16.8.2012
O CERCO DO OCIDENTE À INDÚSTRIA BRASILEIRA DE DEFESA
Por Mauro Santayana
As
forças militares brasileiras só dispõem de munições para uma hora de
resistência, segundo declarou o General Maynard Santa Rosa a O
Globo. No caso de uma situação de guerra, teríamos que contar com um
grande esforço diplomático, a fim de ganhar tempo e mobilizar a Nação às
pressas para a defesa do território. É certo que uma ocupação militar
do Brasil por uma força invasora é quase impossível, e que teríamos
condições de expulsá-la depois de imensos sacrifícios da população
civil, mas com a destruição de nossos centros industriais mais importantes.
Guerra quer dizer tecnologia. Desde o arco e a flecha – invenção que surgiu, segundo os antropólogos, com o neolítico – os países mais poderosos são os que se mantêm na vanguarda da produção de armamentos. Preservar a paz é preparar-se para a guerra, conforme a constatação dos romanos. Seja por nossa índole, seja por desídia, ou por confiança na sorte, o Brasil talvez seja, relativamente, o país mais indefeso do Mundo.
O País procura, agora, investir na defesa, mas está sendo muito moroso. E comete um erro crasso, o de não produzir seus próprios armamentos e petrechos de combate. Estamos
desnacionalizando o pouco de indústria bélica de que dispomos, com a
entrada maciça de empresas estrangeiras (entre elas, e de forma
agressiva, as de Israel) no parque industrial brasileiro, mediante a aquisição de firmas nacionais ou de sua associação com nossos empreendedores.
No Mundo inteiro, quem comanda a produção de armamentos – direta ou indiretamente – é o Estado. No Brasil, o melhor caminho deve ser o que o Governo e o Congresso estão propondo, ainda que timidamente, com a criação da Amazul. A cada ano, devido
à Amazônia e ao Pré-sal, entre outras razões, cresce a importância de a
Nação aumentar – como acontece na Europa com complexos industriais
militares como a EADS, a Navantia e a Finmecannica - a participação
direta do Estado na indústria brasileira de defesa, e o grau de conteúdo
nacional nas encomendas que estão sendo contratadas junto a empresas
estrangeiras.
Não se
pode admitir - como ocorre com a projetada fabricação de 2.000 blindados
ligeiros Guarani no município mineiro de Sete Lagoas, pela IVECO - que
apenas 60% das peças utilizadas sejam fabricadas no Brasil. Em
caso de conflito, ou mera ameaça de confronto, entre o Brasil e qualquer
país da OTAN (Europa e Estados Unidos) a produção desses tanques seria
descontinuada, e não teríamos como substituir o material perdido em
combate. É de se recordar o exemplo da Argentina, que ficou literalmente a ver navios – nesse, caso, britânicos – na guerra das Malvinas.
Por outro lado, há um verdadeiro cerco dos países geopoliticamente identificados como ocidentais à indústria bélica brasileira. Todas
as empresas que desenvolveram tecnologia militar nos últimos anos
tiveram o seu controle adquirido por grupos internacionais recentemente.
Com isso, essas multinacionais se apossaram do
conhecimento desenvolvido por técnicos e engenheiros brasileiros, e
agora podem decidir a seu bel-prazer, seguindo a orientação estratégica
dos governos de seus países de origem, até que limite essas empresas que
antes pertenciam a empresários nacionais poderão chegar, no
desenvolvimento de novas tecnologias bélicas.
A
Aeroeletrônica, empresa brasileira que há mais de duas décadas se dedica
ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte logístico
de produtos eletrônicos para veículos aéreos, marítimos e terrestres, e
que forneceu sistemas de aviônica para o Tucano 27 e o Super Tucano, da
Embraer, e para o caça ítalo-brasileiro AMX, foi adquirida, em 2001,
pela ELBIT, empresa israelense criada, em 1967, sob o estímulo do
Ministério da Defesa de Israel.
