CartaCapital, 12/05/17
Editorial
O vilão engoliu o mocinho
Por Mino Carta
A triste, dolorosa encenação a que o
golpe nos obriga a assistir de súbito torna-se pantomima e o herói de um dos
principais atos da peça, o endeusado inquisidor Sergio Moro, mostra-se incapaz de acender a fogueira do auto de fé
ardorosamente ensaiado. O Narciso de camisa preta ficou escravo do papel que se
atribuiu sem condições de arcá-lo, para exibir redondamente toda sua pretensão
e mediocridade.
O embate de Curitiba previsto pela mídia nativa, pronta a
antecipar vencedor e vencido, assim como o inquisidor escolheu o culpado antes
de definir a culpa, soçobra no desfecho oposto. De todo modo, refrega não
houve, sobrou apenas a evidência da impossibilidade de condenar sem provas, bem
como outra, o vilão engoliu o mocinho.
De um lado, a figura enfadonha de voz melíflua a se enredar em sua
própria obsessão e em um emaranhado de perguntas repetidas incessantemente, do
outro um cidadão de muitas sutilezas e senso de humor na ponta da língua e no
semblante, disposto de improviso a perguntar: “Mas... cadê o Dallagnol?” De
fato, o pregador da cruzada não estava presente e nem por isso escapou à
flechada irônica.
O tom e o resultado do espetáculo curitibano são
transparentes aos olhos dos espectadores, a não ser para aqueles que não querem
ver, e da mídia nativa, que continua no seu esforço maciço de sustentar a
perseguição a Lula.
A culpa do ex-presidente resume-se no seu
favoritismo nas próximas eleições. Quem quiser saber dos fatos da quarta 10 de
maio leia a imprensa estrangeira. A nossa, esteio do estado de exceção, como de
hábito constrói a sua versão, cada vez mais falaciosa até os limites do
ridículo.
No país da casa-grande, a caçada a Lula é movida a ódio de classe e a
pregação midiática estimula o confronto entre ricos e pobres. Os coronéis e seus
jagunços são os verdadeiros subversivos. Não há carbonários a tramarem a
revolta popular, são os senhores que a insuflam, sem dar-se conta dos efeitos
de seu comportamento. Há neste enredo um toque espantoso de desvario, de
criminosa insensatez.
Até quando teremos de ler e ouvir a respeito do
triplex mirrado na praia dos farofeiros? Ainda haveremos de padecer as
histórias do sítio de Atibaia, com vista para a favela, da reforma da cozinha,
do barquinho de lata? O Brasil sofre com a situação precipitada pelo golpe de
2016, sofre muito e tudo indica que sofrerá ainda mais, mesmo porque difícil é
imaginar uma saída a curto ou médio prazo.
O governo ilegítimo promete uma recuperação
econômica graças às medidas contra o trabalho solicitadas pelo mercado. Há quem
acredite, gosta de enganar-se. A solução pacífica e inteligente está na
convocação de eleições antecipadas. Mas como premiar a sensatez em meio à crise
mental?
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