Blog Infopetro, 18/04/17
Corrupção na Indústria de Petróleo: Um fenômeno estrutural
Por Marcelo Colomer
“…o escândalo da Tampa do Bule como um todo – desde Fall, Doheny e Sinclair até Stewart – se encarregou de inculcar na mente do público uma imagem nefanda do poder e da corrupção do dinheiro do petróleo exatamente quando a Standard Oil Trust havia cessado de fazê-lo” (Yergin, D. 2010 pp. 243)
A passagem acima refere-se ao maior escândalo de corrupção envolvendo a indústria de petróleo norte-americana que ficou conhecido como o caso da Tampa do Bule[1]. Na década de 1920, os campos petrolíferos destinados a serem reservas estratégicas da Marinha americana foram arrendados para duas empresas privadas após uma série de manobras políticas pouco transparentes e, no mínimo, suspeitas.
A transação acima ocorreu durante o período em que Albert Fall foi Secretário do Interior dos EUA. Após sucessivas manobras políticas, Fall conseguiu transferir o controle das reservas estratégicas do Ministério da Marinha[2] para o Departamento do Interior. Posteriormente, o então secretário do interior arrendou as reservas da Armada, por meio de acordos extremamente favoráveis, a Harry Sinclair e Edward Doheny.
A operação de arrendamento da Tampa do Bule chamou a atenção, não só de toda a indústria petrolífera norte-americana, como também de Washington. Assim, após uma série de suspeitas e rumores sobre a transação envolvendo as reservas da marinha, o congresso norte-americano decidiu abrir uma investigação sobre o caso.
Questionado sobre as dispendiosas reformas realizadas em sua fazenda no Novo México, Fall afirmou que havia pego um empréstimo de 100 mil dólares com Ned MacLean, editor do Washington Post e amigo de longa data de Fall. A história do então Secretário do Interior não convenceu o Senado que continuou suas investigações pressionando Doheny que assumiu ter pago 100 mil dólares para Albert Fall. (Yergin, 2010)
O envolvimento de Maclean trouxe a suspeita, posteriormente confirmada, de que o caso da Tampa do Bule era maior do que os primeiros indícios sugeriam. Descobriu-se que MacLean havia trocado uma série de telegramas com diversas pessoas em Washington utilizando um velho código do departamento de justiça. O envolvimento do editor do Washington Post no esquema de corrupção levou a afirmação do The New Republic de que Washington estava andando atolada em óleo até os ombros. (Yergin, 2010)
Em 1928, os investigadores do caso descobriram que Sinclair havia repassado a Fall quantias ainda maiores do que as já descobertas através de uma falsa companhia, a Continental Trading Company. Ao total, Fall recebera 409 mil dólares de Doheny e Sinclair (Yergin, 2010). Em 1931, Fall foi acusado e sentenciado a prisão por crimes cometidos no exercício do cargo. Sinclair recebeu a pena de seis meses e meio de reclusão por desprezar a Corte e o Senado. Doheny foi julgado inocente e nunca foi para a cadeia. Segundo um senador da época: “Não dá para condenar um milhão de dólares nos Estados Unidos”. (Yergin, 2010)
O escândalo da Tampa do Bule assumiu proporções ainda maiores quando se descobriu que inúmeras empresas de petróleo, inclusive a Standard Oil of Indiana (SOI), haviam usado a Continental Trading Company para receber restituições do governo norte-americano, na forma de Bônus Federais, pelas compras de petróleo feitas durante a primeira guerra mundial e destinadas para as próprias empresas. Sinclair usara parte de seus bônus para pagar Fall e dera também uma parte para o Comitê Nacional Republicano. Enquanto Robert Stewart, presidente da SOI, admitiu ter recebido 760 mil dólares em bônus.
