quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A aprendizagem de xadrez no ensino fundamental e médio






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Considerações gerais sobre

a aprendizagem de xadrez no ensino fundamental e médio


Antônio Villar Marques de Sá -Doutor pela Universidade de Paris (1988). Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (desde 1989).
E-mail:villar@unb.br


Atualmente, o xadrez é considerado como arte, esporte e ciência; com essa tríplice qualidade ele deve ser ensinado.

François Le Lionnais

A importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido objeto de estudo das mais diferentes abordagens: filosófica, sociológica, psicanalítica, psicológica e pedagógica. Trabalhos com jogos de estratégia apresentam resultados positivos em ambientes extra-escolar, periescolar e escolar.

Nesse contexto, pesquisas em psicopedagogia demonstram que o xadrez é um precioso coadjuvante escolar, e até psicológico. Assim, pode-se utilizar inicialmente a motivação quase espontânea do aluno em relação ao xadrez visando provocar ou facilitar a sua compreensão em outras disciplinas.

Em uma segunda etapa, extrapola-se o universo artificial criado pelas regras do jogo como modelo de estudos de situações concretas. Isso se aplica a todos os campos do conhecimento – história, geografia, arte, trabalhos manuais, ciências naturais, matemática, informática, língua portuguesa, línguas estrangeiras, educação física, entre outros –, incluindo pedagogia.

No que concerne à pedagogia, o xadrez permite repensar a relação professor-aluno. A estratégia do ensino é bem próxima da estratégia do xadrez, pois dialética e autocrítica ocupam um lugar primordial, em que a relação se caracteriza pela interdependência e complementaridade.

Além disso, o xadrez se apresenta como um excelente instrumento na formação de futuros professores das mais diversas disciplinas, uma vez que favorece a compreensão da estrutura do pensamento lógico, o que facilitará a transmissão
dos conhecimentos aos seus alunos.

Quanto às disciplinas, embora elas se relacionem, apenas para facilitar a exposição, apresentarei tópicos separados:


História e geografia

Podem ser enriquecidas pelo próprio fato da misteriosa origem do xadrez, contando com diversas lendas (uma delas mencionando o herói grego Palamedes como o criador do xadrez, durante o cerco de Tróia, com o objetivo de distrair seus guerreiros) e várias versões: “jogo do elefante” (siang k'i) na China no século 2 d.C. ou “jogo dos quatro membros” (chaturanga, em sânscrito) na Índia no século 6 d.C. Viajando por regiões como Pérsia e Arábia, o xadrez foi recebendo importantes contribuições desses povos antes de chegar à Europa por volta do século 10. Hoje, ele está presente nos cinco continentes.


Arte e trabalhos manuais

Os campos do conhecimento relacionados às artes têm infindáveis relações com o xadrez. Além da confecção dos materiais enxadrísticos pelos próprios alunos, muitos livros, revistas, jornais, sítios, cederrons e vídeos poderão ser utilizados pelo(a) professor(a) para ilustrar suas aulas, relacionando-as com ballet, desenho, escultura, filatelia, publicidade e até arquitetura. Outra atividade possível é a criação e a apresentação de peças teatrais.

Apenas a título de exemplo:

Cinema: Face a face com o inimigo (Knight moves, 1991), Lances inocentes (Searching for Bobby Fischer, 1993), O último lance (The Luzhin Defense, 2000), Harry Potter (2001).

Desenho: Disney recebeu o Oscar pelo Donald no país da matemágica (DVD, 2004).

Música: Alguns músicos já se aventuraram em composições relacionadas ao xadrez: John Cage (Reunion, Canadá, 1968), Jack Dieval (La Marche de Philibert, França, 1974), Benny Andersson (Chess, Inglaterra, 1984), Paulinho Nogueira (Jogo de Xadrez, Brasil, 1995).

Pintura: Ernest Meissonier (Joueurs d’échecs, 1834), Honoré Daumier (Joueurs d’échecs, 1863), Marcel Duchamp (Joueurs d’échecs, 1911), Jacques Villon (Table d’échecs, 1919).


Ciências naturais

O tabuleiro é um pequeno laboratório envolvendo observação, análise, hipótese e prova.

Quanto à física no ensino médio, uma aplicação, entre outras, será a construção pelos alunos de relógios de xadrez, a partir de conhecimentos básicos sobre circuitos.


Matemática

No que concerne à matemática, o xadrez é um dispositivo eficaz para a aprendizagem da aritmética (noções de troca, valor comparado das peças, controle de casas, enquanto exemplos de operações numéricas elementares...), da álgebra
(cálculo do índice de desempenho dos jogadores, que é assimilável a um sistema
de equações com “n” incógnitas...) e da geometria (o movimento das peças é uma introdução às noções de verticalidade, de horizontalidade, a representação do tabuleiro é
estabelecida como um sistema cartesiano...).

As aplicações xadrez-matemática são vastas e não são necessariamente de nível elementar, já que elas podem concernir: a análise combinatória, a estatística, a informática na gestão dos torneios, a informática na programação do jogo, a teoria dos jogos de estratégia, o cálculo, a lógica, a topologia.

Entretanto, é no domínio da heurística que o futuro parece ser mais promissor (PUCHKIN, 1976). Se grandes matemáticos como Euler (1707-1783) e Gauss (1777-1855) trabalharam matematicamente problemas originários do xadrez – respectivamente, o percurso do cavalo sobre as 64 casas do tabuleiro e o problema da colocação de oito damas sobre o tabuleiro – é possível adotar-se uma postura inversa.

