São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Aonde o surfista vai, o cientista vai atrás.
Isso está acontecendo porque, nos últimos anos, os pesquisadores perceberam que muito do que sabiam sobre ondas gigantes estava simplesmente errado. E quem diria: foram surfistas que mostraram isso.
É que os cientistas duvidavam que ondas extremas, com quase 30 metros, fossem comuns. Mas surfistas insistiam em encontrá-las.
Por isso, lugares como Oahu, uma ilha repleta de gente com pranchas no Havaí, por exemplo, tornaram-se sedes de constantes congressos científicos sobre o tema.
Em meio ao clima de "paz, amor e aloha", entre quiosques de frutos do mar, artesanato e camisetas de cânhamo, agora cientistas branquelos e ensapatados discutem coisas como a "modelagem númerica dos oceanos".
A jornalista americana Susan Casey, que lança no Brasil o livro "A Onda" [Zahar, 311 pág., R$ 30], acompanhou um desses encontros.
"Os cientistas temporariamente triplicaram o QI per capita do local", brinca. Eles estavam preocupados. Se as teorias diziam que ondas gigantes eram tão improváveis quanto neve em Cuiabá, era cada vez mais nítido que elas tinham o ligeiro defeito de não bater com os fatos.
No passado, alguns dissidentes defenderam que ondas enormes em alto mar estavam afundando navios, mas não convenceram muita gente. O caso mais famoso foi o do misterioso cargueiro alemão München, que afundou no Atlântico Norte em 1978. Tanto o navio quanto a tripulação continuam desaparecidos até hoje.
"É o problema em se provar ondas gigantes: se você se depara com esse pesadelo, é provável que ele seja o último da sua vida", diz Casey.
Dois acontecimentos, porém, fizeram isso mudar.
Primeiro, em 1995, uma onda gigante bateu em algo fixo o suficiente para que sobrasse gente para contar a história: uma plataforma de petróleo perto da Noruega.
Os registros mostram uma onda de 25 metros batendo a 75 quilômetros por hora. Deu um imenso susto e danificou a plataforma, mas ela não afundou. Ninguém morreu.
Os engenheiros que a projetaram tinham calculado que, "uma vez a cada mil anos", apareceria uma onda com algo entre "dez e vinte metros". Coisas maiores do que isso simplesmente não existiriam por ali. Existiam.
O outro acontecimento foi o surfe em ondas gigantes.
Ele virou, nos anos 2000, uma indústria que gera, só na América do Norte, US$ 7,5 bilhões ao ano: muitas marcas estão dispostas a gastar para se vincular ao esporte radical e convencer o público de que podem "dar asas".
Em 2001, a Billabong, empresa que faz roupas de surfe, passou a oferecer prêmios para quem surfasse a maior onda do ano. Isso criou uma "corrida do ouro" pelo mundo. Cada vez que um surfista de ondas grandes pegava a sua prancha, dava um tapa na cara dos cientistas.
Os pesquisadores, porém, estão avançando, mesmo sendo difícil traduzir o oceano em equações: as interações entre água, atmosfera e calor são muito complexas.
Eles já chegaram a uma conclusão importante: o aquecimento global tem feito a altura das ondas aumentar quase 10% a cada década ao menos desde 1960.
Isso porque água mais quente quer dizer água mais instável. Isso significa, por exemplo, mais tempestades em alto mar - e mais ondas grandes chegando à costa.
Brasileiro quase morreu quando surfava no Taiti
A brasileira Maya Gabeira, filha do político Fernando Gabeira, é uma das maiores surfistas de ondas grandes do mundo. Mas não é a única surfista do país que se destaca nesse esporte.
Um dos vários brasileiros que participam de competições internacionais é o catarinense Neco Padaratz. Ele mostrou que surfar nesse tipo de onda por ser extremamente perigoso. Em 2000, no Taiti, segundos após pegar uma onda, perdeu o equilíbrio. Sua prancha disparou para o céu e ele sumiu.
As equipes de resgate começaram a procurar, cada vez mais preocupadas, por algum sinal da sua cabeça, mas ela não aparecia. A onda seguinte veio, e ainda nada. Finalmente, alguém avistou o surfista bem longe: ele tinha percorrido quase meio quilômetro embaixo d'água.
O caso de Padaratz mostra a brutalidade desse tipo de onda: "Ele foi arremessado feito bala de canhão ao longo do recife", diz Susan Casey.
Justamente por ser uma área de recife, Padaratz não conseguia voltar à superfície: a cordinha que serviria para prender o seu pé à prancha ficou presa embaixo da água.
"A distância da luz, da superfície, era de dois palmos. Meu pé não me deixava subir de jeito nenhum. Eu tinha sido praticamente esquartejado, tinha batido com o peito na pedra duas vezes, estava com o corpo todo cortado", contou ele à revista "Trip".
Casey, que estava no local, conta como foi ver isso de fora: "As pessoas especulavam sobre pescoços quebrados e membros arrancados. Então ele apareceu, esparramado numa prancha de regate, sorrindo e acenando".(RM)
FRASE
"É uma tribo rarefeita, talvez cinquenta surfistas muito qualificados. Eles, ao contrário dos marinheiros ou cientistas, não se limitam a afastar seus navios de ondas gigantes ou estudá-las num computador. Vão ao seu encontro"
Susan Casey
autora do livro "A Onda"
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
Aonde o surfista vai, o cientista vai atrás.
