lições para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, daqui a quatro anos.
Veja quem foi às ruas (ou às redes sociais) e por quê:
Die-in
Há 28 anos, a cidade de Bhopal, norte da Índia, foi vítima de uma das maiores catástrofes ambientais da história. Em 1984, falhas em uma fábrica de pesticidas, de propriedade da Union Carbide, lançaram 27 toneladas de um gás tóxico, o isocianato de metila, e contaminaram 120 mil pessoas. A área nunca foi descontaminada e há indícios de que há grandes quantidades de mercúrio em seus lençóis freáticos.
Em 2001, a Dow Chemical Company, gigante do setor químico, comprou a Union Carbide, mas não assumiu total responsabilidade pela tragédia. Os efeitos foram devastadores. Os chamados “filhos de Bhopal” nasceram com deformidades. A empresa afirma que as indenizações pagas são suficientes para apagar a mancha da catástrofe, mas a área continua contaminada.
O caso raramente volta às páginas dos jornais. No dia 27 de julho, data da cerimônia de abertura, manifestantes mobilizados pela ONG DropDowNow foram às proximidades do Parque Olímpico e realizaram um die-in. Qual a relação disso com a Olimpíada?
A Dow Chemical, que também fabricou napalm para a Guerra do Vietnã, aportou 7 milhões de libras esterlinas (cerca de 21 milhões de reais) para ser patrocinadora dos Jogos Olímpicos. O acerto com o Comitê Olímpico Internacional, levou à renúncia ao vivo, na rede estatal BBC, de Meredith Alexander, ex-agente da Comissão para uma Londres Sustentável 2012.
O premiê conservador David Cameron saiu em defesa da multinacional e disse que a Olimpíada de Londres seria a mais verde da história. Segundo o contrato com o Comitê Olímpico Internacional, a Dow Chemical já é patrocinadora da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
Contra a isenção
Protestos na frente de uma loja da Adidas contra a exploração de trabalhadores - Foto: Divulgação |
A isenção fiscal, segundo Hunt, foi preponderante para que os Jogos fossem sediados em Londres neste ano, com anuência do comitê olímpico local, chefiado por Sebastian Coe, do Partido Conservador. A legislação britânica sofreu mudanças para que isso acontecesse, em operação conjunta com o Tesouro.
A irritação de ativistas era questão de tempo. Eles rapidamente sublinharam a contradição entre isenção fiscal a multinacionais e políticas de austeridade do governo britânico, que enfrenta o mais longo período de recessão em 50 anos. A ONG 38 Degrees fez um abaixo-assinado virtual pedindo a todas as empresas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos que paguem seus impostos sobre a exploração do megaevento.
Houve uma enxurrada nas redes sociais e deu certo. Em duas semanas, 14 multinacionais enviaram comunicados à ONG informando que concordavam em pagar as taxas.
Bicicletada pacífica
Toda última sexta-feira do mês, ciclistas do grupo Critical Mass (ou Massa Crítica) saem pedalando por Londres. Desde 1994, eles se encontram no South Bank, perto da ponte Waterloo, e passeiam sem itinerário pela capital britânica como uma celebração do “andar de bicicleta”.
A última sexta-feira de julho caiu no dia 27, data da cerimônia de abertura da Olimpíada. Cerca de 500 ciclistas se reuniram para pedalar, mas não conseguiram cruzar a ponte Waterloo. O acesso à margem norte do rio Tâmisa estava fechado.
Motocicletas policiais com sirenes altíssimas escoltavam vans e ônibus que levavam os atletas ao Parque Olímpico, bloqueando ruas de toda a região central e leste de Londres. Segundo a polícia, era proibido pedalar na capital britânica naquela noite. Ciclistas disseram ter sido empurrados pela polícia para deixar o astro do futebol David Beckham passar e tiveram suas bicicletas confiscadas.
Ao todo, segundo dados oficiais da polícia britânica, 182 ciclistas foram presos durante a bicicletada, que contou com uso de spray de pimenta e da tática de contenção de manifestantes conhecida como “kettling”. Os policiais, unidos, formaram círculos em torno dos ciclistas, mantendo-os “presos” na rua.
Dos 182 detidos, 178 saíram no dia seguinte e quatro foram acusados de diversos crimes. “As pessoas não têm o direito de realizar um protesto que atrapalhe o direito de outras pessoas de seguir com suas vidas – atletas que treinaram durante anos por uma chance de competir, milhões de portadores de ingressos que queriam ver o maior evento esportivo do mundo e todo mundo em Londres que queria se locomover”, afirmou a polícia britânica em nota.
Creme de baunilha
Ativistas da Greenwash Gold 2012, campanha contra os patrocinadores “verdes” dos Jogos Olímpicos, foram até a Trafalgar Square, centro de Londres, para um pódio de mentirinha. Três pessoas, representando Rio Tinto, Dow Chemical e British Petroleum, posariam em frente ao relógio da contagem regressiva da Olimpíada e então jogariam um creme de baunilha com corante verde na cabeça, simulando lixo tóxico. Seis acabaram presos.
