quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O custo da desnacionalização

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01/08/2012
 
                                    
O custo da desnacionalização
 
 
Adriano Benayon
 

1. Venho mostrando que a desnacionalização está na raiz das travas ao desenvolvimento econômico e social do País, que se traduzem em suplícios diariamente vivenciados pela imensa maioria dos brasileiros.
2. Entre os aspectos da vida em que nossa população é mais sacrificada está o transporte para ir ao trabalho e de lá voltar, em que se perde, em muitos casos, seis horas diárias, ademais de passá-las em extremo desconforto.
3. Isso atinge mais duramente os que dependem totalmente dos meios de transporte públicos, mas não poupa os que têm veículo próprio, emperrados no trânsito urbano e nas estradas deficientes e congestionadas, ou exploradas por concessionárias vorazes na extorsão dos pedágios exorbitantes.
4. Esses prejuízos e os decorrentes dos preços dos veículos mais altos do mundo – que, por vezes, passam do dobro do que pagam os consumidores de outros países para adquirir um veículo – são os mais visíveis, mas não são os únicos nem os maiores.
5. As colossais transferências de recursos financeiros que as subsidiárias das transnacionais efetuam em favor de suas matrizes são a causa principal dos déficits das contas externas e o fator básico do endividamento.
6. Este, por seu turno, deu lugar aos abusos que fizeram exponenciar a dívida pública, através da composição de juros extorsivos e de numerosas e injustificáveis taxas, sem falar na estatização de dívidas privadas.
7. Assim, nos últimos 30 anos o “serviço da dívida” come a parte do leão das receitas públicas, fazendo minguar os investimentos na infra-estrutura, na saúde e na educação. Para cúmulo, a insuficiência quantitativa é grandemente agravada pela escolha “errada” em onde investir e como investir.
8. Quanto ao onde, priorizou-se, entre os transportes, o rodoviário. Mas quem induziu ao erro? Há erros tão grosseiros, que não podem ocorrer só por ignorância: alguém exerceu poder para que eles fossem cometidos. Esse é o fulcro da maior – e menos comentada – corrupção existente no País.
9. Os juristas da Roma Antiga recomendavam procurar a quem o crime aproveita. A quem, senão à indústria automotiva e ao cartel do petróleo, cujos interesses, em âmbito mundial, são, em grande parte, os mesmos?
10. Quanto ao como, os investimentos são feitos antes para propiciar ganhos às grandes empresas mundiais que em proveito do País. Omitindo as verdadeiras causas do “custo Brasil”, os que reclamam dos impostos altos, energia e transportes caros não sabem do falam, ou fingem não saber.
11. De fato, não fosse a dívida inflada por obra do modelo dependente, não teríamos, como hoje, de usar quase metade da receita de impostos e contribuições no serviço dessa dívida. Além disso, as alíquotas poderiam ser reduzidas para a metade das atuais, gerando o dobro da receita, se tivessem ficado no País e fossem investidos sensatamente, os recursos apropriados e transferidos ao exterior pelas transnacionais.
12. Quanto à energia o Brasil tem todas as condições naturais para que seja barata, e assim seria se não se importassem, com enormes sobrepreços, as turbinas e outros equipamentos dos cartéis mundiais, sob o esquema da dependência financeira e tecnológica. Depois, a dívida resultante subiu para estratosfera.
13. A energia seria muitíssimo mais barata se se tivesse desenvolvido corretamente a da biomassa, com óleos vegetais substituindo o diesel de petróleo e o álcool combinado com a agropecuária. Mesmo sem isso, seria muito mais módica, se FHC não tivesse favorecido as estrangeiras British Gas, Shell e Enron com os contratos para importar gás da Bolívia, destinado a antieconômicas termelétricas. Seria ainda mais competitiva sem as corruptas privatizações e concessões.
