Revista Cult, 2 de maio de 2017
Um marido para Michel Temer
Por Marcia Tiburi
Em entrevista ao apresentador de TV Ratinho, Michel Temer, especialista em frases infelizes, disse algo ainda mais impressionante do que o seu habitual:
“Os governos agora precisam passar a ter marido, viu, porque daí não vai quebrar”.
Lida no prisma econômico, a frase apenas demonstra o baixo nível de conhecimento teórico e técnico sobre economia daquele que hoje ocupa a cadeira da presidência depois de um golpe de Estado. Esse mesmo desconhecimento pioraria a já habitual misoginia de Michel Temer que, de tempos para cá, vem criando uma teoria bizarra envolvendo esposas e supermercados com a intenção de explicar o funcionamento da economia nacional. Lembrem do pronunciamento golpista-presidencial do dia 8 de março em uma demonstração de que não entende nem de economia doméstica e muito menos da vida das mulheres trabalhadoras e profissionais em nosso país.
Essas teorias de Michel Temer pode nos fazer pensar em suas intenções: podemos considerar que tudo isso serve para enganar aqueles que ele pensa serem mais ignorantes do que ele. Más línguas podem especular que Michel Temer esteja tendo problemas em casa, com sua esposa “bela, recatada e do lar”, que deve andar com vergonha do marido. Línguas mais compadecidas do que afiadas, dirão que sua esposa pode estar sendo oprimida, afinal, em pleno século 21, não deve haver mulheres que se deixam subjugar sem que sofram muita violência simbólica e física, inclua-se aí – no arranjo simbólico e físico – a violência econômica. Já as línguas afiadas e impiedosas demais dirão que talvez Michel Temer pudesse fazer análise, já que pode estar a enfrentar uma profunda inveja da esposa, afinal uma jovem muito bonita e com a vida inteira pela frente. Diante da desaprovação nacionalmente generalizada do presidente, sua esposa, mesmo sendo uma prótese, deve estar valendo mais do que ele aos olhos da nação.
Nesse contexto é que se coloca a questão da frase em que a palavra “marido” surge como uma espécie de “ato falho”. Ora, a misoginia tem história e ela se sofistica. Há muita misoginia por aí, não é novidade, mas a misoginia de Michel Temer tem uma característica específica. Ela é antiquada, cheira a século 19, a época dos coronéis e dos vampiros, ao qual o político está ligado real e imaginariamente.
A frase no entanto, nos leva um pouco mais longe, pois devemos nos perguntar o que significa “um governo passar a ter marido”. Michel Temer não é o marido de que o governo precisa, porque se fosse, não precisaria do tempo verbal em que afirma que “precisa passar a ter”. Aquele que precisa passar a ter, não o tem. Logo, ele não é o marido de que governo precisaria em sua própria visão. Além disso, na posição de presidente (que não se esqueça, alcançada por meio de um golpe de Estado) ele ocupa o cargo máximo do “governo”. Poderíamos dizer que o presidente é o próprio governo, que na falta de um presidente o que se tem é um desgoverno, que no contexto de um presidente golpista, se tem um governo golpista. O governo é a cara do presidente, no sentido de ser a parte pelo todo, a metonímia. Hoje, o Brasil é a cara de Michel Temer, digo, convidando a que interpretem essa frase como quiserem, meus caros leitores. Vai ser bom para sentirmos vergonha de nós mesmos.
O marido que “precisa” aparecer para esse governo, pois ele não está ali, nos faz ver que Michel Temer está por demais fixado na figura do marido. Talvez a questão de sua mulher-prótese “bela, recatada e do lar”, coloque-o numa situação ruim, a perguntar-se também ele, o que significa ser um marido para uma pessoa com tal alcunha.
Mas qual será o marido que ele procura para o governo que ele mesmo representa?
Schreber e Deus, Michel e Michele
Certamente tudo isso faz sentido, mas não esgota o incrível conteúdo da frase de um cidadão acostumado à falta de conteúdo e a pagar micos incríveis em circunstâncias as mais diversas.
Dessa vez, Michel Temer fez lembrar um famoso político alemão que escreveu um livro chamado Memórias de um doente dos nervos, sobre o qual Freud escreveu o seu Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia Paranoides), publicado em 1911.
A partir do relato autobiográfico da paranoia de Schreber, Freud levantou algumas teses: que a doença era uma espécie de defesa contra a libido homossexual, que o delírio era uma tentativa de cura em relação à psicose, como se o delírio fosse aquilo que tornaria suportável viver. O recalque e o retorno do recalcado, seriam sintomas da psicose. A tese da bissexualidade inata do ser humano está presente aí. A libido homossexual recalcada retornaria e a paranoia seria a sua defesa natural por meio da projeção. Delírios de perseguição, ciúmes, megalomanias e as erotomanias que são megalomanias sexuais fariam parte desse quadro.
A fixação em sexo também é interessante. Ela define um sujeito que está comprometido em afirmar algo que não é necessariamente verdade acerca de sua vida. Schreber viveu um delírio que ficou famoso. Ele queria ser a mulher de Deus, transar com Deus, parir filhos de Deus e tudo o que uma mulher, em sua fantasia, poderia e desejaria fazer.
Entre a sexualidade e o narcisismo há uma aliança. Aquela necessidade, muito comum em homens de se fazerem passar por machões, de se fazerem passar por másculos e viris pode esconder desejos ocultos. Para certos homens talvez tenha restado tornar-se um marido, para outros, talvez seja necessário buscar um…
Cancelo por aqui a minha reflexão, como um pensamento que se coloca em voz alta, porque ao bom leitor, meia palavra basta. Não precisamos ser mais didáticos, pois contamos com a inteligência do leitor e sua maldade, também para a crítica desse ensaio inicial da interpretação.
Gostaria apenas de finalizar dizendo que perto do que vem por aí, talvez um marido para o governo, Michel Temer já parece um problema menor.
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