“Greenwash” é o termo usado por ativistas para empresas que fazem “lavagem verde de dinheiro”, ou seja, usam parte de seus lucros em patrocínios e projetos direcionados ao meio-ambiente, mas o destroem em suas atividades principais. A performance do grupo durou cerca de 15 minutos, tempo suficiente para que a polícia prendesse seis pessoas por “dano criminal” ao piso da Trafalgar Square – tudo isso porque caiu um pouco de creme de baunilha no chão.
“Era um protesto pacífico e legítimo contra patrocinadores terríveis, e os manifestantes acabaram presos por derrubar creme de baunilha”, disse o diretor da Bhopal Medical Appeal, Colin Toogood.
Além da norte-americana Dow Chemical, acusada como a responsável legal pela tragédia de Bhopal, a British Petroleum foi responsável pelo vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010. E a Rio Tinto, especialista em mineração, é duramente criticada por sua atuação em países como Indonésia e Papua Nova Guiné.
Badminton
Duas reportagens de jornal, uma do Daily Telegraph, mais à direita, e outra do The Independent, mais à esquerda, mostraram que a Adidas estava fabricando material esportivo para a Olimpíada à custa de trabalhadores em regimes desumanos, pagando salários baixíssimos e com carga horária de até 65 horas por semana. Os esforços foram grandes para revelar a história. O Telegraph foi até Camboja, enquanto o Independent viajou à Indonésia em busca de informações sobre a fabricação das roupas.
Todos os atletas do time olímpico do Reino Unido vestem Adidas e seus agasalhos estavam entre os mais vendidos. O design é de Stella McCartney, estrela mundial da moda. A empresa nega utilizar trabalhadores em regime de escravidão, cujos salários/hora não chegariam a um real.
Domingo, 29 de Julho de 2012
Cerimônia de abertura da Olimpíada irrita conservadores
Londres - Cerimônia esquerdista, verdadeiro lixo multicultural, “pior que a de Beijing, capital de um estado comunista”. Com esses calorosos epítetos o deputado conservador Aidan Burley desqualificou em sua conta no twitter a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos tão elogiada em nível nacional e internacional, e provocou uma furiosa reação pública e política. O governo de David Cameron, que esperou a chegada dos Jogos como maná celestial em meio a recessão, procurou se distanciar rapidamente do deputado.
Aidan Burley não gostou da longa cena com crianças saltando em camas de hospital e enfermeiras dedicada ao Serviço Nacional de Saúde (NHS), a aparição de símbolos do CND, uma organização que promovia o desarmamento nuclear durante a guerra fria, e, a gota que fez o balde do conservador transbordar, foi tanto rap. “É estranho que ele (o cineasta Danny Boyle) tenha dado tanta importância ao rap. Pareceu-me uma tentativa de enfocar nossa história com o prisma moderno de nosso culturalismo”, insistiu Burley em uma entrevista de televisão. Disposto a bombardear a cerimônia cultural, o deputado assinalou que o final tampouco foi de seu agrado. “É também muito triste que Shami Chakrabarty, da organização de esquerda Liberty, tenha sido uma das pessoas escolhidas para carregar a bandeira dos jogos”, disse Burley.
Com um país orgulhoso por uma cerimônia que a imprensa britânica descreveu como “extraordinária” e “assombrosa”, Downing Street, o prefeito de Londres, Boris Jonson, e uma série de deputados conservadores se afastaram de seu colega conservador e elogiaram sem reservas a cerimônia inaugural. O trabalhismo aproveitou a ocasião. “David Cameron deveria mostrar um pouco de liderança e exigir um pedido de desculpas de Aidan Burley. Cameron disse que o Partido Conservador mudou, mas está claro que não mudou muito pelo que disse um de seus deputados”, assinalou o deputado trabalhista Michael Dugher. David Cameron assumiu a liderança dos conservadores em 2005 decidido a fazer o partido ocupar o centro do espectro político com uma imagem mais “branda” que a da era thatcherista, guinada com a qual a direita partidária nunca simpatizou.
As bestas negras dos conservadores
Aidan Burley é um dos mais excêntricos representantes dessa linha. No ano passado, foi obrigado a renunciar de seu cargo de assistente ministerial depois de participar de uma despedida de solteiros que tinha uma temática de disfarces nazistas. Grotescos erros desse tipo permitiram a Cameron isolar esse setor – ultranacionalistas e thatcheristas que reivindicam o império a ferro e fogo – mostrando-o como minoritário e marginal, mas não conseguiu eliminar a suspeita de que, na verdade, representa uma tendência profunda dos conservadores.