14. O Brasil é superdotado em recursos aquaviários, base da modalidade mais econômica dos transportes: extensíssima costa marítima e abundância de rios navegáveis, ou transformáveis em tal, e interligáveis por canais. Há 70 anos, o Prof. Affonso Várzea elaborou o projeto “Ilha do Brasil”, que incluía a ligação entre as bacias do Prata e do Amazonas. E, até hoje, nada!
15. Se tivesse investido em ferrovias e material rodante, prosseguido com as estatais e estimulado o desenvolvimento de tecnologia, não se teria aprofundado a desvantagem em que o País se encontrava há 56 anos, quando a política passou a exacerbar as falhas da malha ferroviária, ao invés de corrigi-las.
16. Veículos automotores em excesso atravancam as vias urbanas, pois faltam densas linhas de metrô nas metrópoles, enormemente infladas em suas periferias pela migração decorrente da estrutura fundiária e da baixíssima renda das massas, gerada pelo modelo. Nos transportes interurbanos e interestaduais dá-se problema semelhante.
17. Conforme estudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), as transnacionais montadoras servem-se da pesquisa tecnológica, feita aqui, para remeterem, como despesa, seu lucro real às matrizes, muitíssimo mais que introduzir inovações em processos produtivos.
18. O IPT observa:”O Brasil tem no mundo o maior número de marcas produzidas internamente, mais até que os Estados Unidos.” Aduz O pesquisador do IPT, Mário Sérgio Salerno: “Isso não é bom para o produto, porque cria uma pulverização, e essa indústria depende de escala para ser competitiva”.
19. O engenheiro Carlos Ferreira comenta: “4º maior mercado de veículos e 6º maior montador. Nenhuma marca nacional. Entretanto, fartura de subsídios às transnacionais, que aqui produzem veículos de baixa tecnologia, e remessas de bilhões para suas matrizes no exterior. Algumas delas já teriam desaparecido sem este “eldorado dos trópicos”.
20. Como aponta Salerno, as montadoras realizam, em geral, testes, e não, pesquisa e desenvolvimento (P&D), já que a parte substantiva dos modelos é projetada nas matrizes. Assim, o País paga elevados royalties em favor delas, que contabilizam, como investimento em P&D, numerosas horas de engenharia aplicadas nos testes.
21. Essa é, portanto, uma das rubricas usadas pelas transnacionais para remeter ganhos ao exterior, obtidos com os elevados preços do mercado brasileiro, acrescidos dos subsídios que o “poder público” brasileiro presenteia as montadoras, ademais das isenções e reduções fiscais.
22. Os insumos importados a preços superfaturados são outro grande conduto de recursos para o exterior, resultando, ao mesmo tempo, no preço final elevadíssimo no mercado brasileiro.
23. Os mais importantes deles são os motores, que não são desenvolvidos no Brasil. Fabricam-se aqui, mas sempre por transnacionais, como ocorre com a maior parte das autopeças, indústria que, até os anos 70, era controlada em cerca de 80% por empresas de capital nacional.
24. Esses são dados da realidade demonstrativos de que, embora tenha crescido quantitativamente, a produção no Brasil decaiu qualitativamente. O atraso é espantoso não só em relação aos países asiáticos – que se industrializaram muito depois do Brasil – mas também em relação aos progressos havidos, enquanto teve governo passavelmente autônomo, i.e., na Era Vargas.
25. A Fábrica Nacional de Motores (FNM), fundada em 1942, produziu motores aeronáuticos, tendo o primeiro avião com motor FNM saído em 1946. Embora a tecnologia fosse norte-americana, Curtiss-Wright, a produção sob controle nacional viabilizaria o desenvolvimento de tecnologia brasileira.
26. Com a deposição de Vargas em 1945, deu-se o primeiro retrocesso, convertendo-se a produção para motores de eletrodomésticos. Em 1949, em cooperação com empresa italiana, a FNM iniciou a fabricação de caminhões, retomada em 1951, em associação com a estatal italiana Alfa-Romeo, com Vargas de volta.
27. Depois, a fábrica de Xerém, RJ, produziu novo modelo do exitoso caminhão FNM e depois o automóvel de passeio Alfa-Romeo JK, mas, em 1968, o governo do novo golpe militar fez alienar a FNM para a empresa italiana, mais tarde privatizada em favor da Fiat.