Assim, as regras e os métodos que conduzem à descoberta da solução de um problema enxadrístico podem ser aplicados didaticamente à resolução de um problema de matemática. Isto permite qualificar tal esporte como um instrumento motivador de primeira grandeza para a educação matemática, na medida em que ele fornece uma reserva inesgotável de situações variadas de resolução de problemas.


Informática

O xadrez é um excelente meio para apresentar a informática aos alunos: gestão de torneios, navegação na Internet, rating dos enxadristas, torneio com computadores, entre outros.


Língua portuguesa e línguas estrangeiras

Partidas entre escolas, por correspondência, por fax, pela Internet, por telefone são pretextos para um salutar intercâmbio com pessoas de diferentes culturas e até línguas.

No que se referente à literatura, existem mil anos de rimas, versos, emoções, desencantos e encantos com a temática do xadrez: conto (Edgar Poe); crônica (Fernando Arrabal); ficção científica (John Brunner); história em quadrinhos (Walt Disney); memórias (Garry Kasparov); novela (Stefan Zweig); poesia (Fernando Pessoa); policial (Arturo Péres-Reverte) e romance (Vladimir Nabokov). Também deixaram muitas citações sobre o esporte-arte-ciência em suas monumentais obras: Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Monteiro Lobato.


Educação física

Dependendo do objetivo do(a) professor(a) de educação física, o enxadrismo poderá ser utilizado enquanto atividade lúdica, esporte, ferramenta pedagógica ou lazer.


À guisa de conclusão

No Brasil, a primeira iniciativa em favor do ensino e da prática do xadrez escolar data de 1935. De lá para cá, tais experiências multiplicaram-se e diversificaram-se. O quadro atual indica que o xadrez vem sendo gradativamente admitido no campo da educação, predominando como atividade periescolar. No entanto, é essencial considerar o valor pedagógico do xadrez de forma mais ampla: sua introdução no ensino fundamental e no ensino médio não deveria se limitar ao currículo de educação física, com o argumento de que se trataria de uma prática desportiva. A bem da verdade, a modalidade enxadrística extrapola o campo do esporte. Professores de todas as disciplinas podem empregá-la em suas respectivas áreas, desde que obtenham a formação adequada.

Portanto, muito além dos elementos referentes ao xadrez como esporte, é necessário propiciar processos enxadrísticos de ensino e aprendizagem envolvendo seus aspectos pedagógicos, culturais e científicos, assim como a introdução à regra, à história do jogo, à manifestação artística, entre outros. Nesse sentido, as experiências pluridisciplinares de formação de professores de xadrez pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná e pela Universidade de Brasília, que propõem cursos de formação visando atender tais necessidades, podem ser seguidas.

Vários pesquisadores investigaram habilidades relacionadas ao xadrez. Pode-se citar, por exemplo, na França, Alfred Binet (1894) e Louis Roos (1984), que abordaram, respectivamente, a memória e a inteligência. Outro país com tradição nessa área é a Rússia, onde Irvin Diakov (1926), Lev Vigotski (1933), V. N. Puchkin (1967) e O. K. Tikhomirov (1970) pesquisaram, respectivamente, a imaginação, a socialização, a heurística e a criatividade. Na Holanda, os psicólogos Adrien De Groot (1946) e Johan Christiaen (1981) estudaram, respectivamente, o pensamento e a cognição. E, na Inglaterra, Harry Golombek (1980) analisou o cálculo.

Em nosso País, Paula Rocha e Moisés Ataides avaliaram o Projeto Xadrez nas escolas do
MEC em quatro cidades (Belo Horizonte, Campo Grande, Recife e Teresina) e apontaram “uma visão bastante otimista com relação à ampliação para os demais estados
brasileiros, fomentando expectativas de melhoria na qualidade social da educação”
(BRASIL, 2004, p. 21). Pode-se concluir que o sucesso dessa ampliação dependerá,
em grande parte, dos cursos de formação dos futuros professores de xadrez.


Referências

BRASIL, MEC. Relatório de avaliação do Projeto xadrez nas escolas. Brasília: SEIF, 2004. 22 p.

LE LIONNAIS, François; MAGET, Ernst. Dictionnaire des échecs. Paris: Presses Universitaires de France, 1974. 429 p.

PUCHKIN, V. N. Heurística: a ciência do pensamento criador. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. 184 p.

SÁ, Antônio Villar Marques. Suplemento: História do xadrez. In: VASCONCELLOS, Fernando de Almeida. Apontamentos para uma história do xadrez & 125 partidas brilhantes
(p. 131-139).
Brasília: Da Anta Casa Editora, 1991. 350 p.

SÁ, Antônio Villar Marques. Posfácio: Capacidades desenvolvidas pelo xadrez. In: TIRADO, Augusto; SILVA, Wilson. Meu primeiro livro de xadrez (p.
123-124).
Curitiba: Expoente, 1995. 128 p.

SÁ, Antônio Villar Marques. Posfácio: Xadrez e poesia: uma antiga parceria. In: ROCHA, Wesley Rodrigues. Xadrez: poesia em inocentes lances (p.159-171).Goiânia: Gráfica e Editora Vieira, 2001. 174 p.

SÁ, Antônio Villar Marques; TRINDADE, Sandro Heleno; LIMA FILHO, Antônio Bento de Araújo; SOUSA, Adriano Valle. Xadrez: cartilha.Brasília: Ed. dos autores, 2003. 29 p.



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