Centenário de Herivelto Martins
Por Laura Macedo Herivelto de Oliveira Martins
* 30/01/1912 - Engenheiro Paulo de Frontin (RJ)
+ 17/09/1992 - Rio de Janeiro (RJ)
Cantor / Compositor
Nascia, em 30 de janeiro de 1912, há exatos 100 anos,
Herivelto Martins, filho de uma modesta família de Rodeio (RJ), atualmente município de Engenheiro Paulo Frontin.
Cresceu nos grupos de teatro amador do pai onde, gradativamente, foi descobrindo os segredos da representação teatral e circense. Mas o pai (Félix) almejava para o filho um emprego fixo e rentável. O desejo do pai aconteceu, mas durou pouco; Herivelto ainda aguentou um ano.
Atraído pelo circo que se instalara no bairro, onde cantava e ajudava nas mágicas, abandonou o emprego e fugiu de casa para desespero dos pais, mas retornou.
Em 1930 a família muda-se para São Paulo à procura de melhores condições de vida, o que não se efetivou. A veia artística de Herivelto pulsava mais do que nunca motivando-o a procurar a concretização dos seus sonhos.
Sem dinheiro e nem profissão, só com a cara e a coragem, e, também, muita determinação de vencer com a música, resolve aos 18 anos tentar a sorte no Rio de Janeiro.
Sua aterrissagem no mundo artístico se deu pelo compositor Príncipe Pretinho (José Luís da Costa), que o levou ao Conjunto Tupi, de
J.B. de Carvalho.
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Estou procurando um lugar para trabalhar, porque eu canto, eu recito, eu sei fazer de tudo”, diria ao ser apresentado para J.B. E foi logo mostrando uma música de sua autoria – “Da cor do meu violão”. J.B. de Carvalho gostou e a lançou pela RCAVictor, na condição de constar seu nome, também, como autor. Herivelto, no marco zero da carreira, cedeu-lhe a parceria em troca da gravação. Era o início de uma carreira promissora.
Ouça abaixo, clicando no nome da música.
Com a boa receptividade da música “Da cor do meu violão”, J.B. de Carvalho convidou o jovem Herivelto para cantar no coro de conjunto Tupi. Como o grupo era contratado da RCAVictor, Herivelto passou a integrar o coro da gravadora, no qual ficaria famoso por introduzir alguns breques nas gravações, à maneira do cantor Luís Barbosa.
“
Cheguei na hora da gravação e comecei a fazer breques. O pessoal tremia, pois isso não era permitido. Na hora de gravar o pessoal prendia a respiração. Mas eu fiz aquilo, o americano da gravadora gostou e mandou que eu fizesse os breques mais perto do microfone. Dias depois, eu era nomeado diretor do coro”.
Na fase em que dirigiu o coro da RCAVictor, teria sob seu comando vozes que se tornariam famosas, como as de Ciro Monteiro, Odete Amaral, Araci de Almeida e Orlando Silva. Foi nessa época que conheceu o cantor
Francisco Sena, de quem ficaria muito amigo.
Foi Vicente Marzulo, agente comercial de J.B. de Carvalho quem observaria um curioso e belo dueto entre Herivelto e Sena: “
Que é isso que vocês estão fazendo? Canta aí de novo!”
Naqueles dias, o conjunto Tupi se preparava para fazer um teste que escolheria um número especial a ser apresentado nos intervalos das sessões de cinema do Teatro Odeon. Como o grupo não foi aprovado, Marzulo não pensou duas vezes: chamou Herivelto e Sena e pediu que repetissem o dueto, numa tentativa desesperada de conseguir o tal contrato. E não é que deu certo? O empresário do teatro gostou tanto que contratou o grupo todo.
“
Qual o nome dos dois?”, indagou. Pego de surpresa, Marzulo improvisou: “
É... a dupla do preto e do branco”.
Na estreia, o Preto e Branco fizeram mais sucesso do que o conjunto de J.B. de Carvalho, estimulando Herivelto a compor especialmente para a dupla. Surgiu, assim, o samba “Preto e Branco”, que se tornaria um grande êxito do Teatro Odeon. Com a fama passaram a adotar um nome artístico de Dupla Preto e Branco.
Ouça abaixo, clicando no nome da música.
“Preto e Branco” (Herivelto Martins) # Dupla Preto e Branco. Disco Odeon (11.119B), 1934.
“Quatro horas” (Herivelto Martins / Francisco Sena) # Dupla Preto e Branco. Disco Odeon, 1934.
DUPLA PRETO E BRANCO (primeira formação): Francisco Sena e Herivelto Martins.
Os planos de Herivelto para o futuro da dupla seriam interrompidos em 1935, com a morte prematura de Francisco Sena. Repentinamente desempregado, o compositor passaria a atuar sozinho por quase um ano, até ser contratado pela empresa Pascoal Segreto que atuava no Cine Pátria, em São Cristovão. Nesse novo trabalho conheceu uma cantora possuidora de uma linda voz.
“Era a Dalva, com aquela voz tão bonita”, lembrava.
Em pouco tempo, Herivelto e Dalva, começariam a cantar em dueto. Logo em seguida, estariam namorando e, naquele mesmo ano de 1936, vivendo juntos.
DUPLA PRETO E BRANCO (segunda formação): Nilo Chagas / Herivelto Martins
Partiu de Herivelto a ideia de integrar Dalva de Oliveira a recente formação da Dupla Preto e Branco, agora com Nilo Chagas. E a novidade de um trio formado por um par de vozes masculinas, secundando uma voz feminina, expressiva e superaguda, agradou em cheio e fomentou sucesso imediato.
TRIO DE OURO (primeira formação): Nilo Chagas / Dalva de Oliveira / Herivelto Martins
Logo pipocaram convites para apresentações nas mais diversas emissoras de rádio. Na Mayrink Veiga, receberiam do animador
César Ladeira– famoso pelos apelidos que colocava nos cantores que se apresentavam em seu programa – o batismo final:
“
Vamos ouvir agora esse conjunto vocal, Dalva de Oliveira e a Dupla Preto e Branco. Um Trio de Ouro!”. Anos depois,
Herivelto comentaria: “
Eu nunca poria esse nome no conjunto. Seria pretensão minha”.
Uma das faixas desse excelente disco: "Ave Maria no Morro" (Herivelto Martins) # Trio de Ouro.
O Trio de Ouro com a formação acima atuou até 1949, ano do término do casamento de Herivelto com Dalva, rendendo uma polêmica musical de grande repercussão. Mas o Trio de Ouro renasceria em outras formações como a constituída por
Herivelto, Raul Sampaio e Lourdinha Bittencourt(foto abaixo).
“Perdoar” (Herivelto Martins / Raul Sampaio) # Lurdinha Bittencourt. Disco RCAVictor, 1952.
A partir dos anos 1970, o Trio voltou a realizar shows esporádicos, com uma nova solista, a cantora Shirley Dom, sendo Raul Sampaio mantido por Herivelto.
De importância fundamental na história da Música Popular Brasileira, o Trio gravou 99 discos pelas gravadoras Odeon, Victor e Columbia, com quase 200 músicas.
É inegável o sucesso obtido por Herivelto Martins com o Trio de Ouro, mas ele também se notabilizou como grande autor carnavalesco. Sua paixão pelo samba e, em especial, pelo carnaval e escolas de samba, fez com que, compusesse várias músicas do gênero.
“
Herivelto já era um homem de samba de morro, antes que as escolas de samba se organizassem. Quando a Mangueira surgiu, por volta de 1930, já o encontrou com o violão e os tamborins preparados” (Ruy Castro).
Ainda na década de 1930 ele inovava mais uma vez ao criar a primeira escola de samba de salão, inaugurada num programa da Rádio Nacional.
A Estação Primeira de Mangueira era sua Escola do coração, para a qual compôs vários sambas.
“Lá em Mangueira” (Herivelto Martins/Heitor dos Prazeres) # Martinho da Vila e Originais do Samba. Disco RCA Victor, 1971.
“Saudade de Mangueira” (Herivalto Martins) # Trio de Ouro. Disco RCA Victor, 1954.
No comecinho da década de 1940 compôs com Grande Otelo um dos sambas de maior sucesso de sua carreira – Praça Onze -, onde Herivelto usava pela primeira vez numa gravação, o apito para marcar o ritmo.
“
O samba não tinha apito. Foi durante a gravação que eu coloquei um apito. Quando o maestro Benedito Lacerda viu aquilo, ficou achando que não ia dar certo, parecia guarda civil. Acabei insistindo e, mais tarde, é que as escolas de samba tomaram. Eu inventei o apito como elemento rítmico do samba” (Herivelto).
“Praça Onze” (Herivelto Martins/Grande Otelo) # Castro Barbosa e Trio de Ouro. Disco Continental, 1941.
