Jornal GGN, 01/05/17
Dória: um prefeito faccioso
Por Aldo Fornazieri
A cada dia
que passa, João
Dória se revela menos o prefeito de
todos os paulistanos e mais o prefeito
de uma facção radical. Prima pelo desrespeito a adversários, a cidadãos, a
sindicalistas, a trabalhadores e ao seu próprio secretariado. Manifesta uma clara vocação para humilhar
os outros. Mais ofende do que agrega; mais agride do que une. Despreza um princípio que deveria ser
cardeal na conduta de todo governante: promover a concórdia dos governados, a
paz e o entendimento com todos. Como principal magistrado do município, deveria buscar sempre a mediação racional
para resolver os conflitos. Mas faz
o contrário: os estimula, com práticas de arruaça política. Se, pela sua
esperteza e inteligência, Dória deixava dúvidas e esperanças acerca de seu
potencial de evoluir para a condição de um líder político efetivo, aos poucos,
pela atitudes agressivas e facciosas com que se conduz, vai consolidando a impressão de que trilhará cada vez mais o caminho
dos vaidosos e dos inconsequentes.
No
contexto da greve geral que parou o Brasil, Dória verbalizou várias agressões
contra grevistas, trabalhadores e sindicalistas. Classificou-os de preguiçosos
e vagabundos, entre outros tipos de ofensa. Cultiva um solene desprezo pela alteridade, pelo outro, pela diferença.
Vangloria-se de acordar cedo, definindo-se, desde a campanha eleitoral, como um
trabalhador. Esmera-se em aparecer
vestido de gari e de outras fantasias para criar uma imagem de algo que não é.
Há uma indignidade na conduta de Dória ao travestir-se, por mero proselitismo político, de trabalhador. Embora possa acordar cedo, ser
hiperativo e trabalhar muito, pelas categorias analíticas da sociologia e da
economia, ele, na
condição de empresário, é um capitalista. Possui meios de produção e aufere (ou auferiu antes de ser prefeito)
a sua renda desses meios.
Trabalhador, de fato, é um conceito amplo que, de modo geral, indica aquele que vive da sua força de trabalho, vendendo-a. Nos tempos modernos,
trabalhador veio sendo considerado, legal e formalmente, como aquele que
realiza uma atividade a partir de um contrato de assalariamento, de acordo com
a lei, na medida em que as relações de trabalho foram cada vez mais legalizadas
e reguladas pela ordem estatal. Aqui também está implicada a venda da força de
trabalho.
O empresário
ostentação e o capitalista asceta
Definitivamente, Dória não
é um trabalhador. A
indignidade desta comparação reside no fato de que as condições de vida de
Dória comparadas com as dos trabalhadores são drasticamente distintas,
brutalmente desiguais. Como empresário e
capitalista, Dória tem um capital declarado próximo dos duzentos milhões de
reais. Vive numa mansão nos Jardins, tem empregados como serviçais e já chegou a ser processado na Justiça do
Trabalho. Dispõe de muitos recursos e meios de vida, de deslocamento,
de fruição em termos de viagens, cultura, lazer, gastronomia etc. Dispõe de
helicóptero e jatinho, segundo noticiário da imprensa.
O
verdadeiro trabalhador não tem nada disso de que o Dória dispõe. Vive uma vida
de sacrifícios e de carecimentos. Se acorda às 4 ou 5 horas da manhã para
trabalhar, não o faz por decisão própria e por prazer, mas porque é obrigado.
Vive cansado, dorme pouco, perde horas no trânsito. O trabalho exaure as suas
forças e energias com o passar dos anos. Chegará à velhice e terá uma
aposentadoria miserável, que será ainda mais precária se a reforma da
previdência, que Dória apóia, for aprovada. Dória não tem por que se preocupar
com aposentadoria, com plano de saúde, com as vicissitudes da velhice. Terá recursos
para enfrentar tudo isto sem o temor de ter uma vida indigna nos tempos finais
da existência.