O escândalo da Tampa do Bule evidencia que a corrupção na indústria de petróleo não é um fenômeno contemporâneo e nem exclusivo de países em desenvolvimento com indústrias controladas por empresas estatais. De fato, desde 1900 há relatos de corrupção nos Estados Unidos envolvendo a indústria de petróleo. Segundo Yergin, a Standard Oil buscou “influenciar o processo político aperfeiçoando a arte da contribuição política oportuna”. A companhia elegeu um senador republicando pelo estado de Ohio assim como fez generosas contribuições para um senador democrata do Texas nas eleições de 1900. (Yergin, 2010 pag. 108)
Ao longo da história, foram inúmeros os casos de corrupção envolvendo companhias de petróleo. Desde as negociações dos campos petrolíferos da antiga Pérsia, na década de 30, até os recentes casos de corrupção envolvendo a petrolífera estatal brasileira (Petrobras), a relação entre as empresas de petróleo e os estados nacionais esteve sempre vulnerável a práticas pouco transparentes.
O mais recente caso de corrupção envolvendo empresas de petróleo tem como protagonistas a Shell, a ENI e o governo Nigeriano. A empresa Anglo-Holandesa e a Italiana vêm sendo investigadas por possível envolvimento no caso de corrupção na aquisição de campos de petróleo na Nigéria. As investigações estão direcionadas para a aquisição do campo OPL 245, localizado na costa da Nigéria e com potencial estimado de produção de 9 bilhões de barris de petróleo. Inicialmente pertencente a empresa do ex-Ministro de Petróleo da Nigéria, Dan Etete, o OPL 245 foi adquirido pelo consórcio Shell/ENI em 2011 pelo valor de US$ 1,3 bilhão, pagos ao governo nigeriano.
As suspeitas sobre a idoneidade e transparência da transação envolvendo a aquisição do OPL 245 começaram quando, após a aquisição do campo pelo consórcio Anglo/Italiano, o governo nigeriano transferiu US$ 1,1 bilhão para a empresa Malabu, de Dan Etete (BBC, 2017a). Segundo a BBC (2017a), dados da investigação mostram que representantes da Shell e da ENI vinham negociando a compra do OPL 245 diretamente com Etete e que a transação seria uma forma de repassar para o ex-Ministro e para o ex-Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, quantias significativas. As investigações ainda estão em curso, mas a Shell já admite ter, por inúmeras vezes, tentado negociar diretamente com Dan Etete, antes de realizar a negociação de aquisição do campo com o governo nigeriano.
Segundo a Shell:
“Over time it became clear to us that Etete was involved in Malabu and that the only way to resolve the impasse through a negotiated settlement was to engage with Etete and Malabu, whether we liked it or not. This was consistent with the Federal Government of Nigeria´s (FGN) position” “We believe that the settlement was a fully legal transaction with the FGN” (BBC, 2017b) [3]
Os casos acimas referidos sugerem uma componente estrutural da corrupção na indústria de petróleo. No caso da Shell e da ENI na Nigéria há, nitidamente, uma componente institucional e, até mesmo, cultural nas denúncias de corrupção investigadas. Segundo as empresas acima referenciadas, as negociações prévias com Etete não só eram de conhecimento do governo nigeriano, como também estavam de acordo com as leis do país.
Em outros termos, a tolerância em relação as práticas de corrupção e, até mesmo a definição de corrupção, depende da forma como cada sociedade interpreta a relação estabelecida entre o Estado e as empresas. Essas diferentes visões culturais acerca das relações estabelecidas entre o público e o privado é uma das explicações do caráter estrutural da corrupção na indústria de petróleo em função do caráter multinacional das atividades de exploração e produção.
A hipótese de fenômeno estrutural vê a disputa pelas rendas minerais, característica da indústria de petróleo, como um campo fértil para a proliferação de práticas pouco transparentes e mesmo ilegais de financiamento de agentes públicos.
Além da natureza global das atividades da indústria petrolífera, as escalas de produção e a complexidade dos investimentos e dos arranjos contratuais com os governos, fornecedores e empresas parceiras tornam a indústria de petróleo e gás natural vulnerável às práticas de corrupção e suborno.
