Carta Maior, Segunda-Feira, 02 de Janeiro de 2012
O capitalismo abre as jaulas e parte para cima
Por Saul Leblon
Logo após a eclosão da crise mundial, em 2008, não faltaram lideranças políticas a anunciar seu engajamento histórico num esforço para a 'refundação do capitalismo'. Sarkozy, que ajoelha e reza o terço ortodoxo atualmente e desse genuflexório enfrenta as urnas em abril, foi uma das vozes da 'ruptura por dentro'.
Em 15 de outubro de 2008, na presidência rotativa da UE, o aspirante a mini De Gaulle anunciou um acordo "unânime" dos 27 estados membros para 'promover a refundação do sistema capitalista mundial'. Entre outras iniciativas alardeadas "para evitar uma recidiva da crise" prometia-se implantar um rígido arcabouço de controle e fiscalização do sistema financeiro e fulminar nada menos que o coração do circuito especulativo, extinguindo-se os paraísos fiscais.
A recuperação do arsenal regulatório acionado por Franklin Roosevelt nos anos 30 esteve presente também, por algum tempo, na boca desacreditada de Barack Obama. E a instituição de taxas sobre operações financeiras para contrabalançar a supremacia das finanças desreguladas chegou a ser objeto de discussões no âmbito do próprio G-20.
Parece que faz um século. Mas passaram-se menos de quatro anos. Não foi o tempo que apertou o passo. Foi a decrepitude do capitalismo que mostrou a sua nitidez de uva passa no espelho da crise. A incapacidade de renovação, ainda que em eterna fuga para a frente a exemplo do que se fez na crise dos anos 30 e no pós-guerra, é a cicatriz mais assustadora desse semblante carcomido, de cuja garganta ecoa a voz de Angela Merkel a grunhir a consequência desse limite ,com a anuência obsequiosa de seus pares: "2012 será ainda pior que 2011". Nada mais a prometer. O pior.
Ao contrário da festiva 'refundação' de 2008, o vaticínio germânico materializa-se de forma avassaladora na dinâmica de arrocho em curso na Europa, onde tenazes plutocráticos esgoelam a economia e a sociedade na base do faça-se o que for preciso para manter a "ordem em ordem". Aumentar a jornada de trabalho sem remuneração correspondente sintetiza a disposição dos apetites liberados das jaulas das aparências. Se as forças democráticas e de esquerda não condensarem a revolta das ruas num programa de mudanças urgente, factível e mobilizador, o augúrio de Merkel estenderá seu prazo de validade indefinidamente. É tudo o que o sistema tem a oferecer. E não está pedindo licença para entregar.
Em 15 de outubro de 2008, na presidência rotativa da UE, o aspirante a mini De Gaulle anunciou um acordo "unânime" dos 27 estados membros para 'promover a refundação do sistema capitalista mundial'. Entre outras iniciativas alardeadas "para evitar uma recidiva da crise" prometia-se implantar um rígido arcabouço de controle e fiscalização do sistema financeiro e fulminar nada menos que o coração do circuito especulativo, extinguindo-se os paraísos fiscais.
A recuperação do arsenal regulatório acionado por Franklin Roosevelt nos anos 30 esteve presente também, por algum tempo, na boca desacreditada de Barack Obama. E a instituição de taxas sobre operações financeiras para contrabalançar a supremacia das finanças desreguladas chegou a ser objeto de discussões no âmbito do próprio G-20.
Parece que faz um século. Mas passaram-se menos de quatro anos. Não foi o tempo que apertou o passo. Foi a decrepitude do capitalismo que mostrou a sua nitidez de uva passa no espelho da crise. A incapacidade de renovação, ainda que em eterna fuga para a frente a exemplo do que se fez na crise dos anos 30 e no pós-guerra, é a cicatriz mais assustadora desse semblante carcomido, de cuja garganta ecoa a voz de Angela Merkel a grunhir a consequência desse limite ,com a anuência obsequiosa de seus pares: "2012 será ainda pior que 2011". Nada mais a prometer. O pior.