A ARES
Aeroespacial e Defesa, que estava desenvolvendo a REMAX – estação de
arma estabilizada servo-controlada, para metralhadoras, destinada a
equipar os blindados Guarani dos quais falamos - e outros produtos, como
colimadores, indicadores visuais de rampa de aproximação, sistemas
óticos de pontaria para tiro indireto de morteiros, sistemas de
lançamento de torpedos, e foguetes de chaff, para defesa de navios -
também teve o seu controle adquirido pela ELBIT, no final de 2010, e foi
rebatizada como AEL Sistemas.
Com isso, o
REMAX, desenvolvido inicialmente por técnicos do CTEX, foi substituído
pelo “UT30BR”, e o contrato para o equipamento dos blindados Guarani com
essas torretas automatizadas de armamento, no valor de mais de 400
milhões de reais, foi repassado para os israelenses. Apenas três meses
depois, em janeiro de 2011, Israel dava mais um passo na sua estratégia
de penetração na indústria bélica brasileira, com a compra da Periscópio
Equipamentos Optrônicos S.A, especializada na área de defesa e
sinalização aeroportuária.
O que causa
revolta no observador mais atento, é o fato de que o retorno do baixo
investimento feito por multinacionais estrangeiras para a compra dessas
empresas, da ordem de algumas dezenas de milhões de reais, é líquido e
certo. O lucro, várias vezes maior do que os investimentos, está
assegurado por encomendas já contratadas, pela Marinha, o Exército e a
Força Aérea. Em muitos casos, nossas forças armadas já
desenvolviam sistemas em parceria com as empresas que estão sendo
desnacionalizadas quando elas ainda estavam sob controle local.
Empurrada pelas
aquisições, a estratégia israelense no Brasil está indo de vento em
popa. Em março de 2011, a AEL, controlada pela ELBIT, criou junto com a
Embraer uma nova empresa, a Harpia, para a fabricação de VANTs, veículos
aéreos não tripulados para vigilância e ataque, do tipo utilizado pelos
israelenses nos territórios palestinos e pelos norte-americanos no
Paquistão e no Afeganistão. Outra empresa israelense, a IAL – Israel
Aircraft Industries, fabricante do míssil Rafael, fornece os
aviões-robôs do mesmo tipo para o sistema de vigilância de fronteiras da
Polícia Federal. Esses veículos telecomandados poderiam estar sendo
desenvolvidos no Brasil, onde já existem empresas incipientes formadas
por universitários para atuar nesse segmento da tecnologia aérea.
Assim, seja na
área de blindados, na de aviônica, de optoeletrônica, como é o caso de
periscópios, ou de aviões robóticos não tripulados, os
israelenses – e, por meio deles, também seus aliados norte-americanos -
podem monitorar, confortavelmente, da mesa de diretoria dessas empresas,
cada passo que o Brasil dê nessas áreas.
Radares
e helicópteros, e, agora, submarinos, são o campo de caça dos
franceses, que completaram, em setembro de 2011, com o Grupo Thales, a
aquisição, iniciada em 2006, de 100% do controle da brasileira Omnisys,
empresa especializada no desenvolvimento e fabricação de radares de
longo alcance, sediada em São José dos Campos. Em alguns casos a
fabricação de armamentos é feita – sem subterfúgios ou hipocrisia – por
empresas diretamente controladas por governos estrangeiros. Esse é o
caso da DNCS, Direction des Constructions Navales, – que tem 75% de suas
ações nas mãos do governo francês. Ela se “associou” à Odebrecht, para
construir, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, quatro submarinos da classe
Scorpéne, e mais o casco do futuro submarino nuclear brasileiro –
encomendados pela bagatela de 7 bilhões de dólares.
O mais perto que já cheguei de um submersível foi quando li 20.000 léguas submarinas, de Júlio Verne. Mas, como disse Arquimedes, referindo-se à alavanca, “dêem-me um ponto de apoio e moverei o céu e a Terra”, se
derem a qualquer governo de um país com um mínimo de planejamento, 7
bilhões de dólares, ele certamente construirá bela fábrica de submarinos,
desde que haja tempo para contratar as pessoas certas - aqui e no
estrangeiro - e adquirir os componentes adequados, sem precisar dividir o
controle desse ativo estratégico com ninguém.
