Dora Incontri, 11/05/17
Lula: a visão de uma anarquista
Nunca
votei no Lula. Também não votei em Dilma. Nem em Fernando
Henrique, nem em Collor. Não votei,
porque sou anarquista. O que é ser anarquista? É ter consciência de que os sistemas de governo – todos, incluindo a democracia e incluindo os
sistemas pretensamente socialistas que tivemos na história recente – estão
sempre a serviço de alguma classe, de alguns privilegiados. O Estado é mantido pela violência militar e
policial, que pode ser usada a qualquer momento contra o próprio povo ou contra
outros povos. E sempre a serviço de interesses de grupos. No caso da democracia atual, ela está a
serviço dos bancos, das corporações, dos lobbies, das elites locais e das
elites internacionais. Em momentos menos ruins, sobram alguns direitos a
mais para o povo. Em algumas tradições de construção estatal, com mais tempo
sob influência de ideias sociais e igualitárias, como alguns países da Europa,
houve maior oportunidade para o povo adquirir mais educação e um tanto mais de
direitos – mas que agora estão sendo retirados em toda parte.
Em todas
as democracias do planeta, é o dinheiro do capital que financia os políticos
que, portanto, estão a serviço do capital.
Se aqui temos uma Odebrecht, nos EUA, temos por exemplo uma indústria bélica,
com que os governos “eleitos democraticamente” estão comprometidos até o
pescoço. Já o grande anarquista
norte-americano Henry Thoreau, no século
XIX, negava-se a pagar impostos, porque o dinheiro seria usado para armamentos
e guerras expansionistas, que desde aquela época era a política externa do seu
país.
Para entrar no jogo político, portanto, ser
eleito, governar e fazer acordos, usa-se dinheiro. O dinheiro corrompe
princípios, compra pessoas, atende a interesses de grupos e não aos interesses
da coletividade.
Assim, nunca
me iludi que o PT pudesse manter uma pureza de vestal, ao entrar no jogo do
poder e realmente governar. Por isso, nunca votei no PT.
Mas, dentro dessa realidade de como funciona a democracia,
por que se escolheu agora fazer uma
cruzada inquisitorial, para varrer a corrupção na política? Por que se derrubou
o governo Dilma e se persegue com voracidade a pessoa do Lula? Por que Lula
está sendo acusado (ainda sem nenhuma prova e com uma orquestração odienta da
mídia em peso) de ter um apartamento triplex no Guarujá e Fernando Henrique,
sob cujo governo havia os mesmos esquemas de corrupção endêmica no Brasil, não
está sendo investigado por seu apartamento em Paris?
Por que há
uma multidão no Brasil espumando de ódio contra um homem de 70 anos, querendo
sua prisão, como fanáticos inquisidores queriam eliminar as bruxas? Por que se
cuspiu na dignidade de uma mulher como Dilma, que não teve até agora nenhum
crime comprovado – quando o congresso nacional e esse governo ilegítimo estão
tomados de corruptos já mencionados em todas as investigações em curso?
Por três motivos principais:
1) Porque por mais que os governos do PT tivessem
adotado a famosa governabilidade – que significa a composição com as forças
econômicas e políticas que desde sempre comandam o país, ainda havia nesses governos uma preocupação com o social e um
impedimento de se implementar plenamente o programa neoliberal selvagem a que
estamos sendo submetidos desde o golpe. Acabar com todos os direitos
trabalhistas, esvaziar ainda mais a já combalida educação pública, arrancar
dinheiro da saúde, da previdência e da educação, sem mexer um milímetro com os
juros exorbitantes dos bancos e com os impostos devidos pelos ricos… Isso só
poderia ser feito por um governo que não foi eleito e que está a serviço desse
projeto de neoliberalismo selvagem, que aliás é um projeto internacional.
2) Porque enquanto esses direitos são tirados do
povo, a mídia, alimentada em primeira
mão pela republiqueta de Curitiba e em conluio com ela, montou um circo
inquisitorial, em que o principal bode expiatório é o Lula, com seu suposto
e patético triplex. Oferece-se alguém ou
um grupo para se odiar, com linchamentos públicos diários, e o povo deixa vir à
tona seus instintos mais primitivos, enquanto lhe surrupiam os direitos e a
nação. Técnica muito conhecida pelos nazistas e descrita por George Orwell em ‘1984’!
Não por acaso, nesse livro é que aparece
a figura mediática do Grande Irmão (Big Brother)… Lembra alguma coisa?
3) Porque o Brasil era uma economia ascendente –
participante do Brics (grupo composto pelas chamadas economias emergentes,
Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e economias emergentes devem ser cortadas pela raiz pelo Império
dominante no planeta. Gera-se então
uma crise artificial, produz-se descontentamento popular e faz-se cair o
governo que causa incômodo àqueles que de fato mandam no mundo. E mais, o Brasil, com seus recursos naturais de
petróleo e água, não pode crescer com seus recursos. Eles devem ser
transferidos aos donos do mundo. Entre as primeiras ações do governo golpista foi a de
entregar o pré-sal ao capital estrangeiro.
E toda
essa trama que parece maquiavélica e é maquiavélica sim (aliás, uma leitura
esclarecedora é ‘O Príncipe’
de Maquiavel,
para vermos como o poder se comporta em todos os tempos) é possível pela
alienação do povo e por seu desejo de odiar alguém, em que pode depositar suas
frustrações e sua agressividade. Lula é o objeto perfeito para esse ódio, porque muita
gente jamais aceitou que um operário, um “analfabeto”, chegasse ao poder….
Por isso tantos acham normal Fernando
Henrique ter um apartamento em Paris, mas babam de raiva com um suposto triplex
de Lula no Guarujá. Esse menino nordestino saiu do lugar da senzala a que
são destinados os de sua classe social. E não vi ninguém espumando contra a
Odebrecht, que participou da corrupção de todos os governos….
E por fim, como anarquista e como espírita e
cristã, não me apraz ver ninguém, nem Lula, nem qualquer outro político, de
qualquer partido, seja José Dirceu, Sérgio Cabral ou Eduardo Cunha (de
quem tinha verdadeiro horror quando comandava o Congresso), nenhum ser humano,
seja criminoso ou não, ser humilhado, com sua dignidade arrancada. Esse sistema de suposta justiça que temos
no mundo, e ainda mais no Brasil com seu sistema carcerário indecente, é na
verdade um sistema de vingança social. Não se quer consertar a ação maléfica e
melhorar quem a praticou, mas punir sadicamente o indivíduo, satisfazendo um
anseio de extermínio do outro. Pessoas diante de um tribunal, culpadas ou
não, e pessoas encarceradas, em prisões decentes ou não, me causam compaixão e
empatia e não satisfação.
Por tudo isso e mais um pouco, digo o seguinte:
Nunca votei no Lula e nunca votei em nenhum
presidente. Mas se esse homem, que
cresceu aos meus olhos, pela perseguição implacável que vem sofrendo, conseguir
sobreviver ao massacre e se levantar de novo como candidato em 2018, terá
finalmente meu voto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário