São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2010

Países e empresas fazem cerco a WikiLeaks
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Liderados pelos EUA, governos e empresas intensificaram ontem o cerco ao WikiLeaks, numa cruzada para impedir o site responsável pelo vazamento de 250 mil documentos diplomáticos americanos secretos de continuar no ar.
Alegando ser alvo de onda de ataques virtuais, a empresa que fornecia endereço ao site, a americana EveryDNS, interrompeu o serviço, levando o WikiLeaks a migrar, inicialmente a um endereço na Suíça, e depois para Alemanha, Holanda e Finlândia.
A EveryDNS disse que suspendeu o wikileaks.org à 1h de ontem (horário de Brasília), deixando o site inacessível por cerca de seis horas.
Pela manhã, já era possível acessar seu conteúdo no endereço wikileaks.ch. Depois foram obtidos também os domínios .de, .nl e .fi.
"Esses ataques [de hackers] têm ameaçado a estabilidade de toda a infraestrutura EveryDNS, que permite o acesso a 500 mil outros websites", justificou a empresa.
Os 250 mil documentos diplomáticos, ainda não totalmente revelados, desnudaram as ações de bastidores da diplomacia dos EUA, trazendo à luz movimentações sigilosas do país e constrangendo a Casa Branca ante lideranças do mundo inteiro.
O governo americano diz que os vazamentos colocam em risco a segurança nacional e ameaçam a vida de colaboradores por toda parte.
Uma investigação criminal foi iniciada pelo Departamento de Justiça americano.
Anteontem, o site especializado em vazamentos já havia saído do ar por pelo menos cinco horas depois de a Amazon.com, a responsável pelo servidor que hospedava o conteúdo do WikiLeaks nos EUA, suspender o serviço.
Ontem, a Amazon justificou a medida dizendo que o WikiLeaks não é proprietário do conteúdo que disponibiliza, o que pode violar os termos da empresa dos EUA.
A suspensão da hospedagem do conteúdo, porém, foi precedida de fortes pressões das autoridades americanas. O senador independente Joe Lieberman chegou até mesmo a convocar um boicote às empresas que possuem alguma relação com o site.
A medida da Amazon obrigou o site a se mudar para dois servidores na Europa: um na Suécia, o Bahnhof, e um outro na França, o OVH.
Ontem, porém, foi a vez de o governo da França tomar a iniciativa de exercer pressão para impedir que o site siga disponibilizando conteúdos.
O ministro do Interior, Eric Besson, pediu providências para que o site não seja mais hospedado na França.
Segundo ele, é inaceitável a proteção a uma organização que "viola o segredo das relações diplomáticas e coloca pessoas em perigo".
Mas o responsável pela OVH, Octave Klaba, afirmou que, se preciso, vai recorrer à Justiça para hospedar o WikiLeaks em solo francês. "Não cabe à esfera política pedir ou ordenar fechamento de um site", afirmou Klaba.
"PRISÃO IMINENTE"
O cerco se estende ainda ao fundador do site, o australiano Julian Assange, 39. Ontem, a Suécia emitiu mandado de prisão contra Assange retificando detalhes burocráticos que impediram sua detenção a partir de um mandado expedido anteriormente.
Até ontem à noite, sua prisão não havia sido realizada, porém autoridades do Reino Unido -onde se acredita que ele esteja escondido, embora acessível- afirmaram que a sua detenção é "iminente".
Assange sofre processo na Justiça sueca por estupro, assédio sexual e coerção ilegal.
O pedido de prisão levou a Interpol a emitir um alerta internacional.
O mandado sueco é válido em todos os Estados-membros da União Europeia e, em caso de captura, obriga esses países a extraditarem Assange em 90 dias.
ANÁLISE
Inócua, ciberperseguição só revela ignorância tecnológica
ALEC DUARTE
EDITOR-ADJUNTO DE PODER
A ciberperseguição a Julian Assange e seu WikiLeaks chega a ser tão perturbadora quanto reveladora ao escancarar que os governos realmente não compreenderam a internet e a completa inutilidade de tentar controlá-la.
É quase o mesmo efeito dos próprios papéis diplomáticos que o site se propôs a vazar, que apenas confirmam o que já se imaginava sobre o funcionamento da diplomacia internacional.
A disputa de gato e rato entre Assange e aqueles que querem o seu pescoço só traz à tona o que já desconfiávamos havia bastante tempo.
Quando o sociólogo espanhol Manuel Castells, provavelmente o maior pensador contemporâneo da vida em rede, afirmou que os governos têm medo da internet porque não possuem controle sobre ela, acrescentou que a tentativa de fiscalização sempre estará entre as prioridades do poder político.
Basta lembrar da China, que mais do que um poderoso (porém sempre contornável) firewall que tenta impedir o acesso a páginas específicas tem um verdadeiro batalhão de censores para pescar palavras-chave e censurar, o quanto antes, manifestações indesejáveis.
Em vão: a rede é um mundo composto de múltiplas vozes e alternativas onde não há patrão ou manda-chuva.
No caso do WikiLeaks, é ainda mais risível a tentativa de expulsá-lo da rede.
Ora, a partir do momento em que a ONG fez parcerias com grandes grupos da mídia tradicional para dar mais repercussão e credibilidade aos papéis que conseguiu com exclusividade, sua própria presença na internet, como um site devidamente estabelecido numa URL, deixou de ser necessária.
Além disso, como já está acontecendo, basta Assange estalar os dedos para que um número incontável de pessoas se disponha a abrigar o conteúdo que tanto desconforto tem provocado no meio político e diplomático.
Para quem acha que a internet não tem regras, eis uma delas: não mexa com comunidades conectadas, porque você irá perder.
Experimente tentar tirar do ar uma página hospedada no Uzbequistão, por exemplo. É melhor esquecer.
Sites-espelho, aqueles que meramente reproduzem conteúdo, existem desde o começo da web -e não vão acabar por um decreto de um governo poderoso qualquer.
É outra certeza que o Cablegate deu ao mundo: a ignorância do poder quando o tema é a vida em rede. Coisa que a gente já desconfiava, não é mesmo?
Dono do WikiLeaks ressurge e faz ameaça
Thomas Coe/France Presse

Imagem em tela de computador do WikiLeaks, em que aparece o fundador, Julian Assange
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES
Mesmo escondido da Interpol, Julian Assange, fundador do WikiLeaks, voltou a atacar ontem os Estados Unidos. Disse que o país está por trás de ameaças contra sua vida e que não respeita a liberdade de expressão.
Afirmou ainda que se alguma coisa acontecer com ele, documentos ainda não divulgados sobre os EUA e outros países serão publicados imediatamente.
Para Assange, a pessoa que entregou os documentos do governo americano para serem divulgados no site é um herói sem igual.
Ele deu indicação forte de que se trata do soldado Bradley Manning, preso nos EUA (leia perfil mais abaixo).
O fundador do WikiLeaks, que continua em lugar desconhecido, participou de uma sessão de perguntas e respostas com leitores do site do jornal "The Guardian", do Reino Unido.
Foram enviadas mais de 900 perguntas, mas ele respondeu a apenas 15.
Quando questionado se temia pela própria segurança, disse que sim e que está tomando as precauções necessárias porque está lidando com uma superpotência.
Depois, afirmou que aqueles que sugerem que deve ser caçado (como Sarah Palin, candidata a vice-presidente pelo Partido Republicano nas últimas eleições dos EUA e estrela da direita americana) ou morto (como Tom Flanagan, conselheiro do primeiro-ministro canadense) deveriam ser processados por incitar o seu assassinato.
Ainda sobre a questão segurança, Assange disse que arquivos com documentos sobre os EUA e outros países ainda não revelados estão espalhados por vários países e com muitas pessoas.