Com uma parcela desse dinheiro, o Brasil poderia montar uma completa universidade naval,
formando centenas de engenheiros especialistas na construção de
belonaves, entre elas, submarinos, por ano, no lugar dos 26 brasileiros
que passaram alguns meses na França, em uma escola de submergíveis, por
conta do acordo. Por aí se pode ver que os especialistas brasileiros
formados no âmbito desse contrato milionário - negociado pelo então
Ministro da Defesa Nelson Jobim - cabem todos em um micro-ônibus.
Rezemos para que não aconteça um acidente.
Considerando-se, obviamente, que o Brasil ficou anos sem investir um centavo em armamentos, e que teve
a sua indústria bélica desmantelada durante a tragédia neoliberal dos
anos 1990, devido á ojeriza a qualquer coisa que se aproximasse de uma
política industrial decente, compreende-se que o governo Lula
esteve, nessa área, motivado por boas intenções. Ocorre que a pressa não
justifica a adoção de certo tipo de acordos, por parte do Brasil,
principalmente quando se sabe que alguns contratos, como os assinados
com os franceses, na área dos submarinos, ou com os italianos da IVECO,
para a fabricação de blindados – com projeto do Exército Brasileiro -
têm uma duração de 20 anos.
A Helibras,
única fábrica latino-americana de helicópteros, é controlada, em mais de
75%, pela Eurocopter francesa, que por sua vez, pertence em 100% à
EADS, com 15% das ações pertencentes ao governo francês. A EADS é um
consórcio europeu, que conta com a participação, direta e indireta de
outros governos, como o alemão e o espanhol. Como muitos grupos de
defesa multinacionais que funcionam no Brasil, a Helibras tem sido
também irrigada com milionários contratos pelas Forças Armadas. É o caso
da encomenda de 50 helicópteros pesados, destinados ás três forças,
apesar do conteúdo nacional desses produtos ser mínimo e a da maior
parte dos lucros seguir todos os anos para a Europa, infelizmente.
É fácil ver que o
avanço dos franceses – assim como o dos outros países geopoliticamente
classificados como “ocidentais” - sobre a indústria de nacional de
armamento é um processo duradouro, organizado e persistente. No
dia 12 de junho de 2012, há menos de dois meses, portanto, a Optovac
Mecânica e Optoeletrônica Ltda, especializada em equipamentos de
optrônica e visão noturna, e parte de um seleto grupo de pequenas e
médias empresas inovadoras, assim classificadas pelo Ministério da
Defesa, foi também comprada – sem qualquer oposição - pela SAGEN
francesa, do grupo SAFRAN, controlado em mais de 30% pelo governo
daquele país.
Os ingleses,
naturalmente, também não poderiam ficar de fora do processo da tomada de
controle de nossas empresas de defesa e das encomendas do governo. A
British Aeroespace, ou BAE Systems, acaba de fornecer três navios de
patrulha oceânica para a Marinha, por quase 400 milhões de reais, em uma
compra de “oportunidade”. As naves estavam antes destinadas a
Trinidad-Tobago. No final de 2011, essa empresa também assinou contrato –
depois do necessário 'nihil obstat' do governo norte-americano – para
modernizar um primeiro lote de 150 veículos blindados sobre lagartas
M-113, utilizados em transporte de tropas, avaliados em 43 milhões de
dólares. O valor pode aumentar proporcionalmente, caso o processo se
estenda para toda a frota brasileira desse tipo de veículos, que chega a
350 blindados.
Na área
aeroespacial, a BAE inglesa foi selecionada para fornecer os sistemas de
controle eletrônico de voo do novo jato militar de transporte KC-390 da
EMBRAER, e agora, como informam meios especializados, busca “parcerias
estratégicas”, para participar das licitações do Sisfron - Sistema Integrado de Fronteiras e do Sisgaaz - Sistema de Monitoramento da Amazônia Azul,
avaliados em 15 bilhões de dólares. Poderíamos falar aqui também dos
planos e manobras da Finmeccanica, italiana, ou da Navantia, espanhola,
no Brasil, ambas com participação acionária de seus respectivos
governos.