Em todo caso, está claro que Burley não está sozinho. Um deputado conservador, Karl McCartney, insinuou no twitter que mais gente está de acordo com suas opiniões. “Abertura de cerimônia agradável em sua maior parte, se ignorarmos as descaradas referências esquerdistas que muitos não ignoraram”, disse Mc Cartney no twitter. Em apoio a esta leitura política da abertura, apareceu uma mensagem do magnata multimídia Ruppert Murdoch, que ficou vinculado aos conservadores no escândalo das escutas telefônicas. “A inauguração foi surpreendentemente boa, embora muito politicamente correta”, assinalou Murdoch em seu twitter,
O multiculturalismo, o politicamente correto, o NHS, a BBC e o rap são típicas bestas negras dos conservadores que os responsabilizam por diferentes pecados, desde o terrorismo até a falta de patriotismo, a desintegração familiar e o aumento de crimes. O multiculturalismo, em particular, foi alvo de fortes debates desde os atentados de 7 julho de 2005 em Londres contra o transporte público que deixaram 54 mortos e mais de 700 feridos.
Segundo seus críticos a coexistência de distintas culturas no interior de uma sociedade (o multiculturalismo) não favoreceu a integração das distintas correntes imigratórias do pós-guerra no Reino Unido. A pior mostra desse fracasso seria o fato de que os quatro atacantes suicidas dos atentados eram de origem muçulmana. É claro que para a maioria dos britânicos vincular a cerimônia inaugural dos Jogos com um perverso “vício” multicultural é, no mínimo, uma hipérbole disparatada.
Diplomacia olímpica
A Olimpíada de 2012 arrancou com conflitos de bandeiras que, parafraseando o teórico militar alemão Carl Von Clausewitz, provam que o esporte é, como a guerra, a “política por outros meios”. Primeiro foi o erro com a bandeira da Coreia do Norte que colocou em perigo a partida com a seleção colombiana de futebol feminino na sexta. Além deste, o conflito China-Taiwan fez uma aparição no meio de Londres. Esse conflito, que começou em 1949 com a fuga do generalíssimo Chiang Kai-Shek para a ilha de Taiwan logo depois de sua derrota para Mao Tse-Tung, atravessou tempo e espaço e se instalou os encarregados de decorar a central avenida de Regent Street às vésperas dos Jogos Olímpicos.
A bandeira vermelho e azul de Taiwan estava entre as 206 bandeiras do mundo durante duas semanas até que uma misteriosa reunião entre a Associação de Regent Street, os organizadores dos Jogos e o Ministério de Assuntos Exteriores britânico mudou as coisas. Com sigilosa discrição, a Associação retirou a bandeira de Taiwan na quarta-feira. Quando o assunto chegou à imprensa, um porta-voz da organização dos Jogos lavou as mãos rapidamente. “O Ministério de Assuntos Exteriores nos asconselhou a baixar a bandeira. Os chineses tinham se queixado”, justificou-se para o jornal “Evening Standard”.
Segundo um acordo firmado em 1980 com o Comitê Internacional dos Jogos Olímpicos, Taiwan exibe a bandeira de seu comitê olímpico e não a bandeira nacional. A China reivindica Taiwan como parte indissolúvel de seu território sob o princípio de uma única China e se faz escutar sobre esse tema em todos os eventos políticos, culturais ou desportivos do planeta. Curiosamente, o partido governante de Taiwan, o Kuomingtang, também reivindica a unidade territorial. A bandeira retirada é a criada pelo pai da independência chinesa, Sun Yat Sem, reconhecido como herói nacional tanto pelos comunistas como pelos taiwaneses. Mas esses são detalhes históricos, nada mais.
O Reino Unido, que tem entre suas prioridades econômicas a intensificação da relação econômica com a China para sair da recessão, não quer dar um passo em falso no delicado e escorregadio terreno dos símbolos nacionais. Isso não impede que os erros humanos – ou simples gafes – compliquem seus objetivos.
Como se a diplomacia internacional já não fosse um campo minado, os organizadores dos Jogos colocaram seu grãozinho de areia para a paz internacional confundindo a bandeira da Coreia do Norte com a da Coreia do Sul no telão da partida de futebol feminino com a Colômbia.
As duas Coreias, tecnicamente, ainda estão em guerra (não foi firmado um acordo de paz de um conflito de três anos que deixou milhares de mortos) e são uma parte delicada do atual mosaico internacional. A desconfiança mútua é atávica e imprevisível. A Coreia do Norte não acreditou na teoria do erro humano: para eles se tratou de uma falha deliberada dos organizadores dos Jogos. A partida, que esteve a ponto de ser suspensa, iniciou uma hora mais tarde e o próprio primeiro ministro David Cameron precisou intervir para colocar panos frios. “Foi um erro de boa fé. Foi pedido perdão e vamos nos assegurar que o erro não volte a ocorrer. Não devemos exagerar o episódio. Foi algo infeliz e penso que devemos deixa-lo assim”, assinalou Cameron. A mensagem não tranquilizou os norte-coreanos. “Certamente que ficamos furiosos. Imagine se um atleta obtém uma medalha de outro a aparece sob outra bandeira”, disse Ung Chang, membro do Comitê Internacional Olímpico da Coreia do Norte.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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