Tudo seria divulgado imediatamente, segundo afirmou Assange, se alguma coisa acontecesse com ele.
"A história vencerá. O mundo será elevado a um patamar melhor. Sobreviveremos? Isso depende de vocês", escreveu o dono do site, na entrevista.
AMAZON E HERÓI
Assange disse que a decisão da Amazon de não mais hospedar o WikiLeaks em seu servidor, após pressão do governo dos EUA, mostra que a liberdade de expressão é uma ficção no país.
"Desde 2007, temos deliberadamente usado servidores em jurisdições em que a gente suspeita exista deficit de liberdade de expressão. A intenção é separar retórica de realidade. A Amazon foi um desses casos."
Um leitor perguntou se ele não achava que era necessário agradecer e elogiar a fonte dos documentos que foram divulgados e trouxeram tanta fama ao site e ao próprio Assange.
"Um dos nossos objetivos, nos últimos quatro anos, tem sido reverenciar a fonte que assume quase todos os riscos num trabalho de divulgação jornalística. Sem os esforços dessas fontes, o jornalismo não seria nada. Se realmente for o caso, como alega o Pentágono, de que o jovem soldado - Bradley Manning - está por trás de algumas das nossas divulgações recentes, então ele é, sem dúvida, um herói sem igual."
ET E RÉPTEIS
A maioria das perguntas trazia elogios a Assange. Alguns até perguntavam como fazer para doar dinheiro ao WikiLeaks.
Algumas eram apenas curiosas. Um leitor perguntou se ele tinha recebido documentos sobre objetos voadores não identificados.
Assange respondeu que alguns malucos mandam e-mails sobre extraterrestres ou dizendo que são o anti-Cristo. Mas disse que em documentos da diplomacia americana a serem publicados, há referências a óvnis.
Outro questionou se havia algo sobre répteis que estão andando por aí sob a pele de humanos, como afirma o escritor inglês David Icke. Essa não foi respondida.
Republicanos pedem pena de morte para Bradley Manning
DE SÃO PAULO
Enquanto o criador do WikiLeaks, Julian Assange, recebe atenção mundial pelos vazamentos de documentos secretos, a provável fonte deles é mantida isolada e vê TV, onde se informa sobre o alcance de sua suposta ação.
Trata-se do soldado Bradley Manning, 22, um analista de inteligência do Exército americano que esteve no Iraque e está preso desde maio.
O militar enfrentará julgamento por supostamente copiar telegramas diplomáticos e pelo vazamento de relatórios sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque.
Ele ainda é acusado de vazar vídeo que mostra o ataque de um helicóptero militar a civis iraquianos.
Mas republicanos - como Mike Huckabee - querem que o responsável seja acusado de traição e condenado à pena de morte.
Nascido em 1987 no Estado de Oklahoma, Manning alistou-se aos 18 anos. Após receber treinamento como analista de inteligência, foi enviado para Nova York e depois para a Guerra do Iraque.
Mas ficar isolado, no meio do deserto, parecia ser pouco para as ambições do soldado.
Em maio, Manning contatou Adrian Lamo, hacker americano que invadiu a página do "New York Times", Yahoo e outras empresas antes de se entregar ao FBI.
O "El País" diz que mensagens entre os dois ficaram armazenadas no computador de Lamo, que informou ao Pentágono sobre o assunto.
Ao jornal, Lamo confirmou que Manning é mesmo a fonte dos vazamentos.
"Se tivesse acesso sem precedentes a redes restritas 14 horas por dia, setes dias por semana, durante mais de oito meses, o que faria?", questionou em conversa com o hacker em 21 de maio.
No dia seguinte, Manning confessou que havia feito o download de centenas de milhares de documentos de redes secretas do Pentágono.
E tinha uma prova: um telegrama da Embaixada dos EUA em Rejkiavik, no qual se relata uma reunião entre autoridades islandesas e um assessor do embaixador britânico, que fora publicado pelo WikiLeaks em fevereiro.