É preferível,
no entanto, lembrar a diferença entre o tratamento que damos aos grupos
estrangeiros de defesa – aqui representados, ás vezes, por pessoal da
reserva de nossas forças armadas que já serviu no exterior - e aquele
que recebem as nossas empresas quando tentam penetrar no mercado de
algum país do hemisfério norte. Nos países
ditos capitalistas e de suposto “livre mercado”, a compra de
armamentos, e a propriedade empresas fabricantes de material bélico
costumam ser tratados como assuntos estratégicos e de segurança nacional. Na
Europa, para comprar um projétil que seja, procura-se, primeiro, uma
empresa local, depois, se a encomenda tiver de ser feita a uma empresa
estrangeira, por uma questão de preço ou de escala, busca-se alguma que
tenha participação acionária de algum grupo do país comprador, ou, em
último caso, uma empresa que pertença a um dos enormes complexos
militares controlados diretamente por governos europeus, como é o caso
da EADS.
Os
Estados Unidos são ainda mais curtos – e grossos – nesse aspecto. Para
vender qualquer arma ao governo dos Estados Unidos ou às suas Forças
Armadas, a empresa estrangeira terá que estar instalada nos Estados
Unidos, onde obrigatoriamente deverá produzir a encomenda, e estar
associada minoritariamente a uma empresa diretamente controlada por
capitais norte-americanos. Devido a essa postura – que deveríamos estar praticando aqui há muito tempo,
se mais não fosse por uma questão de isonomia – a mera hipótese da
entrada de uma empresa brasileira de tecnologia de defesa naquele
mercado, como fornecedora das Forças Armadas norte-americanas, mesmo que
cumprindo rigorosamente todos os requisitos a que nos referimos – acaba
se transformando em uma questão nacional.
Foi o que
descobriram os executivos da Embraer no ano passado quando, depois de se
associar a uma parceira norte-americana, a Sierra Nevada Corporation,
venceram uma licitação de menos de 400 milhões de dólares, para o
fornecimento de 20 aviões ligeiros Super-Tucano para uso no Afeganistão e
a concorrência foi anulada. Uma campanha movida em
todo o país, com o apoio de congressistas republicanos. pela Hawker
Beechcraft, que tinha tido seu avião desclassificado por problemas
técnicos na licitação, levou a Força Aérea norte-americana a anular a
concorrência que beneficiava a Embraer. Isso, apesar de que a fabricação
do avião seria feita em território norte-americano e a maior parte das
peças das aeronaves serem produzidas pelos Estados Unidos ou pelos seus
parceiros do NAFTA. Podemos imaginar o que não ocorreria no Brasil – e o escândalo que não fariam certos veículos de comunicação – caso viesse a ocorrer o mesmo por aqui,
e um contrato de fornecimento de armamento norte-americano para nossas
forças armadas fosse bloqueado no Congresso, devido ao pedido de uma
empresa concorrente de capital 100% nacional.
A estratégia dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, com relação ao Brasil, está cada vez mais clara:
- impedir o desenvolvimento de tecnologia nacional própria, com a compra de qualquer empresa que procurar desenvolvê-la;
- associar-se à empresa que não se puder
comprar, oferecendo cooperação no desenvolvimento da tecnologia, com o
intuito aparente de ajudar o país a queimar etapas, mas, na verdade, para impedir que qualquer avanço se faça à sua revelia, sem a sua vigilância ou participação.
- impedir que o dinheiro gasto com o
reaparelhamento das Forças Armadas chegue às mãos de empresas sob
controle nacional, e que esse dinheiro não seja investido para avanços
de caráter tecnológico que coloquem em risco a hegemonia de suas
empresas no mercado brasileiro e no exterior.
- cooptar, com associações ou contratos de representação e de “lobby”, pessoal da reserva das forças armadas,
principalmente ex-adidos militares brasileiros no exterior, para
vender, como uma coisa ideologicamente natural, a associação do Brasil
com empresas ocidentais para a produção de armamento, de forma a impedir
que a Nação recorra a outras opções.