Enquanto
Dória vive no conforto de uma mansão luxuosa e frequenta a opulência das festas
dos salões dos Jardins, milhões de trabalhadores não têm casa, pagam o aluguel
ou prestações intermináveis da casa própria. Muitas vezes, falta-lhe o pão na
mesa, a alegria nos rostos, o brilho nos olhos, porque suas vidas são de
padecimentos e angústias. Diante dessas e de muitas outras diferenças, Dória deveria sentir vergonha na cara e não
declarar-se mais o "João trabalhador". Que se declare empresário e
gestor, e isto estará certo.
Já que
não dá para comparar o empresário e capitalista Dória a um trabalhador
verdadeiro, tome-se como termo de comparação o proselitismo e a vanglória que
ele faz de si mesmo por trabalhar muito e acordar cedo, com a conduta e as
atitudes de Antônio
Erminio de Morais, conhecido pela sua austeridade, pelo seu
despojamento, por trabalhar mais de 12 horas por dia e ainda por fazer hora extra
no Hospital da Beneficência Portuguesa, já que dedicou boa parte de sua vida à
assistência social.
Ao que se
sabe, Antônio Erminio nunca teve o desplante hipócrita de declarar-se
trabalhador ou mesmo de vangloriar-se por acordar cedo e trabalhar muito. Teve
um estilo de vida marcado pela ascese e foi avesso ao luxo e às festas dos
altos círculos da elite branca dos Jardins. Usava ternos surrados, era
econômico em pares de sapatos por ter apenas dois pés, dirigiu por décadas seu
próprio carro para ir ao trabalho e dispensava seguranças. Sabia que era
empresário e capitalista e honrava a sua condição com humildade, sem a vaidade
e a ostentação de um Dória. Dória
não é gentil, nem como prefeito e nem como homem.
Ao receber flores de uma moça, neste domingo, dia
30 de abril, em "homenagem aos mortos das marginais", ele atirou-as
ao chão, faltando com o respeito tanto com a moça, quanto com os mortos. Com essas atitudes agressivas e
belicosas, ele vai deixando um rastro de perplexidade nos munícipes, que passam
a vê-lo como um arrogante, como um
chefete medieval que se considera dono da cidade. Ao demitir Soninha Francine
da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social impôs-lhe uma humilhação
pública. Passa por cima de secretários, desrespeitando-os, quase que
diariamente.
Declarando-se
fiel a Alckmin,
manipula todos os cordões da infidelidade, estimulando sua candidatura
presidencial, seja pela via do MBL, seja nos salões da ostentação nos Jardins,
ou seja, ainda, através dos empresários seus amigos do Lide, com a promessa de
abrir-lhes as portas de negócios fabulosos no futuro.
Dória não mostrou ainda a que veio. Vangloria-se de ter zerado a
fila das consultas, mas os hospitais públicos estão mandando pacientes que
precisam de cirurgia para casa, pois não tem vagas, não tem equipamentos, não
tem médicos e nem remédios. A cidade não está nada linda: esburacada, com
semáforos queimados para todos os cantos e com a violência crescendo
assustadoramente. Moradia, educação e assistência social enfrentam vários
problemas. Programas sociais e culturais vão sendo podados.
O
marketing e o proselitismo podem muita coisa, mas não podem tudo. Aos poucos,
os paulistanos vão caindo na real e percebem que a vida no bairro não mudou ou
está mudando para pior. Banheiros perfumados podem mudar as aparências e o
odor, mas não mudam o esgoto a céu aberto de vários bairros, a falta de
zeladoria e o lixo espalhado. O
marketing e o proselitismo político têm data de validade e o João precisará
fazer bem mais do que a ostentação do título de "trabalhador" se
quiser manter parte do seu capital político e eleitoral e o benefício da dúvida
que muitos paulistanos ainda lhe concedem.
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