Nas conversas com Lamo, o soldado diz ainda que tinha um contato com Assange.
O soldado descreveu até como fazia as cópias: entrava na sala com um CD da Lady Gaga, por exemplo, e, enquanto fingia cantar uma das músicas, apagava seu conteúdo e copiava dados da inteligência em seu lugar.
RESSENTIMENTO
Em suas conversas com Lamo, Manning demonstra frustração e ressentimento com o Exército e com os EUA. E teria confessado: "[...] Bem, enviei ao WikiLeaks. Deus sabe o que acontecerá agora. Espero que haja uma grande discussão mundial, debates, reformas".
O soldado está isolado em uma cela na base de Quantico, em Virgínia, onde é submetido a avaliações mentais.
Até agora, o Exército apenas apresentou acusações contra ele pelo roubo de dois vídeos de guerra e pelo vazamento de 50 telegramas. Por isso, ele pode ser condenado a 52 anos de prisão.
O julgamento pode ocorrer no primeiro semestre de 2011.
Divulgação de telegramas causa 1ª baixa política, na Alemanha
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
O vazamento de mais de 250 mil telegramas diplomáticos secretos pelo WikiLeaks causou ontem a primeira baixa política entre envolvidos nas correspondências.
Helmut Metzner, chefe de gabinete do ministro de Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, foi demitido por seu partido, o Liberal Democrático (FDP).
Ele admitiu ter passado, em 2009, detalhes das negociações para formação do novo governo da chanceler (premiê) Angela Merkel, da CDU (União Democrata-Cristã), à Embaixada dos EUA.
Em telegramas, Westerwelle - líder do FDP, que integra o governo - é descrito como "inexperiente", "exuberante" e "selvagem", e Merkel, como avessa a riscos.
Membros do FDP sugeriram ainda que o embaixador americano, Philip Murphy, seja substituído - pressão descartada pelo governo.
Também ontem, o premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, pediu que especialistas do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) estudem possíveis ações legais contra o WikiLeaks e contra diplomatas dos EUA por telegramas relacionados à Turquia.
Despachos vazados informam que ele possui contas na Suíça, é autoritário e que odeia Israel.
Apesar das reações dos últimos dias, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, afirmou ontem, no Bahrein, que o vazamento não prejudicará as relações externas de seu país.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
1 Quais são as acusações contra Julian Assange, o fundador da WikiLeaks?
Segundo a Justiça sueca, ele cometeu estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres. Os argumentos usados pela promotoria não estão claros, mas a prática de sexo desprotegido pode ser considerada uma categoria leve de estupro na Suécia. Assange manteve relações sexuais com duas mulheres, em datas distintas, enquanto dava palestras em Estocolmo.
2 Como ele se defende?
Assange afirma que as relações foram consensuais. Segundo depoimentos das vítimas, o preservativo estourou com uma delas e com a outra Assange teria se recusado a usá-lo. A defesa de Assange alega que a ação da Suécia é uma retaliação em relação a vazamentos divulgados pelo WikiLeaks sobre o país.
3 Qual é a pena máxima?
Quatro anos de prisão.
4 O que não está claro?
Se a polícia sabe onde Assange está escondido e o motivo de a Justiça sueca ter retomado a ação, mesmo depois de uma juíza ter concluído que não houve estupro.
5 Qual é a acusação contra Bradley Manning?
Enviar informações secretas para o WikiLeaks sobre os segredos da diplomacia americana, os diários militares das guerras do Afeganistão e do Iraque e um vídeo de um helicóptero americano metralhando civis também no Iraque.
6 Como Manning foi descoberto?
Foi delatado por um hacker envolvido no caso. Ele está preso há seis meses enfrentando um processo na corte marcial por vazamento de documentos confidenciais e informações de defesa. Parlamentares republicanos pedem que ele receba pena de morte.
7 Ele já está preso?
Sim, em caráter provisório.
8 Qual pode ser sua pena?
Pelas acusações atuais, 52 anos de prisão.
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