Vários modelos teóricos foram desenvolvidos para tentar explicar a corrupção como fenômeno estrutural. Harstad e Svensson (2011) apresentam um modelo teórico em que mostram que as empresas subornam e atuam na prática de lobby a fim de influenciar o desenvolvimento do arcabouço regulatório em seu favor. De modo semelhante, Fredriksson et al. (2004) mostra que quanto mais frequente a prática de corrupção menos restritiva é a política energética do país.
Outras correntes teóricas destacam o nexo entre a corrupção, regulação e lobby. Bjertnaes e Faehn (2008) afirmam que a probabilidade de ocorrência de práticas de corrupção aumenta significativamente na indústria de petróleo e gás, já que o setor envolve elevados investimentos e frequentes interações com funcionários do governo.
A literatura também sugere que as empresas de petróleo atuam em grupo na atividade de lobby para influenciar a regulamentação. Por exemplo, quatro grandes empresas petrolíferas (BP, Caltex, Mobil e Shell) vêm ganhando a batalha contra o governo australiano no que diz respeito a remoção da regulamentação dos preços da gasolina na Austrália (Valadkhani, 2013). Similarmente, Marques et al. (2010) identificou importantes ações de lobby das empresas de petróleo contra as energias alternativas de forma a proteger seus Interesse próprio. Esta descoberta é suportada por Huang et al. (2007) e Sovacool (2009), que observam que o lobby das fontes de energia tradicionais vem resultando em atraso na utilização de energias alternativas.
Jeong e Weiner (2012) identificaram que as características institucionais dos países também desempenham um papel importante no controle da intenção das empresas a praticarem atos antiéticos. Os autores observam que a prática de corrupção é mais comum em países com fragilidade institucional e regulatória. De modo semelhante, Baughn. (2010) indica que é mais provável que as empresas se envolvam em práticas de corrupção em países onde a corrupção é socialmente tolerada.
Gupta (2017) sugere que as empresas de petróleo se utilizam de sua posição dominante na indústria para manter o controle sobre os recursos petrolíferos presentes e futuros e criar potencialmente barreiras à entrada de novas empresas através da prática de suborno, corrupção e lobby. Os resultados do estudo de Gupta (2017) também sugerem que os fatores institucionais desempenham papel importantes na frequência das práticas de corrupção, já que a ocorrência desse tipo de práticas é mais frequente em países com fragilidade institucional.
A literatura acima apresentada traz diversas implicações de políticas públicas. O aumento da concorrência, ao incentivar o aumento da eficiência, da produtividade e do controle de custos tende a limitar as práticas antiéticas. Além disso, o fortalecimento das instituições de controle e fiscalização, assim como o desenvolvimento de um arcabouço regulatório robusto, tende a desencorajar as empresas a se utilizarem de instrumentos antiéticos para obterem benefícios indevidos. Kolstad e Wiig (2009) e Papyrakis (2016) sugerem que não há uma única solução para a corrupção. São necessárias reformas multifacetadas para controlar tais tipos de comportamentos. Penas elevadas, medidas disciplinares, medidas de combate à corrupção e medidas eficazes de detecção são outras ações necessárias para dissuadir as empresas a adotarem práticas antiéticas (O’Higgins, 2006).
É importante destacar também que uma maior cooperação entre os países e instituições internacionais é de fundamental importância no combate a corrupção principalmente na indústria de petróleo, uma vez que as empresas desse setor usualmente estão domiciliadas em um país, mas obtém suas receitas de diversas regiões do globo. Assim, uma colaboração eficaz entre os países desencorajará as empresas de praticar atos de corrupção, quer no país sede, quer no país produtor.
