sábado, 6 de maio de 2017

Vossos belos joelhos





Vossos belos joelhos


Por Fernando Moura Peixoto*



“Considerai os joelhos com doçura:
 Vereis a noite arder mas não queimar
 A boca onde beijo a beijo foi acesa.”

 (‘Os joelhos’)


“Procura a maravilha
 Onde um beijo sabe a barcos e bruma.
 No brilho redondo e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.”

(‘No brilho redondo’)


“Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.”

(‘Retrato ardente’)


Eugénio de Andrade (1923 – 2005)






Os belos joelhos femininos! Redondinhos, proeminentes, durinhos, carnudos, deleitosos!

Fascinou-me o tema desde que vi, no Centro Cultural da Maison de France, no Rio, ‘Le Genou de Claire’ ou ‘Claire’s Knee’ (‘O Joelho de Claire’), laureado filme de 1970 do cineasta francês Éric Rohmer (1920 – 2010), crítico, roteirista e professor, que já foi chamado ‘o Racine do Século 20’. É o quinto exemplar da hexalogia ‘Contes Moreaux’ (‘Contos Morais’).

Na trama, um diplomata em férias – as suas últimas como solteiro –, Jérôme Montcharvin, vivido pelo ator Jean-Claude Brialy (1933 – 2007), desenvolve uma obsessiva fantasia em torno de acariciar o joelho direito de Claire, uma ninfeta interpretada por Laurence de Monaghan (1954-). E passa metade da fita a admirar o joelhinho da graciosa adolescente. “O joelho foi o polo magnético do meu desejo”, diz Jérôme. A sedução pela simples necessidade de tocá-lo. Sentimentos e paixões não se escolhem nem se controlam, acontecem e se sentem apenas.

Reflexivo romance dramático, um bonito filme. A história transcorre no verão, em julho, ambientada às margens do lago de Annecy – na Alta Saboia, leste da França –, com fotografia de Néstor Almendros (1930 – 1992) e visual luxuriante. Ainda no elenco, Aurora Cornu (1931-), Béatrice Romand (1952-), Michèle Montel (s/d), Fabrice Lucchini (1951-), Gérard Falconetti (1949 – 1984), Sandro Franchina (1939 – 1998) e Isabelle Pons (s/d) em fotografia.

Com legendas em inglês, o trailer de ‘Le Genou de Claire’ – Prêmio Louis Delluc de melhor película francesa do ano – foi postado por St. Forester no link:







O blogue ‘Palavras de Cinema’ definiu o realizador:

“As obras de Éric Rohmer centram-se na relação entre homens e mulheres, entre amigos e amantes, quase sempre com triângulos, ou com mais casais, e quase sempre com pessoas apaixonadas e de bom coração no caminho dos cínicos e aventureiros. Segue o problema – resumir assim o cinema de Rohmer é esbarrar na injustiça”.

E Pauline Kael (1919 – 2001), respeitada crítica cinematográfica norte-americana, sintetizou o filme:

“A atmosfera está carregada de verão e ócio na serena história de Éric Rohmer sobre um diplomata em férias (Jean-Claude Brialy), que diz interessar-se apenas pela mente das mulheres, e depois sente o ‘desejo indefinido’ de alisar um joelho de mulher. Uma romancista meio enigmática assume o lugar do diretor e faz observações densas, mas o discreto e complacente jogo filme-romance de Rohmer é agradável, e uma cativante atriz adolescente desajeitada, Béatrice Romand, que faz um papel secundário, parece uma princesa de Pisanello”.

Erudito e refinado, o povo francês sabe valorizar a região dos joelhos femininos, que recebem atenção e um carinho especial na questão da sensualidade e do erotismo, ao contrário do brasileiro, que parece não ligar muito para essa parte interessante do corpo da mulher – os glúteos são a preferência nacional.

Mas há exceções. O escritor Arlei Rockenbach (s/d), em Uns Braços, Uns Joelhos...’, afirmou: 

Um par de joelhos nunca dantes revelado, que surge de repente no limite da cútis posta à mostra (no final de uma saia ou de um vestido, por exemplo) causa a impressão de um enigma desvendado, ao mesmo tempo em que remete a outro maior por desvendar. Dessas coisas sutis demais para se adaptarem às palavras”.

Doutor em Música pela University Of Southern California, Ricardo Tacuchian (1939-), personalidade musical atuante, seis décadas de carreira, professor universitário, violonista, regente e compositor brasileiro de renome internacional, depois de curtir o meu vídeo, enviou-me um e-mail em que diz:

“É curioso como os joelhos, desligados dos rostos que eles ajudam a sustentar, passam a ter uma personalidade própria, independente  do modelo que gerou a foto.”

“Sua série ‘Vossos Belos Joelhos’ é muito original, com uma sensualidade velada e, além do mais, me fez me interessar pelo filme de Éric Rohmer”.

O primeiro detalhe que um amante do gênero observa numa mulher são os joelhos – sentada ou se ela vai a sua direção e está usando saia curta, bermuda, short, ou uma calça bem justa que permita vislumbrar a forma arredondada de um portentoso par de joelhos. Infelizmente, existem também os feiosos; que se há de fazer?

É a ‘genulatria’ (do latim genu’ + o grego latréia’), adoração ou culto dos joelhos – um neologismo. Ama-se a parte – como os pés, as mãos, os cabelos etc. –, pela impossibilidade/incapacidade de se alcançar o todo. Uma fixação que certamente Freud (1856 – 1939) explica.

Entre 2012 e 2013, registrei joelhos femininos, peripatéticos ou não, nas ruas cariocas – ou em casa –, em sua pluralidade e grandeza. Jérôme, o barbudo adido cultural do incensado (ou detestado) longa-metragem (105 min) de Éric Rohmer certamente iria se deliciar.

O trabalho é justamente dedicado a Éric Rohmer (1920 – 2010) e a Jean Claude Brialy (1933 – 2007). Homenageando também os franceses, na trilha sonora o pianista Henri Pélissier (s/d) interpreta Douce France’ – que virou hino da Resistência durante a ocupação nazista –, de Charles Trenet (1913 – 2001), um dos maiores nomes da canção francesa.

“Com a idade, fica-se mais sensível à beleza na proporção inversa à possibilidade de fruí-la... Tudo se torna mais refinado e sutil na percepção do homem idoso, quando refinado interiormente e sensível.”

- Artur da Távola (1936 – 2008)



*Fernando Moura Peixoto (ABI 0952-C)

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