28. A política econômica do modelo dependente promoveu a crescente apropriação do mercado interno brasileiro pelas transnacionais, inclusive através das barreiras à importação. A partir da abertura radical à globalização, iniciada por Collor, os veículos produzidos no Brasil foram tendo conteúdo decrescente de insumos locais, e cresceram as importações de veículos.
29. O resultado disso espelha-se na balança comercial do 1º quadrimestre de 2012: as exportações de automóveis somaram US$ 1,2 bilhão, enquanto as importações atingiram US$ 3,3 bilhões.
30. Segundo o estudo do IPT, Volkswagen, General Motors e Fiat desenvolveriam alguma tecnologia local, em produtos aqui concebidos, como o Fox, da Volks, e a Meriva, da GM.
32. Mas são desenvolvimentos sejam significativos. Pior: em qualquer caso, pode-se ter certeza que eles se tornam propriedade das transnacionais, protegida por patentes.
33. Na realidade é para isto que a Volkswagen ganhará mais um subsídio: o financiamento pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no montante de nada menos que R$ 342 milhões para “desenvolver” um subcompacto e um sedã, e “modernizar” modelos existentes.
34. Como assinala o economista Paulo Kliass, em artigo publicado em 13.07.2011, “Prioridades do governo, BNDES e indústria do automóvel”, trata-se de modelos já vendidos em outras praças, como o supercompacto “Up”. O crédito, da linha “Proengenharia” do BNDES, serve para gerar valor agregado no exterior.
35. Aduz Kliass: “Os projetos chegam aqui prontos e acabados”. Lembra, ainda, que o BNDES já havia favorecido a Renault, em projeto semelhante, com R$ 374 milhões para “adaptação de veículos ao clima e às condições de ruas e estradas do País. Uma loucura!
36. Poder-se-ia concluir que o BNDES – com “N” de “Nacional” – dissipa recursos fazendo de conta que as transnacionais sejam brasileiras, por ocuparem os mercados do País e exercerem poder sobre o “governo”.
37. Leonardo Sakamoto, em 03/07/2012, no seu blog, apud Folha SP informa que as montadoras planejam demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela redução de IPI. GM e Volkswagen abriram programas de demissão voluntária, e a GM estuda fechar a linha de montagem em São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o sindicato de metalúrgicos local.
38. Cita, ademais, matéria do Estado de São Paulo, conforme a qual, desde a crise internacional, o governo brasileiro abriu mão de R$ 28 bilhões em impostos para a indústria automobilística, e esta enviou, ao exterior, no período, US$ 14,6 bilhões. Saliento que essa cifra não inclui o grosso da transferência real dos lucros.
39. Sakamoto assinala que, na lógica que as transnacionais impingem ao “governo”, o Estado ajuda as empresas, mas estas não devem sofrer intervenção alguma: “um liberalismo de brincadeirinha, com o Estado atuante, mas subserviente ao poder econômico, em que o (nosso) dinheiro deve entrar calado …”
40. Recorda Gabriel Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da FVG: “A indústria automotiva do Brasil tem 60 anos e a da Coreia do Sul, 35, e eles são tão mais competitivos, que o consumidor consegue perceber isso simplesmente entrando no carro”. Ele não explica, porém que na Coréia do Sul, a indústria é de capital nacional.
41. Nos âmbitos estadual e municipal, os subsídios não são menos escandalosos que na esfera federal. Ancelmo Gois, em O Globo, de 20.06.2012 informa que Andrea Calabi, secretário de Fazenda de São Paulo ficou “escandalizado” com o incentivo fiscal dado a duas montadoras por Sérgio Cabral, “governador” do Rio de Janeiro:
“O governo fluminense vai financiar 80% do ICMS em 50 anos, com 30 de carência, para Nissan e PSA (Peugeot/Citroen). Juntos, os benefícios chegam a R$ 10 bilhões. A medida é insana. Outras empresas e setores vão querer as mesmas condições…”

Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras SP.

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