Vossos
belos joelhos
Por
Fernando Moura Peixoto*
“Considerai os
joelhos com doçura:
Vereis a noite arder mas não queimar
A boca onde beijo a beijo foi acesa.”
(‘Os joelhos’)
“Procura a maravilha
Onde um beijo sabe a barcos e bruma.
No brilho redondo e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a
maravilha.”
(‘No brilho
redondo’)
“Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.”
(‘Retrato ardente’)
Eugénio de Andrade (1923 – 2005)
Os belos joelhos femininos! Redondinhos,
proeminentes, durinhos, carnudos, deleitosos!
Fascinou-me o tema desde que vi,
no Centro Cultural da Maison de France,
no Rio, ‘Le
Genou de Claire’ ou ‘Claire’s
Knee’ (‘O Joelho de Claire’), laureado
filme de 1970 do cineasta francês Éric Rohmer (1920 – 2010), crítico, roteirista e professor, que já foi chamado ‘o Racine do Século 20’. É o quinto exemplar da hexalogia ‘Contes Moreaux’ (‘Contos Morais’).
Na trama, um diplomata em férias – as suas últimas
como solteiro –, Jérôme Montcharvin, vivido pelo ator Jean-Claude Brialy (1933 – 2007), desenvolve uma obsessiva
fantasia em torno de acariciar o joelho direito de Claire, uma ninfeta
interpretada por Laurence de Monaghan (1954-). E passa metade da fita a
admirar o joelhinho da graciosa adolescente.
“O joelho foi o polo magnético do meu desejo”,
diz Jérôme. A sedução pela simples
necessidade de tocá-lo. Sentimentos e paixões não se escolhem nem se controlam,
acontecem e se sentem apenas.
Reflexivo romance dramático, um bonito filme. A
história transcorre no verão, em julho, ambientada às margens do lago de Annecy
– na Alta Saboia, leste da França –, com fotografia de Néstor Almendros (1930 – 1992) e
visual luxuriante. Ainda no elenco, Aurora Cornu (1931-), Béatrice Romand (1952-), Michèle Montel (s/d),
Fabrice
Lucchini (1951-), Gérard Falconetti (1949 – 1984), Sandro
Franchina (1939 – 1998) e Isabelle Pons (s/d) – em fotografia.
Com legendas em inglês, o trailer de ‘Le
Genou de Claire’ – Prêmio Louis Delluc
de melhor película francesa do ano – foi postado por St. Forester no link:
O blogue ‘Palavras
de Cinema’ definiu o realizador:
“As
obras de Éric Rohmer centram-se na relação entre homens e mulheres, entre
amigos e amantes, quase sempre com triângulos, ou com mais casais, e quase
sempre com pessoas apaixonadas e de bom coração no caminho dos cínicos e
aventureiros. Segue o problema – resumir assim o cinema de Rohmer é esbarrar na
injustiça”.
E Pauline Kael (1919 – 2001), respeitada crítica
cinematográfica norte-americana, sintetizou o filme:
“A
atmosfera está carregada de verão e ócio na serena história de Éric Rohmer
sobre um diplomata em férias (Jean-Claude Brialy), que diz interessar-se apenas
pela mente das mulheres, e depois sente o ‘desejo indefinido’ de alisar um
joelho de mulher. Uma romancista meio enigmática assume o lugar do diretor e
faz observações densas, mas o discreto e complacente jogo filme-romance de Rohmer
é agradável, e uma cativante atriz adolescente desajeitada, Béatrice Romand,
que faz um papel secundário, parece uma princesa de Pisanello”.
Erudito
e refinado, o povo francês sabe valorizar a região dos joelhos
femininos, que recebem atenção e um carinho
especial na questão da sensualidade e do erotismo, ao contrário do brasileiro,
que parece não ligar muito para essa parte interessante do corpo da mulher – os glúteos são a preferência nacional.
Mas há exceções. O escritor Arlei Rockenbach (s/d), em ‘Uns Braços, Uns
Joelhos...’, afirmou:
“Um par de joelhos nunca dantes revelado, que surge de repente no limite da
cútis posta à mostra (no final de uma saia ou de um vestido, por exemplo) causa
a impressão de um enigma desvendado, ao mesmo tempo em que remete a outro maior
por desvendar. Dessas coisas sutis
demais para se adaptarem às palavras”.
Doutor em Música pela University Of Southern
California, Ricardo
Tacuchian (1939-), personalidade musical atuante, seis décadas de
carreira, professor universitário, violonista, regente e compositor brasileiro
de renome internacional, depois de curtir o meu vídeo, enviou-me um e-mail em
que diz:
“É curioso como os joelhos, desligados dos rostos que eles
ajudam a sustentar, passam a ter uma personalidade própria, independente
do modelo que gerou a foto.”
“Sua série ‘Vossos
Belos Joelhos’ é muito original, com uma sensualidade velada e, além do mais,
me fez me interessar pelo filme de Éric Rohmer”.
O primeiro detalhe que um amante do gênero observa
numa mulher são os joelhos – sentada ou se ela vai a sua direção e está usando
saia curta, bermuda, short, ou uma calça bem justa que permita vislumbrar a
forma arredondada de um portentoso par de joelhos. Infelizmente, existem também
os feiosos; que se há de fazer?
É a ‘genulatria’ (do latim ‘genu’
+ o grego ‘latréia’), adoração ou culto dos joelhos – um neologismo.
Ama-se a parte – como os pés, as mãos, os cabelos etc. –, pela impossibilidade/incapacidade
de se alcançar o todo. Uma fixação que certamente Freud (1856 – 1939) explica.
Entre 2012 e 2013, registrei joelhos femininos,
peripatéticos ou não, nas ruas
cariocas – ou em casa –, em sua pluralidade e grandeza. Jérôme, o barbudo adido
cultural do incensado (ou detestado) longa-metragem (105 min) de Éric Rohmer certamente
iria se deliciar.
O trabalho é justamente dedicado a Éric Rohmer (1920
– 2010) e a Jean Claude Brialy (1933 – 2007). Homenageando também os franceses,
na trilha sonora o pianista Henri Pélissier (s/d)
interpreta ‘Douce
France’ – que virou hino da Resistência durante a ocupação nazista –,
de Charles
Trenet (1913 – 2001), um dos maiores nomes da canção francesa.
“Com a idade, fica-se mais sensível à beleza
na proporção inversa à possibilidade de fruí-la... Tudo se torna mais refinado
e sutil na percepção do homem idoso, quando refinado interiormente e sensível.”
- Artur da Távola (1936
– 2008)
*Fernando Moura Peixoto (ABI 0952-C)
Nenhum comentário:
Postar um comentário