Sem dúvida, a corrupção na indústria de petróleo não é um fenômeno contemporâneo e nem exclusivo dos países em desenvolvimento e das empresas estatais. Entender as diferentes causas que levam a adoção de práticas pouco transparentes de negócio é de fundamental importância para se resolver o problema de corrupção na indústria de petróleo. Em algumas situações, a prática antiética é um fenômeno isolado ligado ao comportamento de alguns executivos. Nesses casos, a definição de esquemas de fiscalização e controle dentro da empresa e a adoção de penas severas por parte do Estado mostram-se eficazes. Em outras situações, as práticas de corrupção estão enraizadas nas relações construídas entre as empresas e o Estado, sendo muitas vezes, suportadas institucionalmente. Nesses casos, o controle da corrupção exige esquemas de ação mais complexos, envolvendo até mesmo, mudanças institucionais importantes. O estudo das relações entre o público e privado na indústria de petróleo mostra-se, nesse sentido, uma importante agenda de pesquisa onde devemos nos debruçar com mais atenção e cuidado.
Bibliografia
BBC, 2017a Shell corruption probe: New evidence on oil payments, Disponível em http://www.bbc.com/news/
BBC, 2017b Shell admits dealing with money launderer, Disponível em http://www.bbc.com/news/
Bjertnæs, G.H., Fæhn, T., 2008. Energy taxation in a small, open economy: social efficiency gains versus industrial concerns. Energy Econ. 30, 2050–2071.
Fredriksson, P.G., Vollebergh, H.R., Dijkgraaf, E., 2004. Corruption and energy efficiency in OECD countries: theory and evidence. J. Environ. Econ. Manag. 47, 207–231.
Frynas, J.G., 2010. Corporate social responsibility and societal governance: lessons from transparency in the oil and gas sector. J. Bus. Ethics 93, 163–179.
Harstad, B., Svensson, J., 2011. Bribes, lobbying, and development. Am. Polit. Sci. Rev. 105, 46–63.
Huang, M.-Y., Alavalapati, J.R., Carter, D.R., Langholtz, M.H., 2007. Is the choice of renewable portfolio standards random? Energy Policy 35, 5571–5575.
Jeong, Y., Weiner, R.J., 2012. Who bribes? Evidence from the United Nations’ oil-forfood program. Strateg. Manag. J. 33, 1363–1383.
Kolstad, I., Wiig, A., 2009. Is transparency the key to reducing corruption in resourcerich countries? World Dev. 37, 521–532.
Marques, A.C., Fuinhas, J.A., Manso, J.P., 2010. Motivations driving renewable energy in European countries: a panel data approach. Energy Policy 38, 6877–6885.
O’Higgins, E.R., 2006. Corruption, underdevelopment, and extractive resource industries: addressing the vicious cycle. Bus. Ethics Q. 16, 235–254.
Papyrakis, E., Rieger, M., Gilberthorpe, E., 2016. Corruption and the extractive industries transparency initiative. J. Dev. Stud., 1–15.
Sovacool, B.K., 2009. Rejecting renewables: the socio-technical impediments to renewable electricity in the United States. Energy Policy 37, 4500–4513.
Valadkhani, A., 2013. Do petrol prices rise faster than they fall when the market shows significant disequilibria? Energy Econ. 39, 66–80.
Yergin, D. 2010 O Petróleo: Uma História Mundial de Conquistas, Poder e Dinheiro. Ed Paz e Terra, São Paulo.
[1] A Tampa do Bule é um dos três campos petrolíferos que, como resultado do debate sobre a conversão da armada americana do carvão para o óleo combustível, o governo americano destinou para a marinha como reserva estratégica.
[2] Descobriu-se posteriormente que oficiais da marinha contrários a transferência das reservas da Marinha para o Departamento do Interior foram transferidos para postos distantes e inacessíveis.
[3] “Com o tempo, ficou claro para nós que Etete estava envolvida em Malabu e que a única maneira de resolver o impasse através de um acordo negociado era envolver-se com Etete e Malabu, gostássemos ou não. Isso foi consistente com a posição do Governo Federal da Nigéria (FGN) “” Acreditamos que o acordo foi uma transação totalmente legal com a FGN “(BBC, 2017b).
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