Isso está acontecendo porque, nos últimos anos, os pesquisadores perceberam que muito do que sabiam sobre ondas gigantes estava simplesmente errado. E quem diria: foram surfistas que mostraram isso.
É que os cientistas duvidavam que ondas extremas, com quase 30 metros, fossem comuns. Mas surfistas insistiam em encontrá-las.
Por isso, lugares como Oahu, uma ilha repleta de gente com pranchas no Havaí, por exemplo, tornaram-se sedes de constantes congressos científicos sobre o tema.
Em meio ao clima de "paz, amor e aloha", entre quiosques de frutos do mar, artesanato e camisetas de cânhamo, agora cientistas branquelos e ensapatados discutem coisas como a "modelagem númerica dos oceanos".
A jornalista americana Susan Casey, que lança no Brasil o livro "A Onda" [Zahar, 311 pág., R$ 30], acompanhou um desses encontros.
"Os cientistas temporariamente triplicaram o QI per capita do local", brinca. Eles estavam preocupados. Se as teorias diziam que ondas gigantes eram tão improváveis quanto neve em Cuiabá, era cada vez mais nítido que elas tinham o ligeiro defeito de não bater com os fatos.
No passado, alguns dissidentes defenderam que ondas enormes em alto mar estavam afundando navios, mas não convenceram muita gente. O caso mais famoso foi o do misterioso cargueiro alemão München, que afundou no Atlântico Norte em 1978. Tanto o navio quanto a tripulação continuam desaparecidos até hoje.
"É o problema em se provar ondas gigantes: se você se depara com esse pesadelo, é provável que ele seja o último da sua vida", diz Casey.
Dois acontecimentos, porém, fizeram isso mudar.
Primeiro, em 1995, uma onda gigante bateu em algo fixo o suficiente para que sobrasse gente para contar a história: uma plataforma de petróleo perto da Noruega.
Os registros mostram uma onda de 25 metros batendo a 75 quilômetros por hora. Deu um imenso susto e danificou a plataforma, mas ela não afundou. Ninguém morreu.
Os engenheiros que a projetaram tinham calculado que, "uma vez a cada mil anos", apareceria uma onda com algo entre "dez e vinte metros". Coisas maiores do que isso simplesmente não existiriam por ali. Existiam.
O outro acontecimento foi o surfe em ondas gigantes.
Ele virou, nos anos 2000, uma indústria que gera, só na América do Norte, US$ 7,5 bilhões ao ano: muitas marcas estão dispostas a gastar para se vincular ao esporte radical e convencer o público de que podem "dar asas".
Em 2001, a Billabong, empresa que faz roupas de surfe, passou a oferecer prêmios para quem surfasse a maior onda do ano. Isso criou uma "corrida do ouro" pelo mundo. Cada vez que um surfista de ondas grandes pegava a sua prancha, dava um tapa na cara dos cientistas.
Os pesquisadores, porém, estão avançando, mesmo sendo difícil traduzir o oceano em equações: as interações entre água, atmosfera e calor são muito complexas.
Eles já chegaram a uma conclusão importante: o aquecimento global tem feito a altura das ondas aumentar quase 10% a cada década ao menos desde 1960.
Isso porque água mais quente quer dizer água mais instável. Isso significa, por exemplo, mais tempestades em alto mar - e mais ondas grandes chegando à costa.
http://www.youtube.com/watch?v=8h5pTdhb-Yk&feature=player_embedded
Brasileiro quase morreu quando surfava no Taiti
A brasileira Maya Gabeira, filha do político Fernando Gabeira, é uma das maiores surfistas de ondas grandes do mundo. Mas não é a única surfista do país que se destaca nesse esporte.
Um dos vários brasileiros que participam de competições internacionais é o catarinense Neco Padaratz. Ele mostrou que surfar nesse tipo de onda por ser extremamente perigoso. Em 2000, no Taiti, segundos após pegar uma onda, perdeu o equilíbrio. Sua prancha disparou para o céu e ele sumiu.
As equipes de resgate começaram a procurar, cada vez mais preocupadas, por algum sinal da sua cabeça, mas ela não aparecia. A onda seguinte veio, e ainda nada. Finalmente, alguém avistou o surfista bem longe: ele tinha percorrido quase meio quilômetro embaixo d'água.
O caso de Padaratz mostra a brutalidade desse tipo de onda: "Ele foi arremessado feito bala de canhão ao longo do recife", diz Susan Casey.
Justamente por ser uma área de recife, Padaratz não conseguia voltar à superfície: a cordinha que serviria para prender o seu pé à prancha ficou presa embaixo da água.
"A distância da luz, da superfície, era de dois palmos. Meu pé não me deixava subir de jeito nenhum. Eu tinha sido praticamente esquartejado, tinha batido com o peito na pedra duas vezes, estava com o corpo todo cortado", contou ele à revista "Trip".
Casey, que estava no local, conta como foi ver isso de fora: "As pessoas especulavam sobre pescoços quebrados e membros arrancados. Então ele apareceu, esparramado numa prancha de regate, sorrindo e acenando".(RM)
FRASE
"É uma tribo rarefeita, talvez cinquenta surfistas muito qualificados. Eles, ao contrário dos marinheiros ou cientistas, não se limitam a afastar seus navios de ondas gigantes ou estudá-las num computador. Vão ao seu encontro"
Susan Casey
autora do livro "A Onda"
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