Ao contrário da festiva 'refundação' de 2008, o vaticínio germânico materializa-se de forma avassaladora na dinâmica de arrocho em curso na Europa, onde tenazes plutocráticos esgoelam a economia e a sociedade na base do faça-se o que for preciso para manter a "ordem em ordem". Aumentar a jornada de trabalho sem remuneração correspondente sintetiza a disposição dos apetites liberados das jaulas das aparências. Se as forças democráticas e de esquerda não condensarem a revolta das ruas num programa de mudanças urgente, factível e mobilizador, o augúrio de Merkel estenderá seu prazo de validade indefinidamente. É tudo o que o sistema tem a oferecer. E não está pedindo licença para entregar.
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Carta Maior, Terça-Feira, 03 de Janeiro de 2012
A ordem criminosa do mundo
Redação
Em novembro de 2008, a TVE (Espanha) exibiu um documentário intitulado “A ordem criminosa do mundo”. Nele, Eduardo Galeano, Jean Ziegler e outras personalidades mundiais falam sobre a transformação da ordem capitalista mundial em um esquema mortífero e criminoso para milhões de pessoas em todo o mundo. Mais de três anos depois, o documentário permanece mais atual do que nunca, com alguns traços antecipatórios da crise que viria atingir em cheio também a Europa. Reproduzimos aqui o vídeo, legendado em português, e algumas das principais afirmações de Galeano e Ziegler:
“Os verdadeiros donos do mundo hoje são invisíveis. Não estão submetidos a nenhum controle social, sindical, parlamentar. São homens nas sombras que procuram o governo do mundo. Atrás dos Estados, atrás das organizações internacionais, há um governo oligárquico, de muito poucas pessoas, mas que exercem um controle social sobre a humanidade, como jamais Papa algum, Imperador ou Rei teve”. (Jean Ziegler)
“O atual sistema universal de poder converteu o mundo num manicômio e num matadouro” (Eduardo Galeano).
“O capital financeiro percorre o planeta 24 horas por dia com um único objetivo: buscar o lucro máximo. A globalização é uma grande mentira. Os donos do grande capital que dirigem o mecanismo da globalização dizem: Vamos criar economias unificadas pelo mundo inteiro e assim todos poderão desfrutar de riqueza e de progresso. O que existe, na verdade, é de uma economia de arquipélagos que a globalização criou” (Jean Ziegler).
“Há três organizações muito poderosas que regulam os acontecimentos econômicos: Banco Mundial, FMI e OMC; são os bombeiros piromaníacos. Elas são, fundamentalmente, organizações mercenárias da oligarquia do capital financeiro invisível mundial” (Jean Ziegler).
“Eu não creio que se possa lutar contra a pobreza e criar uma estratégia de luta contra a pobreza sem lutar contra a riqueza, contra os ricos, pois os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres” (José Collado, Missionário em Níger).
“Todos os dias neste planeta, segundo a FAO, 100 mil pessoas morrem de fome ou por causa de suas consequências imediatas” (Jean Ziegler).
“Hoje as torturas são chamadas de “procedimento legal”, a traição se chama “realismo”, o oportunismo se chama “pragmatismo”, o imperialismo se chama “globalização” e as vítimas do imperialismo, “países em vias de desenvolvimento. O dicionário também foi assassinado pela organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem o que dizem, ou não sabemos o que dizem” (Eduardo Galeano).
“Se hoje eu digo que faz falta uma rebelião, uma revolução, um desmoronamento, uma mudança total desta ordem mortífera e absurda do mundo, simplesmente estou sendo fiel à tradição mais íntima, mais sagrada da nossa civilização ocidental. O nosso dever primordial hoje deve ser reconquistar a mentalidade simbólica e dizer que a ordem mundial, tal como está, é criminosa. Ela é frontalmente contrária aos direitos do homem e aos textos fundacionais das nossas civilizações ocidentais” (Jean Ziegler).