Herivelto Martins sempre teve muita facilidade para criar letras e melodias e era consciente do próprio talento, o que não impedia que estivesse aberto às contribuições dos amigos. Compôs com grandes nomes da sua geração a exemplo de
Ciro Monteiro, Benedito Lacerda, Grande Otelo, David Nasser, Heitor dos prazeres, Assis Valente, Haroldo Barbosa, Marino Pinto, Roberto Roberti, Aldo Cabral e tantos outros.
"Um dos parceiros preferidos era
Marino Pinto foto acima), com quem fez clássicos da música brasileira, como “Cabelos brancos” e “Segredo”.
“Cabelos brancos” (Herivelto Martins/Marino Pinto) # Quatro Ases e Um Coringa. Disco RCA Victor, 1951).
“Segredo” (Herivelto Martins/Marino Pinto) # Rosana Toledo.
Grandes intérpretes gravaram a obra de Herivelto Martins, entre eles, destacamos Francicso Alves, Aracy de Almeida, João Gilberto, Nelson Gonçalves e Carmen Miranda.
“A Lapa” (Herivelto Martins/Benedito Lacerda) # Francisco Alves. Disco Odeon, 1949.
“As três da manhã” (Herivelto Martins) # Aracy de Almeida / Conjunto Abel Ferreira, 1946.
“Isaura” (Herivelto Martins/Roberto Roberti) # João Gilberto, 1973.
“Pensando em ti” (Herivelto Martins/David Nasser) # Nelson Gonçalves, 1974.
“Meu rádio e meu mulato” (Herivelto Martins) # Carmen Miranda, 1938.
A respeito desta música, o compositor lembrava: “Em 1938, conheci Carmen Miranda, aquele sucesso. Ela me pediu uma música e fiz um choro sobre o morro. Tenho influência do morro porque morei em São Carlos. A música foi um sucesso”.
Na SBACEM, Herivelto Martins preside a mesa do Conselho deliberativo. Com ele estão os compositores Joubert de Carvalho, Carvalhinho e Mário Rossi.
Outra faceta da vida de Herivelto foi a luta pelos direitos autorais dos artistas. Presidiu a SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música), logrando êxito nos pleitos ao direito à aposentadoria e a obrigatoriedade da contribuição sindical. Foi também presidente do Sindicato dos Compositores por dois mandatos consecutivos.
Dalva e Herivelto abraçados ao primeiro filho – Pery Ribeiro -, que seguiria a carreira artística dos pais tornando-se um excelente compositor e cantor. Confiram no áudio abaixo na composição “Bossa na praia”, de Pery Ribeiro/Geraldo Cunha, na interpretação de Pery.
Aqui Pery Ribeiro interpreta “Negro telefone”, de Herivelto Martins e David Nasser
Dalva de Oliveira em dueto com Pery Ribeiro.
Clipe de Dalva de Oliveira com seu filho, Pery Ribeiro. O vídeo da música Ave Maria (de autoria de Vicente Paiva e Jayme Redondo), grande sucesso da ótima cantora, foi filmado em 1960 na sede carioca da gravadora Odeon e reconstruído graças aos recursos de animação. Participou da 15ª edição do festival Anima Mundi!
“Meu pai Herivelto Martins, ainda é o cronista maior de um Rio de Janeiro que abrigou em seu tempo as maiores cabeças musicais no nosso país. Com a força e sensibilidade de sua obra, liderou um momento artístico que enriqueceu a cultura popular do Brasil, deixando um legado de simplicidade e comunicação com a massa, numa linguagem de cores tão fortes que irão colorir para sempre a alma do povo brasileiro”. (Pery Ribeiro)
Herivelto Martins viveu até os 80 anos. Faleceu de complicações pulmonares.
Acho que Pery Ribeiro foi muito feliz no texto acima. O talento revelado precocemente em Herivelto Martins engendrou uma obra que muito contribuiu à edificação da Música Popular Brasileira.
Enquanto existir alegria, amor e paixão sua obra não será esquecida, ou seja, nunca.
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Fontes:
- Dicionário Houaiss Ilustrado (da) Música Popular Brasileira. Supervisão geral; Ricardo Cravo Albin. - Rio de Laneiro: Paracatu, 2006.
- Uma história da música popular brasileira – Das origens à modernidade, de Jairo Severiano. – São Paulo: Ed. 34, 2008.
- Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira. – Herivelto Martins. Vol. 14, 2010.
- Revista MPB Compositores. – Herivelto Martins. Nº 39, 1997.
- Depoimento de Herivelto Martins ao MIS - 1968.