Terça-Feira, 10 de Janeiro de 2012
Europa: Keynes, nem pensar
Flávio Aguiar
“No atual meio ambiente do Mercado, não há espaço para usar uma política fiscal expansionista do tipo keynesiano para impulsionar a demanda em países com crescimento baixo – os Mercados simplesmente não aceitarão essa estratégia”.
Essas palavras constam de um relatório confidencial (agora revelado pelo New York Times) sobre a crise, preparado pelos analistas do Deutsche Bank para o governo alemão no ano passado.
Tão elucidativo sobre esse “meio ambiente do Mercado”, o relatório também é elucidativo quanto ao clima que prevalece entre a maioria dos economistas alemães e, por extensão, no Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, e no próprio centro decisório da Comissão Européia, com sede em Bruxelas.
“Nós devemos rapidamente conseguir um orçamento estruturalmente equilibrado. A Alemanha deveria ser um exemplo para o restante da abalada zona do Euro”. Essas palavras sentenciosas – que beiram a arrogância – são de Jens Weidmann, presidente do Bundesbank – o Banco Central Alemão. “Não se deve adiar o corte nos déficits orçamentários” – complementou ele (também citado no NY Times).
Ao lado de outros, que são hegemônicos nas escolas econômicas alemãs (embora haja, é claro, vozes dissidentes) há uma liga, por exemplo, formada por Jörg Asmussen, ex-alto funcionário do Ministério das Finanças, e a partir de 1° de janeiro guindado à diretoria do Banco Central Europeu; seu mestre Axel Weber, ex-presidente do Bundesbank; e o mestre deste último, Otmar Issing, também ex-diretor do Bundesbank e do Banco Central Europeu.
Todos eles, em conjunto, são os mentores de “tecnocratas” como Mario Monti e Lucas Papademos, agora autênticos interventores de Bruxelas e Frankfurt nos governos, respectivamente, de Roma e Atenas.
Todos procedem da escola austríaca, com August von Hayek e seu mestre Ludwig von Mises à frente, respectivamente avô e bisavô da chamada “Escola de Chicago”, cujo mentor, Milton Friedman, influenciou Pinochet et caterva. E foram também os mestres de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Todos eles são absolutamente crentes nas virtudes da rígida disciplina fiscal, com base, por sua vez, na crença de que “menos gastos públicos encorajam os investidores a investir mais e os consumidores a gastar mais, porque eles esperam pagar menos impostos”.
Com freqüência cita-se a Dinamarca dos anos 80 como exemplo dessa virtude – esquecendo que a Dinamarca tinha então (e tem até hoje) soberania sobre a própria moeda.
Com um time desses à frente, não há Keynes que resista, é claro. Também não há economia fragilizada que agüente o peso desta leveza orçamentária.
Algumas heranças genéticas na Alemanha podem também ajudar a entender a popularidade hegemônica desse pensamento.
Em primeiro lugar, deve-se lembrar a espiral inflacionária que, no passado remoto, fez a desgraça da República de Weimar e auxiliou a ascensão de Adolf Hitler e dos nazistas.
Em segundo lugar, está o temor sempre presente da estatização comunista, que se reflete, entre outras coisas, na questão não resolvida de que a reunificação alemã significou uma transferência de impostos do Oeste para o Leste equivalente hoje a 1 trilhão de euros.
Em terceiro lugar, ainda está presente na lembrança de muitos o fato de que o chamado milagre alemão dos anos 50 – fartamente financiado pelo Ocidente num clima de Guerra Fria – entrou em compasso de espera ao fim dos anos 60 e em colapso no começo dos anos 70 graças à crise dos preços do petróleo e à diminuição das exportações alemãs. É fácil atribuir isso a “excessivos gastos” da social-democracia então imperante como pensamento hegemônico de fundo.
Last, but not least, é mais fácil atribuir os atuais desmazelos da situação da Zona do Euro aos excessos das aposentadorias gregas, das benesses italianas, das incúrias ibéricas, etc., etc. & etc., do que à imprevidência, incúria e ganância – às vezes criminosas – por parte da bancada rentista. Até porque no caminho inverso pode-se irritar o “meio ambiente da bancada rentista”, como, com outras palavras, dizia o citado relatório do Deutsche Bank.
Ou seja, de fato, enquanto perdurar esse clima, e o poder dos atuais “homens do tempo”, Keynes por aqui, nem pensar.
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