- impedir a reunião, coordenada, de pequenas
empresas brasileiras de grande potencial tecnológico, em grandes
consórcios industriais militares de inspiração ou controle público, como
os que existem no Ocidente, como a Lockheed Martin, ou a própria EADS.
- Diminuir, via participação na maioria dos
contratos, a realização de parcerias entre empresas brasileiras de
defesa de qualquer porte e empresas não ocidentais, como as existentes
nos países BRICS, e, se não puder impedir a cooperação entre uma empresa
brasileira de defesa e uma congênere do BRICS, estar presente
acionariamente ou como participante do projeto, do lado brasileiro, para
“controlar” essa aproximação.
- estabelecer, coordenadamente, via
supervisão dos métodos de produção e administração e baixos índices de
conteúdo nacional, um alto grau de dependência da indústria nacional de
defesa com relação aos seus “parceiros” e controladores ocidentais, tornando-se capaz de paralisar as linhas de montagem de seus armamentos em nosso país, em caso de conflito, ou de potencial conflito, entre o Brasil e esses países.
Ao enfrentar uma situação absurda e desastrosa, com a criminosa aprovação, no Governo Fernando Henrique Cardoso, de emenda constitucional que transformou, para todos os efeitos, em “brasileira” qualquer empresa instalada no Brasil - mesmo que controlada por capitais públicos ou privados estrangeiros
– a Presidente Dilma tem tentado fazer o que pode, na área de defesa,
embora não tenha conseguido impedir que o processo de desnacionalização
tenha chegado ao ponto que chegou.
Temos uma legislação perversa, que faz com que o País, do ponto de vista da defesa do capital nacional, tenha que subir ao ringue com as duas mãos atadas. Somos
obrigados a concorrer com empresas que contam com descarado apoio –
direto e indireto – dos governos de seus países de origem. As agências
“reguladoras” nacionais, incluindo o CADE, não fazem nenhuma distinção
entre empresas de capital nacional ou estrangeiro, até mesmo
quando grandes grupos autenticamente nacionais tentam se expandir, via
aquisições, no mercado internacional. E, além disso, o Brasil precisa
ainda enfrentar a oposição de seus inimigos internos.
Nesse sentido,
a pior herança que nos deixaram os anos 1990 foi toda uma geração de
presumidos formadores de opinião que insistem em ser mais realistas que o
rei, e mais neoliberais do que os executivos de Wall Street, na defesa
do entreguismo e da capitulação da Nação.
E isso em um mundo em que os países que mais intervêm na economia são justamente os que mais crescem, como é o caso da China, e em que os países mais poderosos são justamente os mais nacionalistas, como é o caso da própria China, dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão.
É nesse
Brasil absurdo que alguns industriais defendem a elite paraguaia, que
só nos manda armas e drogas e o mais maciço e rasteiro contrabando. É
essa mesma gente que insiste que estreitar a “parceria” com os Estados
Unidos - com quem temos mais de 5 bilhões de dólares de prejuízo no
comércio exterior - enquanto ataca duramente a entrada da Venezuela -
que nos compra quase 5 bilhões de dólares em alimentos e manufaturados
com um superávit brasileiro de mais de 3 bilhões e 200 milhões de
dólares - no Mercosul. E o pior é que ninguém pergunta aos
milhares de trabalhadores, empreendedores, pecuaristas, agricultores e
empresários brasileiros que produziram e venderam esses 7 bilhões de
reais aos venezuelanos em 2011 o que eles pensam sobre o assunto.
Voltando à
questão do cerco ocidental à indústria bélica, a entrada do BNDES no
capital da Avibras, no final do governo Lula, ao permitir que essa
empresa honrasse a entrega de importante pedido ao governo da Malásia, e
a encomenda de um sistema ASTROS 2020 para os fuzileiros navais,
apontam para a direção correta. A criação da Amazul – Amazônia Azul Tecnologias e Defesa,
aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados no dia 30 de
maio, para cuidar da produção do propulsor nuclear que irá equipar o
futuro submarino nuclear brasileiro, também foi um passo fundamental para a independência do Brasil na área de defesa. Isso, embora já se organize a resistência de conhecidos grupos a fim de sabotar a empresa.
