domingo, 7 de julho de 2013

Símbolo da cidade, gari vira celebridad​e carioca

 
 
O Globo.com, 7/07/13
 
 
Símbolo da cidade, gari vira celebridade carioca
 
 
 
Leticia Helena
 
 
 

O charme carioca na ginga dos garis celebridades (da esquerda para direita): Genilson Ferreira, Amanda Satorno, Renato Sorriso e Valdo da Conceição
Foto: Laura Marques
O charme carioca na ginga dos garis celebridades (da esquerda para direita): Genilson Ferreira, Amanda Satorno, Renato Sorriso e Valdo da Conceição Laura Marques



RIO — Não se atreva a chamar um gari de lixeiro. É comprar briga na certa. Afinal de contas, a categoria está com tudo e está prosa. Na trilha de Renato Sorriso, a turma do uniforme laranja foi incorporada ao folclore da cidade e ganhou status de, digamos, figura típica. Coisa de carioca com selo de exportação: os garis que trabalham em áreas turísticas, por exemplo, já nem se espantam mais quando são abordados por estrangeiros em busca de um clique. Suprema glória, Regina Casé, madrinha informal dos profissionais da limpeza, incorporou-os ao elenco de seu “Esquenta” — todo domingo, os destaques da vassoura desfilam pelo programa ao lado de sambistas, funkeiros, atores globais e outras celebridades. Ao que tudo indica, a capa da invisibilidade social foi parar... no lixo.

Um dia, resolvi contar quantas pessoas respondiam ao meu “bom dia” — conta Genilson Ferreira de Souza, de 37 anos, gari há 15. — Quase ninguém. Hoje, quando a gente chega, vem logo alguém oferecer água e cafezinho.

 
Fila para sambar na TV
Genilson é gari alpinista, especializado em recolher lixo em lugares de difícil acesso. Por conta da habilidade em escaladas, gravou um programa especial para o SporTV, quando, finalmente, pôde fazer rapel por diversão. Como se trata de um esporte caro, Genilson só sai bancando o Homem-Aranha no trabalho. E, apesar de meio tímido, também teve seu dia de glória no “Esquenta”.
— Quando cheguei para gravar e vi aquele monte de artistas, pensei: aqui é gente como a gente — diz ele.
Outro habitué das câmeras é Valdo Luís Marques da Conceição, de 46 anos, 11 na limpeza, atualmente lotado na Praça Quinze e arredores. Figurinha frequente no programa dominical, ele está escrevendo um livro sobre a profissão, adora tirar fotos com os colegas de palco e se orgulha de ser reconhecido pelas ruas.
— Gravei com a Marina Silva e, uns dias depois, estava varrendo a Cinelândia para a recepção ao presidente Barack Obama quando ela me viu e veio falar comigo. Já viu, né?
Na TV, ele mostra seu talento de passista — saber sambar não é exigência, mas conta pontos para garantir a vaga no programa. Até agora, cerca de 70 garis já requebraram na telinha: são sete por semana, escolhidos entre os profissionais mais bem avaliados pelos gerentes das regionais da Comlurb. Pontualidade e assiduidade estão entre os critérios de escolha. Tem gente que liga para pedir uma chance, mas a relação candidato-vaga é alta: a Comlurb tem mais de 14 mil garis. Desinibição também é importante. Nesse quesito, Valdo tira nota dez.
— Outro dia, uns estrangeiros me abordaram na Praça Quinze. Conversa vai, conversa vem, quiseram tirar fotos comigo. O gari carioca foi parar na Dinamarca — orgulha-se ele, que não fala inglês, mas “se virou” para entender os turistas.


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Amanda Beatriz do Nascimento Satorno
 

E, mal estreou no time de garis celebridades, Amanda Beatriz do Nascimento Satorno, de 22 anos, já virou candidatíssima ao posto de musa da turma do uniforme laranja. Mulata, magra e linda, ela varre a Rua Santo Amaro, em Santa Teresa, há apenas nove meses, sob os olhares de admiração dos moradores.
— Antes de aparecer na TV, as pessoas já falavam comigo, mas, agora, todo mundo reconhece e me aponta — diz a moça, meio envergonhada com a notoriedade súbita.
Para Renato Luiz Feliciano Lourenço, o Sorriso, de 49 anos, 18 de Comlurb, só mesmo o carioca para adotar o gari como figura símbolo. Embora hoje faça palestras de motivação profissional e mantenha uma equipe de som, ele ainda pega na vassoura, na Praça Xavier de Brito, na Tijuca. Virou uma espécie de garoto-propaganda informal da companhia e tem dezenas de participações em programas no currículo. Apareceu, por exemplo, no filme da campanha do Rio a cidade-sede das Olimpíadas e na novela “América”.
E, apesar da humildade com que ele veste o uniforme laranja e capricha na manutenção da pracinha, não disfarça o orgulho de ter mudado a imagem de sua profissão.
Lixeiro é quem joga lixo na rua. Nós recolhemos os detritos, somos garis — filosofa ele. — Não somos mais invisíveis, agora fazemos parte da sociedade.

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