“A primeira coisa que devemos fazer é olhar para a situação de frente e não considerar como normal e natural a destruição, por exemplo, de 36 milhões de pessoas por culpa da fome e da desnutrição. Se houvesse uma só morte por fome em Paris haveria uma revolta. De nenhum modo devemos permitir que as grandes organizações de comunicação nos intimidem, nem as fábricas das teorias neoliberais das grandes corporações, pois todas as corporações se ocupam, primeiro, de controlar as consciências, de controlar como podem a imprensa e o debate público” (Jean Ziegler).
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Por Emir Sader
Até um certo momento os ricos ou escondiam sua riqueza ou tratavam de passar despercebidos, como se não ficasse bem exibir riqueza em sociedades pobres e desiguais. Ou até também para escapar da Receita.
De repente, o mundo neoliberal - esse em que tudo vale pelo preço que tem, em que tudo tem preço, em que tudo se vende, tudo se compra – passou a exibir a riqueza como atestado de competência. Nos EUA se deixou de falar de pobres, para falar de “fracassados”. Numa sociedade que se jacta de dar oportunidade para todos, numa “sociedade livre, aberta”, quem nao deu certo economicamente, é por incompetência ou por preguiça.
Ser rico é ter dado certo, é demonstrar capacidade para resolver problemas, ter criatividade, se dar bem na vida, etc., etc. Até um certo momento as biografias que se publicavam eram de grandes personagens da historia universal – governantes, lideres populares, gênios musicais, detentores de grandes saberes. A partir do neoliberalismo as biografias de maior sucesso passaram as ser as dos milhardários, que supostamente ensinam o caminho das pedras para os até ali menos afortunados.
Todos dizem que nasceram pobres, subiram na vida graças à tenacidade, à criatividade, ao trabalho duro, ao espirito de sacrifício. Tiveram tropeços, mas nao desistiram, leram algum guru de auto-ajuda que os fez aumentarem sua auto estima, acreditarem mais em si mesmos, recomeçarem do zero, até chegarem ao sucesso indiscutível.
Seus livros se transformam em best-sellers, vendem rapidamente – até que vários deles caem em desgraça, porque flagrados em algum escândalo -, eles viajam o mundo dando entrevistas e vendendo seu saber que, se fosse seguido por seus leitores, produziria um mundo de ricos e de pessoas realizadas e felizes como eles.
Quem vai publicar um livro de um “fracassado”? Só mesmo se fosse para que as pessoas soubessem quais os caminhos errados, aqueles que nao deveriam seguir, se querem ser ricos, bonitos e felizes. O mundo do trabalho, da fábrica, do sindicato, dos movimentos de bairro, das comunidades – mundo marginal e marginalizado.
Programas de televisão exaltam os ricos, os bem sucedidos, as mulheres que exibem sua elegância, sua falta de pudor de gastar milhões na Daslu e nas viagens a Nova York e a Paris. Ninguém quer ver gente feia, pobre, desamparada, que só frequenta os noticiários policiais e de calamidades naturais. As telenovelas tem como cenários os luxuosos apartamentos da zona sul do Rio e dos jardins de Sáo Paulo, com belas mulheres e homens que não trabalham, no máximo administram empresas de sucesso. Os pobres giram em torno deles – empregadas domésticas, entregadores de pizza, donos de botecos -, sempre como coadjuvantes do mundo dos ricos, que propõem o tipo de vida que as pessoas deveriam ter, se quiserem ser ricos, bonitos, felizes.
Esse mundo fictício esconde os verdadeiros mecanismos que geram a riqueza e a pobreza, os meios sociais – os bancos por um lado, as fábricas por outro – em que se geram a riqueza e a fortuna, a especulação e a expropriação do trabalho alheio. Em que estão os vilões e os heróis das nossas sociedades.
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