A Amazul, uma
estatal, que não poderá ser vendida a nenhum grupo estrangeiro, poderá
representar – se houver decisão política nesse sentido por parte do
governo – um divisor de águas na política brasileira de defesa. Ela
poderá ser – e o Brasil precisa disso - a primeira de
grandes empresas cem por cento nacionais, destinadas à produção de
armamento. E se transformar no embrião de um grande estaleiro estatal,
acoplado a uma importante escola de engenharia naval, para a Marinha,
além de constituir exemplo para a criação de uma empresa desse porte
também para a força terrestre. Com complexos industriais desse nível, o
Brasil estaria pronto para estabelecer parcerias com as grandes empresas
estatais dos países BRICS, para desenvolver, ainda nas próximas
décadas, toda uma nova geração de armamentos.
A cooperação de
empresas brasileiras como a que está em curso entre a Mectron e a DENEL
sul-africana para a construção de um míssil A-Darter pode quebrar um
pouco da antipatia que ainda existe com relação à cooperação com a
Rússia, a Índia e a China, os outros BRICs, no desenvolvimento de
material de defesa. Não se trata de recusar a tecnologia ocidental, mas
sim de impedir que se tome de assalto o nosso sistema de produção de
armamentos. Além disso, a subordinação do Brasil às empresas
norte-americanas, europeias e israelenses nos fechará o mercado de boa
parte do mundo – como os próprios países árabes – que não são simpáticos
a Israel ou aos Estados Unidos. Ou os próprios BRICS, com quem teremos
que cooperar, caso não queiramos colocar os nossos ovos – ou nossas
empresas de armamento – em uma só cesta. Não podemos correr o risco de ficar desarmados e inermes frente a eventuais inimigos,
por cooperar só com um lado do Mundo, e com empresas que estão todas,
política e corporativamente, ligadas entre si, até do ponto de vista
acionário.
O
Governo Federal está preparando novas medidas para a área bélica, que
incluem maiores incentivos fiscais e de crédito para empresas que
estejam baixo controle teoricamente brasileiro. Com a aprovação, em,
março, da Lei 12.958, grupos que atuam na área de infraestrutura e
construção civil, como a Odebrecht (já associada à EADS), OAS, Engevix,
Queiroz Galvão, Camargo Correa e Synergy, além da própria Embraer, terão
vantagens tributárias e condições especiais de crédito para participar
de licitações na área de defesa. O problema é que todos esses grupos estão negociando a participação de empresas estrangeiras, todas dos Estados Unidos ou da Europa, na composição dessas novas empresas, em troca de “tecnologia”. Estamos
partindo do pressuposto de que a única maneira de ter acesso a
tecnologia na indústria bélica mundial é se associar - minoritariamente,
na maioria das vezes - a um parceiro mais forte, e, ainda por cima
estrangeiro. Essa é uma premissa absolutamente falsa, para não usar palavra mais forte.
Com
dinheiro e decisão política, qualquer um vai atrás da tecnologia,
pesquisa planos, copia projetos, contrata especialistas, entre os
milhares de engenheiros e cientistas estrangeiros que estão
desempregados por causa da crise na Europa e nos Estados Unidos. Ou associa-se, em igualdade de condições,
com países que desenvolveram de forma autônoma a sua própria indústria
de defesa, como a China e a Rússia, sem depender de associações desse
tipo com os países ocidentais.
No entanto, no
lugar de aproveitar a janela de oportunidade aberta pela crise para nos
apropriarmos de pessoal especializado e da tecnologia que está
disponível lá fora sem abrirmos mão de controlar, sozinhos, uma área que
é estratégica para o país, o que estamos fazendo, e com financiamento
público e benefícios fiscais? Aprofundando a nossa dependência do
Ocidente, a longo prazo, e, como já acontece nas telecomunicações, por
exemplo, usando o dinheiro do BNDES para a expansão e o fortalecimento
em território nacional de empresas estrangeiras – “associadas” ou não a grupos nacionais – que em última instância não tem, e nunca terão, o menor compromisso estratégico com o Brasil.
Como lembra a fábula de Jean de La Fontaine, - ou a “joint venture” do porco com a galinha para vender ovos com bacon - não existe pacto possível entre lobos e cordeiros.
Em uma associação de uma construtora brasileira e um grande grupo
multinacional de defesa, com eventual participação estatal, ou “golden
share”, do governo de seu país de origem, não seremos nós os lobos, e
eles os cordeiros. Essas “joint ventures”, se vierem a acontecer, para o
fornecimento, sem garantia de 100% de conteúdo nacional e de 100% de
controle brasileiro, de armamentos que levam décadas para ser
desenvolvidos e produzidos, equivalerão à entrega e capitulação de nossa indústria bélica, agora e no futuro, à Europa e aos Estados Unidos,
e o Governo Dilma Roussef, por pressão, pressa ou ingenuidade, será
responsabilizado perante a história se prosseguir nesse caminho.
Crédito e condições fiscais especiais devem ser entregues apenas a empresas que tenham 100% de capital nacional,
com cláusulas que assegurem, se necessário, a intervenção soberana do
Governo e impeçam a sua venda, como já aconteceu no passado e continua
acontecendo agora, a capitais estrangeiros. Tecnologia compra-se lá fora, quando existe dinheiro, sem ser preciso entregar uma única ação aos concorrentes.
Além disso, a presença de empresas da Europa e dos Estados Unidos na
composição acionária das futuras “superbélicas” “nacionais” irá impedir
que essas empresas possam comprar tecnologia dos nossos parceiros nos
BRICS, como a Rússia, a China e a Índia, caso não haja interesse de
países como a França ou a Itália em fornecê-la.
É preciso romper o cerco ocidental à indústria brasileira de defesa. Estamos assinando acordos que equivalem a entregar a alma ao diabo,
sem nenhuma garantia de que não iremos depender de peças ou de decisões
estrangeiras para a fabricação das armas que teriam que nos proteger no
futuro.
*****************************
Para se ter idéia do poder de destruição do NEOLIBERALISMO, basta lembrar o que aconteceu à União Soviética. Apesar de todas as suas deficiências, o marxismo-leninismo conseguiu fazer da União Soviética a 2ª potência do mundo. Em poucos anos, o NEOLIBERALISMO fez a Rússia desabar para o 40º lugar.
A superioridade do projeto político sobre o militar é incomensurável.
Seria impossível, por exemplo, ao Exército americano derrotar o Exército
soviético dentro da União Soviética. No entanto, por meio do PROJETO
NEOLIBERAL, o Exército russo foi completamente destruído. Hoje,
nós encontramos, pedindo esmola na praça pública, em Moscou, soldados
que pertenceram, até há pouco tempo, ao maior exército da terra e que,
sem ter onde morar, se alojam em tanques, navios e submarinos
desativados, por falta de condição de manutenção.
Também seria inadmissível uma vitória do Exército americano sobre o Exército brasileiro, dentro do território nacional. Mas, sem dar um tiro, por meio do PROJETO NEOLIBERAL, o Exército brasileiro está sendo destruído.
Os nossos soldados recebem soldos miseráveis, e os veículos militares
não têm combustível, nem peças de reposição. A continuar a situação, os
nossos soldados estarão na mesma condição dos militares russos: pedindo
esmola em praça pública.
Lembremo-nos
que, há alguns anos, o Comandante da Aeronáutica procurou o Presidente
Fernando Henrique Cardoso para lhe expor a difícil situação em que se
encontra a sua arma, em que 60% dos aviões e dos helicópteros não têm
condição de levantar vôo por falta de peças de reposição. FHC lhe
prometeu que iria falar com o Ministro Pedro Malan para pedir autorização ao FMI para poder comprar as peças necessárias. Risum teneatis?
A Nova Inconfidência, Celso Brant, 2002, Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Internet: www.iof.mg.gov.br
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